A renovação do samba carioca se evidencia nessa nova geração de talentosos músicos que formam o grupo Galocantô. Com dois álbuns gravados, a trupe traz novas tendências para o samba sem que ele perca nenhuma das características que o fez um dos gêneros mais representativos de nosso país.
Por Bruno Negromonte
Berço da famosa boemia carioca, o bairro da Lapa tornou-se o principal reduto de um dos gêneros mais representativos do Rio de Janeiro: o samba. O emblemático Aqueduto da Carioca (ou Arcos da Lapa) ao longo de décadas foi testemunha do lirismo das letras de sambistas de diversas gerações e, continua sendo testemunha ocular de noites e mais noites em que o bom e velho samba predomina no bairro.
Essa breve descrição geográfica se faz necessária para podermos contextualizar o ambiente em que este grupo vem atendendo ao pedido dos compositores Edson Conceição e Aloísio não deixando o samba morrer. A gênese do grupo Galocantô vem do final dos anos 90, quando no meio de todo o processo de revitalização cultural que a Lapa passava, o mestre Ivan Milanês comandava uma animada e autêntica roda de samba na rua Joaquim Silva. No local, todas as quinta-feiras, adaptava-se um boteco (por não ser propriamente um bar) onde o samba rolava praticamente a noite inteira.
Aos poucos, os encontros foram ganhando notoriedade suficiente para ter frequentadores assíduos e esses deram início a laços de amizades que resultaram na materialização coletiva daquilo que eles mais cultuavam: o gosto pelo samba. Então, a partir das festas semanais dos encontros do Milanês, Pablo Amaral e Léo Costinha que faziam parte do grupo oficial da mesa de Milanês, o “Além da Razão” conheceram e estreitaram as afinidades musicais com alguns frequentadores das noitadas de samba. Dentre eles estavam Rodrigo, Lula e Pedro que eram presenças constantes e assíduas nesse samba. Ali deu-se início a amizade de um grupo que tinha, além do amor pelo samba, a pretensão de externar esse sentimento através da arte e foi assim, de maneira espontânea, que surgiu aos poucos o grupo Galocantô.
De início o grupo, ainda sem nome definido, começou a cantar em diversas festas particulares e algumas casas noturnas cariocas. No tradicional Quintal da Tia Elza, o Galo embalou rodas de samba com o mestre Xangô da Mangueira. Na Praça Mauro Duarte, recebeu Paulinho da Viola, numa canja inesperada. No ano de 2003, já com batizado com o nome Galocantô, Edson Cortes e Marcelo Correia se uniram a Rodrigo Carvalho, Léo Costinha, Pablo Amaral, Pedro Arêas e Lula Matos, consolidando a formação do grupo.
Os integrantes
Pablo Amaral, o Gamarra, é músico autodidata e compositor. Integrou, com Léo Costinha, o grupo Além da Razão, que comandava as rodas de samba da rua Joaquim Silva, terreno onde o Galocantô começou a surgir. Formado em publicidade, trabalhou na TVE Brasil, mas a paixão pela música falou mais alto. Hoje, dedica-se exclusivamente ao seu cavaquinho. Com Galã de Xerém, parceria com Edu Tardin, gravada no CD Fina Batucada, faz sucesso nas rodas de samba.
Rodrigo Carvalho, o Biro, cantor e compositor, sempre freqüentou rodas de samba, da Lapa a Madureira. Começou profissionalmente como corista em gravações e shows de Beth Carvalho. Gravou também com Bandeira Brasil, Serginho Meriti e Wanderley Monteiro. Nas quadras das escolas de samba, interpretou sambas-enredo em disputas no Império Serrano (onde foi campeão com Arlindo Cruz) e na Vila Isabel (com Moacyr Luz). Como compositor, foi finalista na Beija-Flor de Nilópolis e também na oitava edição do Festival de Música da Escola Villa-Lobos, com a música “Fina Batucada”, parceria com Fred Camacho, e que hoje dá nome ao primeiro CD do Galocantô.
Léo Costinha se apaixonou pelo samba aos quinze anos. Ótimo percussionista, aprimorou seus dotes nas rodas de samba depois dos estudos. Fez parte do grupo “Além da Razão” (grupo embrião do Galocantô), que comandava as rodas de samba do mestre Ivan Milanês, na Lapa. Costinha desistiu de ser cirurgião-dentista, profissão na qual é formado, para seguir em frente com o Galocantô.
Lula Matos, percussionista e compositor, foi criado no bairro da Lapa. Desde a infância, viveu nas rodas de samba, onde conheceu grandes bambas. Tocou com Arlindo Cruz, Luiz Carlos da Vila, Monarco, Nélson Sargento, Walter Alfaiate, Mauro Diniz, Tantinho e Velha Guarda da Mangueira, Wilson Moreira e a Velha Guarda da Mangueira. Como compositor, tem parcerias com Ivan Milanês, Adilson Bispo, Wanderley Monteiro, Carica e Luizinho SP. Seus sambas foram gravados em São Paulo por T. Kaçula e pelos grupos Estatuto do Samba, Relíquia e Panela Preta.
Marcelo Correia faz parte da nova e promissora safra dos sete-cordas do samba carioca. Criado no Cachambi, antes dos quinze anos, já tocava cavaquinho nas rodas de samba do bairro. Músico versátil e bom instrumentador, também toca bandolim. Participou de shows com Dudu Nobre, Chico Salles, Roberto Serrão, Ivan Milanês, Monarco e Davi do Pandeiro, Sombrinha e o Trio Calafrio.
Conhecido como Dinho, Edson Cortes começou a tocar percussão aos nove anos de idade em rodas de samba, escolas e blocos carnavalescos. Estreou profissionalmente, em 1977, com o grupo Abertura como músico-acompanhante. Dentre os músicos do Galocantô é o mais experiente. Dinho também é compositor e percussionista de mão-cheia. Com o Fundo de Quintal gravou, em 2003, a música “Tudo por 1,99”, em parceria com Wantuir e Haroldo Cezar. Bom malandro, sabe dizer no pé e é craque na feijoada.
Depois de três anos resolveram que já era a hora de lançar o primeiro trabalho. Em 2006, entraram em estúdio para dar início a gravação do álbum "Fina batucada", disco este composto por 18 faixas (algumas regravações e 11 composições elaboradas pelos integrantes do grupo). O CD conta ainda com participações de nomes de peso do mundo da música como Beth Carvalho (na faixa "Elo da corrente", de autoria de Edson Cortes, Wantuir e Niquinho Azevedo; que traz, talvez, na letra reminiscências do período das rodas de samba na rua Joaquim Silva); Arlindo Cruz (banjo e voz em "Pra lá de legal"/ "Para você voltar", duas composições em que é um dos autores), Rildo Hora (gaita em "Sempre marcou" (Fred Camacho, Rodrigo Carvalho e Guilherminho) uma pungente canção de amor), a Velha Guarda do Império Serrano (na faixa “Apesar do Tempo”(Zé Luiz e Ratinho) que exalta os áureos tempos que não voltam mais) e Diogo Nogueira, cantando a inédita composição "Eminência Negra", de Wilson das Neves e Luiz Carlos da Vila. Destaque também para as outras canções registradas no álbum como "Fina batucada" (Rodrigo Carvalho e Fred Camacho) que tráz em sua letra as principais influências do grupo, "Deixa rolar" (Toninho Geraes e Toninho Nascimento), "Manhã seguinte" (Lula Matos, Anderson Baiaco e Alexandre Chacrinha), "Sem deixar pra depois" (Rodrigo Carvalho e Fred Camacho), "A volta do malandro" (Chico Buarque) com o violino do Nicolas Krassik além de outros sambas de requinte ímpar. Também foram incluídas "Pão que alimenta" (Edson Cortes, Wantuir e Binho Sá) que tem um forte apelo comercial e "Galã de Xerém" (Pablo Amaral e Edu Tardin), uma inusitada história de uma pessoa comum que acabam transformando-o em celebridade, porém ele não se acostuma com a "nova vida" e acaba voltando a velha rotina regada de cervejas e mulheres no "buteco" do Maneco em Irajá.
Fazendo parte da seleta turma que elaboraram o disco estão músicos como, Dirceu Leite (sopros) e Roberto Marques (trombone) dão um brilho especial a esta Fina Batucada e como consequência de todo esse gabarito nada mais natural que surgisse a indicação do álbum ao prêmio Tim de música brasileira (o maior prêmio da música brasileira da época), isso veio acontecer no de 2007 na categoria "Melhor grupo de samba".
E quando o samba é bom, nunca é demais repetir a dose... e por isso em 2009 o Galocantô resolve repetir a dose lançando para a sua discografia mais um álbum. O disco chega exatamente três anos após a estreia do grupo no mercado fonográfico e vem, mais ou menos, no mesmo formato do álbum anterior com a junção de canções inéditas, muitas de autoria dos componentes do grupo com outras de conceituados compositores. O álbum traz em sua essência algo em comum nas letras (e no projeto gráfico do encarte também): a poesia revelada em cada esquina carioca, nas praias, nos bares e nas rodas. Tudo vira samba em "Lirismo do Rio".
O álbum começa com "Resistência" (Zé Luiz e Ney Lopes) que enfatiza entre outras coisas no dever que o artista tem em resistir as adversidades existentes e fazer da emoção sua profissão de fé. Na canção "Lirismo do Rio" (Dinho, Binho Sá e Alexandre Guichard) questiona-se onde está o lirismo do Rio que precisamos encontrar, o álbum segue com "Fotografia de papel" (Fred Camacho e Rodrigo Carvalho), "O som do samba" (L. Grande, Marquinhos Diniz e Barbeirinnho do Jacarezinho) e"Roçado" (Dinho, Lula Matos e João Martins) que remete a características existentes nas festas juninas como como canjica, fogueira e bolo de fubá; "Samba oriundo" (Dinho, Wantuir e Niquinho Azevedo) que nos remete as origens do samba a partir dos jongos (também conhecidos como caxambus e tambus, os jongos são manifestações culturais executadas por afrodescendentes em várias localidades no estado do Rio de Janeiro). O disco ainda traz "Baile do Saci" (Toninho Geraes e Toninho Nascimento), "Ilha do abandono" (Dinho e Niquinho Azevedo), "Sei chorar" (Rodrigo Carvalho e Fred Camacho), uma linda crítica social em "Pátria Amada" (Ivan Aurélio, Dinho e Floriano Silva) e a regravação da canção "Meu baio, meus balaios" (Wilson Moreira) entre outras.
O grupo, que ainda permanece divulgando o álbum "Lirismo do Rio" em diversas capitais do país, e vem se consolidando cada vez mais como um dos mais promissores grupos de samba da atualidade. tudo isso porque, de certa forma, eles estão fazendo jus aquilo que cantam em "Arte do povo", uma das faixas deste mais recente trabalho: "O tempo envelhece e o samba permanece novo...". Então é isso aí... era uma vez a história do galo que resolveu cantar e quando cantou deu samba.
Maiores informações:
Produção Cultural: Lucia Sá (Tel: (21) 7891-1928)
Os cd's podem ser encontrados clicando nas respectivas capas ou nos seguintes endereços:
LIVRARIA FOLHA SECA – Rua do Ouvidor, 37 – Centro – RJ (Tel: (21) 2507-7175)
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Rua 1º de Março, 66 - Tel: (21) 3808-2066
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