Artista que vem galgando espaços cada vez mais significativos no exterior, Pedro Moraes vem apresentando "Claroescuro", álbum conceitual que retrata a genuína diversidade cultural existente em nosso país perpassando por alguns dos diversos ritmos que constituem nossa música.
Por Bruno Negromonte
Recentemente apresentamos ao público leitor do Musicaria Brasil o cantor e compositor carioca Pedro Moraes, artista que vem ganhando um significativo espaço no cenário musical internacional em países como os Estados Unidos e a índia, onde teve seu álbum lançado pelo selo Rock´nd Raaga, sendo o primeiro álbum brasileiro a ser distribuído por terras indianas. Por falar em América do Norte, o jornal norte-americano Boston Globe, já é um dos dez melhores cd's, a nível mundial, deste ano. No Brasil, Pedro ganhou notoriedade a nível nacional desde a sua participação no programa "Som Brasil" onde interpretou dois clássicos de seu conterrâneo Cartola e participou de grupos como o Umbando e como vocalista do "É com esse que eu vou", grupo expoente da nova geração do samba no bairro carioca da Lapa como pode-se conferir a partir da matéria A CATARSE MUSICAL DE PEDRO MORAES. Gentilmente, Pedro nos concedeu esta pequena entrevista onde fala, dentre outras coisas, receio para a receptividade do próximo registro fonográfico e de como o seu trabalho chegou a ser lançado na índia, como vocês podem conferir no bate-papo a seguir! Boa leitura!
A música o acompanha desde a infância ou foi algo que
só veio a surgir em um dado momento de sua vida? Como se deu o seu envolvimento
tanto com a composição quanto com o instrumento?
Pedro Moraes - Meus pais se conheceram num samba de roda, na Bahia.
Minha mãe, então estudante de medicina, espraiando seus solares dotes vocais
para (é o que diz a lenda familiar, sempre mais interessante do que os fatos)
pagar mais uma rodada de cerveja a seus amigos, e meu pai, o aparente turista
que saca de um agogô e... bom, pode-se dizer que a música surgiu na minha vida
anos antes da própria vida.
Crescendo, sempre se ouviu e tocou muita
música em casa. Música brasileira, samba, choro, clássicos... principalmente do
período Barroco ao Romântico (a música erudita do século XX entrou no meu radar
bem mais tarde). Os primeiros acordes ao violão, foi meu pai quem ensinou.
A composição veio mais tarde. As
primeiras canções... tinha já uns dezoito anos. E a idéia de que poderia vir a
tornar-me um músico profissional ainda tardaria bastante a se manifestar. Boa
parte dos meus amigos músicos já tinham sua banda de rock, ou animavam a roda
de violão em sua adolescência. Eu era um tímido.
Em sua biografia artística conta que você chegou a apresentar-se nas noites
cariocas nos mais diversos locais. Você chegou a utilizar essas suas
apresentações nos bares e afins do Rio de Janeiro como laboratório de algumas
composições suas? Se sim, como era a reação do público presente?
PM - Quando sentia confiança, lançava canções minhas entre os clássicos... A
reação geral não revelava muito. Na chamada noite, a maior parte das pessoas
está mais ocupada com seus copos e papos e flertes do que com a música... a não
ser que esta seja imediatamente interativa (sirva para dançar ou cantar junto).
No entanto, sempre havia uma ou outra pessoa mais atenta que vinha falar
comigo, às vezes genuinamente emocionada: "aquela música era sua
mesmo?" E fui com isso aprendendo que minhas canções tinham mais vocação
para tocar indivíduos atentos do que agitar imediatamente públicos
aleatórios... De lá pra cá, mesmo tendo aprendido uns tantos truques do ofício
da coletividade, aqueles indivíduos atentos seguem sendo meu foco e meu norte.
A intérprete de jazz mexicana Magos Herrera impulsionou a sua carreira (que encontrava-se ainda,
de certo modo, no início) quando resolveu gravar duas composições de sua
autoria. Como chegou ao conhecimento dela as suas composições?
PM - Quando Magos me conheceu, de fato não havia ainda uma
"carreira". Pensava que viria a ser um psicólogo, um professor, um
intelectual... Eu havia tirado um ano sabático de minha faculdade de
Psicologia, estava vivendo na Índia, e foi lá que a conheci, apresentado por
amigos em comum que haviam ouvido, e gostado, de canções minhas. Ela buscava
repertório para seu primeiro CD de carreira e, apaixonada por música brasileira
(Magos é casada com um baterista de São Paulo, e fala um português excelente!)
encontrou nas minhas canções uma expressão contemporânea daquela MPB que era um
norte tão central para seu projeto.
Alguns meses depois, recebi um e-mail dela (de onde eu estava, precisava
viajar uns quarenta minutos de riquixá até a Lan House mais próxima, o que
multiplicava a emoção das notícias) pedindo permissão para gravar as canções.
Uma delas, Xote de Manhã, faz parte do Claroescuro.
Por falar em exterior, por lá a sua carreira tem sido bastante exitosa,
chegando inclusive a alcançar países como Sri Lanka e a índia. Falo isso porque o seu disco,
tornou-se o primeiro álbum brasileiro a ser distribuído por um selo indiano: o
Rock´nd Raaga. Como essa distribuição aconteceu?
PM - Fui convidado, em 2008, pelas Embaixadas Brasileiras
na Índia e Sri Lanka para uma turnê de apresentações por aqueles dois países,
em festivais de cultura que estavam acontecendo por lá. O dono do selo me
conheceu num show em Goa (estado da Índia que mais lembra o Brasil, com suas
igrejas coloniais portuguesas, praias, e uns tantos habitantes que ainda falam
Português) e fez a proposta. Não tenho certeza de como foi a carreira do disco
por lá, mas deve ter falado a um mercado bem específico... Os indianos não têm
muito contato com a música ocidental, e o que sabem do Brasil é pouco mais do
que "Ronaldo, Ronaldinho, Kaká" etc... Mas não deixa de ser um
símbolo forte, o de plantar uma bandeirinha naquele país que, em termos
populacionais, são quatro Brasis!!
Apesar de você ser carioca, há em algumas composições suas uma
proximidade muito evidente com o Nordeste tanto na sonoridade (xotes e frevos)
quanto nas participações presentes no álbum (Alcione e André Rio). Conte-nos um
pouco sobre essa sua relação com essa região do nosso país.
PM - Bom, além dessa relação forte com a Bahia (minha mãe e minha mulher são
baianas), o sentido musical nordestino sempre foi vital na minha biografia
auditiva e autoral. Na minha primeira viagem ao Recife, fui virado ao avesso
pela potência, pelo lirismo, pela inteligência do que se faz por lá. A
melancolia do frevo canção, o modalismo com aquela tristeza árabe/ibérica do
baião... tudo isso formava a camada primeira, a tampa da panela de pressão:
natural que o CD de estréia fosse carregado dessas cores!
Do período anterior a sua carreira solo você traz as experiências pela
passagem dos grupos Umbando,
além de também participar, como vocalista, do "É com esse que eu
vou", grupo expoente de uma nova geração que vem surgindo no reduto do
samba, o tradicional bairro carioca da Lapa. Você chegou a trazer dessas
experiências anteriores algo que reflete-se hoje no “Claroescuro”?
PM - Sem dúvida! O Umbando foi a primeira convivência
próxima com compositores, que também eram músicos e instrumentistas muito mais
experientes do que eu -- Rodrigo Penna Firme e Christiano Sauer, irmãos
queridos. O sentido da montagem carinhosa, cerebral, de uma canção em sua estrutura-arranjo,
o fazer parte de um organismo muito maior do que meu corpo e minha voz, uma
banda -- isto aprendi com o Umbando. O "É com esse" me jogou no mundo
como violonista e intérprete, me ensinou a esperteza do baile, da pulsação do
público, da narrativa do prazer. Foi, digamos, minha faculdade de música. Com o
"É com esse" conheci minhas primeiras turnês, meus primeiros palcos
grandes, e minha primeira gravação profissional, o disco Samba do Baú, com
direção musical de Afonso Machado, um verdadeiro mestre arranjador do samba e
do choro.
No “Claroescuro” há duas regravações: “Dora” (Dorival Caymmi) e "With a
little help from my friends" (Lennon e MCartney) como se deu
a escolha dessas duas únicas regravações do álbum?
PM - Foram as últimas canções a entrarem no repertório,
encerrando o processo de anos como "work in progress", com sucessivas
tiragens e pré-lançamentos do Claroescuro... São gravações com humor e afeto de
duas referências e diretrizes clássicas, metonímias do eixo da grande canção
brasileira (Caymmi, o gênio da raça), e do eixo internacionalista, diria que,
de certo modo, tropicalista, que também está presente na minha formação
musical, os Beatles.
Como foi receber a notícia que o jornal norte-americano Boston Globe
havia eleito o seu disco como um dos dez melhores cd's, a nível mundial, de
2012?
PM - Para ser justo, vale dizer que a lista se referia à categoria (muito
curiosa) de CDs de world music... que é a categoria que abraça tudo o que é
música popular não anglo-saxônica. Foi uma alegria imensa! Principalmente por
sentir que o Claroescuro não é um disco que só me diz respeito, mas que carrega
a musicalidade e o amor de muitos e muitos artistas que realmente costuraram o
corpo à alma do disco. Faço questão de citar Armando Lôbo, Thiago Amud, Daniel
Marques, Ricardo Sá Reston e Marcelo Caldi, que criaram ou contribuíram
decisivamente com os arranjos e a produção musical do CD. Levar o Claroescuro
mundo afora também significa levar um pouco da potência musical destes e de
muitos outros artistas que eu admiro e de quem eu tenho orgulho imenso para
ouvidos abertos mundo afora.
A divulgação do “Claroescuro” vem ocorrendo em
diversas capitais brasileiras, além de diversos países mundo a fora. Há, de sua
parte, a intenção da captação de imagens para um possível dvd ou alguma coisa
nesse sentido?
PM - Venho captando imagens de shows, com a melhor
qualidade que posso, tanto no Brasil quanto no exterior, e até o fim deste ano,
vou disponibilizar uma série de vídeos -- que, de certa forma, retratam a biografia
do Claroescuro -- gratuitamente através da internet.
Esse seu primeiro registro fonográfico teve, digamos,
uma depuração interessante até chegar a versão definitiva que hoje se encontra
sempre elogiado tanto pela crítica especializada quanto também pelo público.
Toda essa receptividade não gera, de certo modo, um certo receio para o próximo
registro fonográfico?
PM - Confesso que já estou ansioso para entrar em estúdio e
gravar meu próximo CD. Não tenho receios quanto à receptividade futura -- ela é
sempre uma incógnita -- mas sim o receio que assoma a cada vez que uma folha em
branco, uma nova canção, enfrenta minha própria exigência, cada vez mais alta.
Às vezes sinto que estou exigindo demais do mistério. Mas não posso evitar.
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