sábado, 9 de julho de 2011

QUANDO, DE REPENTE, O MAR VIROU SERTÃO...

Na história contemporânea de nosso Nordeste existe uma fato que até os dias atuais merece destaque: A saga de Antônio Conselheiro e todos os acontecimentos acerca de Canudos ou simplesmente Monte Santo, como alguns preferem chamar.

Por Bruno Negromonte


Antônio Vicente Mendes Maciel, ou simplesmente Antônio Conselheiro como nacionalmente ficou conhecido era uma figura carismática nascida em Quixeramobim no Ceará e que chegou a liderar um arraial localizado no sertão baiano e composto basicamente por flagelados da grande seca que assolava a região, ex-escravos e tantos outras pessoas que estavam a margem de qualquer boa condição de vida. Tornou-se uma pessoa meio que messiânica para aqueles que o seguiam, e dentre as ideias que divulgava estava a de que Dom Sebastião iria voltar (como tanto foi difundido no Nordeste brasileiro no século XIX). Para aqueles que não lembram, o sebastianismo foi um fenômeno que surgiu da crença na volta do rei português Dom Sebastião, a partir do seu desaparecimento na batalha de Alcácer-Quibir, na África, no dia 4 de agosto de 1578, enquanto comandava tropas portuguesas. Como ninguém o viu tombar ou morrer, espalhou-se a lenda de que El-Rei (como era conhecido por terras portuguesas) voltaria. Outra ideia bastante difundida no pequeno povoado do sertão baiano foram as proféticas palavras de que o sertão viraria a se tornar mar e o mar viraria a se transformar em sertão...

Todo esse retrospecto histórico tão explorado por nomes como o do carioca Euclides da Cunha (que em "Os sertões"detalhadamente relata a história) e do gaúcho Moacir Scliar (que a partir de outro prisma também nos remete ao mesmo sofrido contexto do sertão baiano em "O sertão vai virar mar") se fez necessário para relatar que a alguns dias, pela primeira vez, vi as profecias do Antônio Conselheiro se materializarem diante dos meus olhos. Aconteceu no espetáculo junino que o mestre apresentou no são João da cidade do Recife; De forma Simplória, a mítica imagem do mestre Dominguinhos surgiu no parque dona Lindú (as margens do mar), o fazendo assumir em meu inconsciente o papel do, tão almejado pelos sertanejos, Dom Sebastião de séculos passados. Com ele empunhando um instrumento propulsor de alegria fui capaz de presenciar uma verdadeira metamorfose, pois em cada verso entoado mais uma das profecias se cumpria.

Bastou alguns acordes e a profecia cumpriu-se em meus devaneios. Mostrando que alguém é capaz, mesmo neste mundo de incrédulos, fazer o mar virar sertão. E esse alguém é José Domingos de Morais, o maior sucessor de Luiz Gonzaga. Sentado no centro do palco, empunhou a sua sanfona e transformou, de repente, o litoral no mais original e saudoso sertão. Bastou os primeiros acordes para muitos ali presentes lembrarem imediatamente de seus sofridos torrões natal, para muitos verem o próprio Luiz Gonzaga transfigurado na imagem do seu maior descendente artístico entre outras visagens.

Eu particularmente preferi vislumbrar ali (a menos de 200 metros do mar) plantas típicas do nosso sertão como xiquexiques, palmas, caruás, umbuzeiros, aroeiras, mandacarus e juazeiros... cada verso entoado por Dominguinhos ou fazia brotar mais uma característica do velho e sofrido sertão ou me arraigava mais na cultura e costumes sertanejos.

Um conjunto de costumes sertanejos, onde tudo é verossímil, me veio à memória em cada acorde tocado pelo grande mestre. A água doce de cacimba, a vida simples do sertanejo, a fé e persistência de esperar por dias melhores e a alegria que só nós, povo nordestino, somos capaz de expressar nos períodos juninos. Muito me orgulha o Nordeste que apesar de todas as adversidades tem em seu povo um rico patrimônio cultural que nos torna possível encher o peito e dizer: Em minha terra tem nomes como Dominguinhos!

Além de outros tantos que dignificam a cultura não só nordestina como brasileira como um todo. São nomes como Luiz Gonzaga, Geraldo Azevedo, Jorge de Altinho, Maciel Melo, Petrúcio Amorim e tantos outros do gênero que engrandecem nosso ego e nos permite encher a boca para dizer: Sou nordestino sim senhor! E foi assim que eu vi o mar virar sertão...

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