domingo, 7 de outubro de 2012

A MPB DE LÁ E A MPB DE CÁ

As sete canções brasileiras incluídas no livro inglês ‘1001 músicas para ouvir antes de morrer’ inspiram uma ‘resposta’ nacional.


RIO — A lista é enorme, como adianta o título do livro “1001 músicas para ouvir antes de morrer” (Sextante), que cobre de “O sole mio” (1916), com Enrico Caruso, a “Stylo” (2010), com Gorillaz. A participação do Brasil entre as duas pontas, porém, é modesta. São sete aparições, todas representativas de um olhar estrangeiro sobre a música brasileira: três são relacionadas à bossa nova (todas de Tom Jobim, duas delas em gravações com artistas americanos); uma é dos Mutantes (valorizados por músicos como Beck e Kurt Cobain); outra, de Jorge Ben Jor, foi plagiada por Rod Stewart; duas são dos brasileiros radicados no exterior Sérgio Mendes e Cansei de Ser Sexy (CSS). Problema nenhum. Afinal, a experiência nada científica de montar uma lista sempre é feita a partir de um ponto de vista. Mas a lista do livro suscita — como é comum acontecer com listas — o desejo de montar outra seleção, desta vez feita de dentro, daqui.

Os colunistas Joaquim Ferreira dos Santos e Arthur Dapieve, do Segundo Caderno, já responderam à provocação nos últimos dias em suas colunas, comentando o livro. Agora, nesta reportagem, a partir das escolhas de 12 jurados (entre músicos, produtores, pesquisadores e críticos) foi montada uma lista “brasileira”, uma contraposição amistosa à seleção apresentada pelo britânico Robert Dimery, organizador de “1001 músicas para ouvir antes de morrer” — e também de “1001 discos para ouvir antes de morrer”, de 2006. Apesar de as listas de cada participante do júri, individualmente, trazerem surpresas e lembranças de tesouros esquecidos, o cruzamento resulta quase convencional. Duas canções, “Águas de março” e “Mas que nada”, estão nas duas listas.

Mesmo assim, há diferenças marcantes, mesmo sutis. Todas apontam para aspectos perceptíveis para os brasileiros, mas que escapam ao um olhar externo apressado: a afirmação da importância de Noel Rosa e Paulinho da Viola; o destaque ao papel fundador e revolucionário de “Chega de saudade”; a grandeza de “Carinhoso”, impressa como clássico com força que não se vislumbra fora das fronteiras brasileiras.

Há aspectos comuns. Driblar o óbvio, por exemplo, é uma das dificuldades ao se montar uma lista que contemple vários pontos de vista — no livro, há 48 colaboradores, além do próprio Dimery, que escolheram e resenharam as músicas. O organizador confirma:
— A seleção inicial era um pouco mais experimental do que a vista no livro. Com os artistas mais famosos, queríamos pôr canções menos conhecidas. Mas percebemos que isso desapontaria muitos leitores. E, claro, tínhamos que combinar a música ocidental com um bom número de canções não ocidentais (conceito que, nesse caso, engloba a música brasileira).

Sobre essas últimas, Dimery defende que entre seus colaboradores há “especialistas em música não ocidental”, que trabalharam com os mesmos critérios usados com as outras (“canções que têm um legado, uma influência duradoura”). E, apesar de reconhecer que suas escolhas brasileiras podem parecer as de um turista, ele justifica:
— Havia certas canções que seria negligência não incluir. Nomes como Jorge Ben e Mutantes são muito queridos no exterior. Suas canções tiveram uma enorme influência. De uma perspectiva brasileira, sei que pode parecer um certo “turismo” musical, que as escolhas foram óbvias e que havia canções menos conhecidas que deveríamos ter incluído. Mais que tudo, a escolha foi determinada pelo espaço limitado. Você deixaria de fora Jorge Ben (além de “Taj Mahal”, a tal plagiada por Rod Stewart, ele está na lista como compositor de “Mas que nada” e “A minha menina”)? Ou Antônio Carlos Jobim? Eles podem ser bem familiares para você, mas haverá leitores no resto do mundo que não os descobriram ainda. E, quando fizerem, devem se inspirar a procurar outros artistas brasileiros menos famosos.

O livro traz, no fim, uma extensão da lista, “10.001 músicas para ouvir...”, só com os nomes, sem comentários. Ali, a seleção brasileira é ainda mais reveladora de um olhar estrangeiro: de Caetano Veloso, aparecem “Alegria, alegria”, “O estrangeiro” e “Lua e estrela” (de Vinicius Cantuária); Chico Buarque é lembrado só por “Samba de Orly”; o Gilberto Gil compositor é ignorado e só canta “Chiclete com banana” (de Almira Castilho e Gordurinha); Ed Motta entra com “Tem espaço na van”. Estão lá também nomes mais novos com alguma projeção global, como Cibelle e Gui Boratto. O Kaoma e sua “Lambada” também não foram esquecidos.

As listas completas dos jurados desta reportagem (Alfredo Del-Penho, Charles Gavin, Edgard Scandurra, Hugo Sukman, JR Tostoi, Luiz Tatit, Marcelo Yuka, Mauricio Valladares, Pedro Sá, Ronaldo Bastos, Tárik de Souza e Zuza Homem de Mello) apontam para outras direções. Dorival Caymmi está em várias, com canções diferentes, assim como Caetano. Há ainda Luiz Gonzaga, Chico Buarque, Roberto & Erasmo, Djavan, Milton, Jackson do Pandeiro, Cartola, Clara Nunes, João Bosco, Nelson Cavaquinho, Chico Science, Luís Melodia, Rita Lee e Dona Ivone Lara. Um painel mais reconhecível aos ouvidos daqui, mas tão brasileiro quanto o outro — apenas de Brasis diferentes, mais complementares que opostos.


Veja a lista de músicas escolhidas por cada um dos nossos jurados. 

HUGO SUKMAN, curador do novo Museu da Imagem e do Som

Águas de março” (Tom Jobim), com Elis Regina e Tom Jobim
Carinhoso” (Pixinguinha/Braguinha), com Orlando Silva
Chega de saudade” (Tom Jobim/Vinicius de Moraes), com João Gilberto
Divina dama” (Cartola), com Francisco Alves
O X do problema” (Noel Rosa), com Aracy de Almeida
Pescaria” (Dorival Caymmi), com Dorival Caymmi
Tempo feliz” (Baden Powell/Vinicius de Moraes) - com Elizeth Cardoso, Jacob do Bandolim, Época de Ouro e Zimbo Trio


LUIZ TATIT, pesquisador e compositor

Coisas do mundo, minha nega” (Paulinho da Viola), com Paulinho da Viola
Fera ferida” (Roberto Carlos/ Erasmo Carlos), com Ceatano Veloso
Meu guri” (Chico Buarque), com Chico Buarque
Milágrimas” (Itamar Assumpção/Alice Ruiz), com Zélia Duncan
Oceano” (Djavan), com Djavan
Socorro” (Arnaldo Antunes/Alice Ruiz), com Cássia Eller
W/Brasil”, com Jorge Ben Jor


ALFREDO DEL-PENHO, pesquisador e músico

Asa branca” (Luis Gonzaga/ Humberto Teixeira), com Luiz Gonzaga
Canto das três raças” (Mauro Duarte/ Paulo César Pinheiro), com Clara Nunes
Chega de saudade” (Tom Jobim/ Vinicius de Moraes), com João Gilberto
Chiclete com banana” (Gordurinha/ Almira Castilho/ Jackson do Pandeiro), com Jackson do Pandeiro
Conversa de botequim” (Noel Rosa/ Vadico), com Noel Rosa
Foi um rio que passou em minha vida” (Paulinho da Viola), com Paulinho da Viola
Moeda” (Romildo/ Toninho), com Clara Nunes


CHARLES GAVIN, pesquisador e músico

As rosas não falam” (Cartola), com Cartola
Carolina” (Chico Buarque), com Chico Buarque
Debaixo dos caracóis de seus cabelos” (Roberto Carlos/ Erasmo Carlos), com Roberto Carlos
É doce morrer no mar” (Dorival Caymmi), com Dorival Caymmi
Fita amarela” (Noel Rosa), com Noel Rosa
Foi um rio que passou em minha vida” (Paulinho da Viola), com Paulinho da Viola
Você é linda” (Caetano Veloso), com Caetano Veloso


PEDRO SÁ, músico e produtor

Águas de março” (Tom Jobim), com João Gilberto
Amazonas” (João Donato/ Lysias Ênio), com João Donato
Carinhoso” (Pixinguinha/ Braguinha), com Orlando Silva e o regional de Pixinguinha
Divino maravilhoso” (Caetano Veloso/ Gilberto Gil), com Gal Costa
Expresso 2222” (Gilberto Gil), com Gilberto Gil
Fio Maravilha” (Jorge Ben Jor), com Jorge Ben Jor
O que é que a baiana tem” (Dorival Caymmi), com Carmen Miranda e Bando da Lua.


ZUZA HOMEM DE MELLO, pesquisador

Águas de março” (Tom Jobim), com Elis Regina e Tom Jobim
Aquele abraço” (Gilberto Gil), com Gilberto Gil
Linha de passe” (Paulo Emilio/ Aldir Blanc/ João Bosco), com João Bosco
Onde a dor não tem razão” (Paulinho da Viola/ Elton Medeiros), com Paulinho da Viola
Podres poderes” (Caetano Veloso), com Caetano Veloso
Retrato em branco e preto” (Tom Jobim/ Chico Buarque), com João Gilberto
Três apitos” (Vadico/ Noel Rosa), com Aracy de Almeida


JR TOSTOI, músico e produtor

Baby” (Caetano Veloso), com Mutantes
Boa hora” (Alvinho Lancellotti/ Domenico Lancellotti), com Fino Coletivo
Detalhes” (Roberto Carlos, Erasmo Carlos), com Roberto Carlos
Do Leme ao Pontal” (Tim Maia), com Tim Maia
País tropical” (Jorge Ben Jor), com Jorge Ben Jor
Pode me chamar” (Fábio Trummer), com Eddie
Tijolo a tijolo, dinheiro a dinheiro” (Lucas Santtana), com Lucas Santtana)


MAURICIO VALLADARES, DJ

Cebola cortada” (Petrúcio Maia / Clodô), com Fagner
Caminhante noturno” (Sergio Dias/ Arnaldo Baptista/ Rita Lee), com Os Mutantes
Com que roupa” (Noel Rosa), com Noel Rosa
Da lama ao caos” (Chico Science), com Chico Science & Nação Zumbi
Expresso 2222” (Gilberto Gil), com Gilberto Gil
Juízo final” (Nelson Cavaquinho/ Élcio Soares), com Nelson Cavaquinho
Mas que nada” (Jorge Ben Jor), com Jorge Ben Jor


TÁRIK DE SOUZA, jornalista e pesquisador

A flor e o espinho” (Nelson Cavaquinho/ Guilherme de Brito), com Eliseth Cardoso
Assum preto” (Luiz Gonzaga/ Humberto Teixeira), com Gal Costa
Carinhoso” (Pixinguinha/ João de Barro), com Orlando Silva
Desafinado” (Tom Jobim/ Newton Mendonça), com João Gilberto
Haiti” (Caetano Veloso/ Gilberto Gil), com Caetano Veloso e Gilberto Gil
Mas que nada” (Jorge Ben Jor), com Jorge Ben Jor
O mar” (Dorival Caymmi), com Dorival Caymmi


RONALDO BASTOS, compositor e produtor

Cais” (Milton Nascimento/ Ronaldo Bastos), com Milton Nascimento
Caminhos cruzados” (Newton Mendonça/ Tom Jobim), com João Gilberto
Estácio holly Estácio”, com Luis Melodia
Ilusão à toa” (Johnny Alf), com Johnny Alf
Mania de você” (Rita Lee/ Roberto de Carvalho), com Rita Lee
Quem vem pra beira do mar” (Dorival Caymmi), com Dorival Caymmi
Sorriso negro” (Jorge Portela/ Adilson Barbado/ Jair Carvalho), com Dona Ivone Lara
“” (Vadico/ Noel Rosa), com Maria Bethânia


MARCELO YUKA, músico:

Domingo no parque” (Gilberto Gil), com Gilberto Gil
Jorge da Capadócia” (Jorge Ben Jor), com Jorge Ben Jor
Livro” (Caetano Veloso), com Caetano Veloso
Mora na filosofia” (Arnaldo Passos/ Monsueto), com Monsueto
Ninguém presta” (Guto, Mauro, Pé, Campa), com Tolerância Zero
Saudosa maloca” (Adoniran Barbosa), com Adoniran Barbosa
Todo menino é um rei” (Nelson Rufino/ Zé Luiz do Império), com Roberto Ribeiro


EDGARD SCANDURRA, músico e compositor

Aquarela do Brasil” (Ary Barroso), com Toots Thielemans e Elis Regina
Tico-tico no fubá” (Eurico Barreiros/ Zequinha de Abreu), com Carmen Miranda
Garota de Ipanema” (Tom Jobim/ Vinicius de Moraes), com Tom Jobim
Mas que nada” (Jorge Ben Jor), com Jorge Ben Jor
Brasileirinho” (Waldir Azevedo), com Novos Baianos
Calix bento” (folclore), com Milton Nascimento


Fonte: O Globo

1 comentários:

Lu Oliveira disse...

Olá,
Encontrei esse post enquanto buscava assuntos sobre Dorival Caymmi. Muito bacana e interessante!
Abraços,
Lu Oliveira
www.luoliveiraoficial.com.br

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