sábado, 7 de julho de 2012

MEMÓRIA MUSICAL BRASILEIRA

Há 15 anos atrás chegava ao mercado fonográfico o primeiro álbum do então desconhecido Zeca Baleiro.


Zeca Baleiro - Por onde andará Stephen Fry? (1997)






Seria difícil dizer qual a música de Zeca Baleiro que mais gosto. Ou seria melhor dizer a letra que mais gosto... isso porque Baleiro (que tem esse apelido por causa de ser um implacável consumidor de doces, balas e toda sorte de guloseimas, de modo que as pessoas sempre o procuravam, porque ele sempre tinha alguma guloseima disponível) é um daqueles cantores que brinca com as palavras, e se mantém fiel a si mesmo mais do que fiel a um rótulo ou a um estilo musical. Ele mesmo afirmara, num entrevista em 2003: 


"Rótulo é um mal necessário. A indústria e a imprensa precisam dele, é óbvio, mas o artista não. A partir do momento em que você aceita um rótulo, você vira escravo dele, e o maior bem de um criador é a sua independência, sua liberdade. E se amanhã eu quiser fazer um disco de samba, quem vai me impedir, ou um disco de hardcore?... Nada me proíbe de transitar por praias diversas, vários gêneros, etc. Não há limites ou freios para a criação. Tenho tentado mostrar isso com meus discos esquizofrênicos".

Falo das letras que mais gosto porque há vários trechos, de várias letras que surpreendem pela originalidade e pela musicalidade, e além disso, pelo sentido que Zeca Baleiro atribui a ela. É do Maranhão, mas absolutamente universal (interessante que, a despeito de ter gravado um disco com Fagner, o estilo de Baleiro parece ter mais proximidade com o estilo de Ednardo, outro cantor cearense cujo principal disco já postei aqui). 

Apesar de ter já uma carreira como artista “underground”,como disse Luis Antônio Giron ao apresentar o primeiro disco “Por onde andará Stephen Fry?”, o marco da sua carreira,que jogou osspots sobre sua qualidade musical, foi sua participação no CD “Acústico”, de Gal Costa, em 1997 (na época, Zeca Baleiro já tinha 31 anos, embora sua carreira tivesse começado desde os 19. No disco, há um Pout-Purri entre um clássico de Gal Costa, chamado “Vapor Barato” com a música “Flor da Pele”, cuja letra é de Zeca Baleiro: “Um barco sem porto/Sem rumo, Sem vela/Cavalo sem sela/ Um bicho solto/Um cão sem dono/Um menino, Um bandido/Às vezes me preservo noutras suicido.

Um grande sucesso de Zeca Baleiro foi gravado por Simone, que, com um sotaque bem baiano, gravou “Lenha”, que tem uma harmonia simples, cujas notas lembram o dos básicos rocks dos Titãs, mas cuja letra é também intrigante. Um trecho de Letra: “eu não sei dizer/o que quer dizer/o que vou dizer/eu amo você/mas não sei o que/isso quer dizer/eu não sei por que/eu teimo em dizer/que amo você/se eu não sei dizer/o que quer dizer/o que vou dizer.

Sobre o fato da Música ter virado um Hit, para quem o considera um cantor Cult, ele responde, com tranqüilidade:

É bom, o destino das canções é esse mesmo, a banalização. Quero ver o porteiro do prédio assoviando minha música.

Engraçado, que agora, examinando as letras de Baleiro, vi que me meti numa tarefa inglória: são muitas letras excepcionais. Por isso, para não fazer um texto longo demais, vou, primeiro, fazer uma análise do seu primeiro disco, gravado em 1997, pela Universal.

Nesse primeiro disco, já se percebe seu universalismo, sem perder suas referências de cantor maranhense e sua bagagem cultural, mas chama atenção o tempero entre lirismo, bom-humor, e um sutil e ácido tom crítico em algumas canções.

Começando, por exemplo, com Heavy Metal do Senhor, descrito como um “metal-repente diabólico”, e me divirto comparando a letra e os arranjos de Zeca com os Gospel-rocks que a gente vê por aí.

Vejo também a irônica homenagem à beleza de uma mulher, na suingada “salão de beleza”, na qual ele relata a beleza da mulher que é maior do que a beleza de qualquer salão, em que revela a “a beleza do erro do engano da imperfeição”.

A brincadeira e o trocadilho do “parque do Juraci”, com Jurassic Park, com participação do impagável Genival Lacerda e a participação de Chico César em “Mamãe Oxum”.

Mas, para mim, a melhor música do disco é Bandeira, com a sua clássica referência à poesia de Manuel Bandeira, que merecerá um comentário à parte...

Faixas:
01 - Heavy metal do Senhor (Zeca Baleiro)
02 - Bandeira (Zeca Baleiro)
03 - Mamãe Oxum (Domínio Público) (Adaptação:
Zeca Baleiro)
04 - Salão de beleza (Zeca Baleiro)
05 - Flor da pele (Zeca Baleiro)
Música Incidental: Vapor Barato (Jards Macalé - Waly Salomão)
06 - Essas emoções (Donato Alves)
07 - Stephen Fry (Zeca Baleiro) 
08 - O parque de Juraci
(Zeca Baleiro)
09 - Pedra de responsa
(Zeca Baleiro - Chico César) 
10 - Kid Vinil
(Zeca Baleiro) 
11 - Skap
(Zeca Baleiro) 
12 - Dodói
(Zeca Baleiro) 
13 - Heavy metal do Senhor - Vinheta (Zeca Baleiro)


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