(Esta série é uma homenagem ao meu mestre e professor de vida Abdias Moura. Inspira-se na idéia de seu livro “O Recife dos Romancistas” – Paisagens – Costumes – Rebeliões – FacForm, 2010)
Por Joaquim Macedo Junior
Por Joaquim Macedo Junior
Paulinho: ‘Para um Amor no Recife’
Paulinho da Viola é um dos compositores brasileiros que mais respeito e gosto de ouvir. É tradicionalista e transgressor, acadêmico e popular. Fez e faz a mais rica e completa transição de gêneros musicais, samba, samba-canção, choro ao longo de um século, nos seus 71 anos.
Para mim, possui a fineza do poeta maior e a compreensão e sensibilidade de um artista sem limites no captar o original, refazê-lo e requintá-lo. Por isso, sempre repito Paulinho, para qualquer tema, o jargão: “Tá legal. Eu aceito o argumento, mas não me altere o samba tanto assim…”.
Depois de trazer Dorival Caymmi com “Dora” e Marcos, Paulo Sérgio Valle e Novelli, com “Pelas ruas do Recife”, desta série “Mestres de outros cantos cantando Pernambuco”, apresento hoje Paulinho da Viola, com “Para um Amor no Recife” (que só menciona a cidade no título).
É das mais belas melodias do cancioneiro nacional, com o apoio de uma letra dura, aguda, seca e linda, que só poeta grande pode fazer.
Sempre gostei, entre tantas canções excepcionais de Paulinho, deste “Para um Amor no Recife”. Tenho vários parceiros nesta opinião, críticos, estudiosos, compositores, mas principalmente a de um de seus filhos, que revela a preferência no filme “Meu Tempo é Hoje”, de 2003.
A música já foi regravada por Fafá de Belém, Zé Ramalho e Marina Lima (depois da do autor, a melhor gravação). Para mim, restou a polêmica: o que tem ver com o Recife uma canção que sequer cita o nome da cidade em seus versos? A minha angústia é antiga e já ensaiei várias hipóteses que pudessem inspirar o compositor a colocar Recife no título. A mais fácil, mas não necessariamente correta é: ele a fez quando de alguma turnê na capital de Pernambuco. Aliás, fico pensando, por que tanto trabalho se já me basta a canção?
Meus amigos o que vou apresentar aqui é a primeira versão, materializada, que encontrei que pode responder à intrigante pergunta.
Colhido no ‘Blog Memória do Samba’, Uraniano Mota (*) diz, em trecho do artigo “Meu Tempo é Hoje”:
“Então houve ‘Para um amor no Recife’. Diziam então que Paulinho fizera essa música em homenagem à secretária de dom Hélder Câmara.
Entre o sussurro e a maledicência, entre a repressão da ditadura Médici e a resistência serena erguia-se um poema belo, quase autônomo da melodia: ‘A razão porque mando um sorriso e não corro, é que andei levando a vida quase morto…..’ Esta é uma canção que só fez melhorar ao longo de todos esses anos. A ditadura não existe mais, o seu motivo imediato não mais existe, mas a composição só vem crescendo, apesar da degradação do Recife, que entra quase incidentalmente no título’. (*) Urariano Mota.
Para não ficar com fonte exclusiva, fui atrás de outros vestígios. Encontrei o artigo “Paulinho da Viola: Meu Tempo é Hoje” no site ‘Acessa.com’, em que o jornalista Fernando da Mota Lima (**) cita, em trecho, analisando a película sobre a vida de Paulinho:
“Ocupo-me agora do núcleo central do filme comprimido no título e na letra do samba de Wilson Batista. Lembro antes disso que Wilson é confessadamente um dos compositores prediletos de Paulinho. Lembro-me ainda, introduzindo aqui uma nota de memória pessoal, de quando o conheci em Recife em meados dos anos 1970, no auge, portanto, do seu sucesso como autor e intérprete de música popular. Fui levado por Jomard Muniz de Britto para jantar com Paulinho, jovem tímido e ainda bem inseguro, e d. Hélder Câmara num apartamento da av. Conde da Boa Vista, onde amigos hospedavam o cantor que horas mais tarde fez um belo e concorrido show no Teatro do Parque…”
De minha parte, além de “Para um Amor no Recife”, as três canções que prefiro de Paulinho são “Sinal fechado”, “Coisas do mundo, Minha nega”, e “Choro negro”. Como vêem, não são três, mas sim quatro. Difícil, geralmente arbitrário, escolher algumas preferidas num conjunto tão belo de obras musicais. Ouça: “Para um Amor no Recife”:
A razão porque mando um sorriso
E não corro
É que andei levando a vida
Quase morto
Quero fechar a ferida
Quero estancar o sangue
E sepultar bem longe
O que restou da camisa
Colorida que cobria minha dor
Meu amor eu não esqueço
Não se esqueça por favor
Que voltarei depressa
Tão logo a noite acabe
Tão logo este tempo passe
Para beijar você.
Brevíssimo perfil:
Paulo César Batista de Faria, ‘Paulinho da Viola’, cantor, compositor e violonista brasileiro, nasceu no Rio de Janeiro, em 12 de novembro de 1942. Filho do violonista César Faria, integrante do conjunto de choro Época de Ouro, é parceiro de sambistas ilustres como Cartola, Elton Medeiros e Candeia. Destaca-se como cantor e compositor de samba, mas também compõe choros e é tido como um dos mais talentosos autores da MPB.
Torcedor do Vasco da Gama, é um portelense apaixonado, escola para a qual já fez sambas importantes. Entre centenas de canções, Paulinho fez “O Príncipe do Samba”, “Coração Leviano”, “Foi um Rio que Passou em Minha Vida”, “Dança da Solidão”, “Coisas do Mundo, Minha Nega” etc.
Sua elegância se deve não apenas a seu extraordinário talento e sofisticação musical, mas também por sua postura pessoal e caráter.
(*) Jornalista e escritor, Urariano Mota nasceu no Recife-PE, em 1950. Publicou contos, crônicas e artigos nos jornais semanários Movimento (SP) e Opinião (RJ); nas revistas Escrita e Ficção, além de outros vários periódicos que faziam oposição aberta à ditadura militar instalada no Brasil em 1964 e que ficaram conhecidos como veículos da “imprensa alternativa”. Também publicou textos nas revistas Carta Capital, Fórum e Continente.
(**) Professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco, Fernando da Mota escreveu também ‘Edu Lobo Bossa Recife’ e ‘Vinícius’. Nasceu em São Benedito do Sul, lugar que quase não figura no mapa de Pernambuco. Gosta, no entanto, de se apresentar como nativo de Igarapeba, que definitivamente não existe em mapa nenhum. Por isso aprecia dizer que Igarapeba é a esfinge dos geógrafos. Considera-se antes de tudo um desenraizado, até intelectualmente. Não publicou livros, salvo um que renegou. Acha que há livros demais no mundo. A grande prioridade é formar leitor inteligente e sensível. Ama a Inglaterra, onde teve a ventura de viver anos fundamentais. Site Acessa.com (Gramsci e o Brasil).
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