Por Joca Lofi
Em 1972 O Pasquim sobrevivia a duras penas. Longe iam os dias em que o semanário carioca representava a linha de frente da resistência ao regime militar. Da brilhante equipe que fundara o pequeno jornal muito pouco restara.
Em 1972 O Pasquim sobrevivia a duras penas. Longe iam os dias em que o semanário carioca representava a linha de frente da resistência ao regime militar. Da brilhante equipe que fundara o pequeno jornal muito pouco restara.
Os que ficaram foram obrigados a diversificar as atividades do jornal, como o lançamento da Editora Codecri (Comitê de Defesa do Crioléu) a fim de editar títulos de intelectuais de esquerda ou de colaboradores sem acesso ao mercado editorial tradicional.
Uma das grandes iniciativas foi o Disco de Bolso. O projeto era uma estreita colaboração de O Pasquim com o produtor Eduardo Athayde e o compositor e diretor musical Sérgio Ricardo.
A ideia era excelente, a democratização da música brasileira ao apresentar de um lado do compacto simples um compositor consagrado e no outro lançar um artista desconhecido.
A primeira edição do Disco de Bolso teve a tiragem de 30.000 exemplares, vendidas unicamente em bancas de revistas. No lado A trazia a primeira gravação de "Águas de Março", composição de nosso maestro maior Antonio Carlos Jobim e interpretada pelo próprio.
Do outro "Agnus Sei", uma intrigante composição de uma dupla que iria dar o que falar nos anos seguintes, o mineiro João Bosco e o carioca Aldir Blanc...
Lembro-me como se fosse hoje. Na época, 1972, eu ainda era rato de biblioteca e habitué de bancas de revistas. E foi numa dessas, em pleno março, que descobri a novidade. Apesar do primor de rima e métrica de "Águas de Março", o que me impressionou mesmo foi o lado B.
"Agnus Sei" apresentava uma certa religiosidade profana, coisa típica do interior das Gerais, temperada com uma boa dose de cinismo agnóstico vinda da urbanidade carioca de Aldir Blanc, pontuada pela batida flamenca do violão de João Bosco. Uma música perturbadora.
Um ano mais tarde, "Agnus Sei" seria gravada por Elis Regina com o rigor técnico e a impecabilidade vocal de sempre, mas a meu ver perdera a sua veia seminal quando do lançamento com João Bosco.
A segunda edição do Disco de Bolso teve Caetano Veloso cantando uma versão de "A Volta da Asa Branca" de Luiz Gonzaga e no outro lado, o estreante Fagner interpretando "Mucuripe", de sua autoria e Belchior.
Mas uma mensagem no disco, do produtor Sérgio Ricardo encartada no disco e dirigida a Geraldo vandré, onde ele faz uma retrospectiva dos anos de repressão política e cita nominalmente aqueles que haviam retornado do exilio, chamou a atenção da truculenta Censura Federal, que acabou proibindo a circulação do Disco de Bolso, sob a alegação de que o disco-fascículo tinha objetivos políticos.
O Disco de Bolso, apesar de sua curta existência, foi uma experiência vitoriosa de renovação musical e incentivo ao aparecimento de novos valores de nosssa MPB, abrindo espaço e dando voz a alguns compositores e intérpretes que se consagrariam nos anos seguintes.
Mais alguém aí se lembra do Disco de Bolso ?
1 comentários:
Importante lembrança!
Não sabia desse problema com a censura.
Clever Mendes de Oliveira
BH, 04/04/2024
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