segunda-feira, 9 de novembro de 2009

NEM VEM QUE NÃO TEM...

Apesar de certa tendência a absolver Wilson Simonal (1938 - 2000) da acusação de dedo-duro dos colegas da Esquerda, notadamente na tristonha parte final, a biografia do cantor escrita pelo jornalista Ricardo Alexandre - já nas livrarias pela Editora Globo, com opções de capa amarela ou azul - é documento histórico que investiga com seriedade o caso jurídico do artista e ajuda a entender a ascensão e queda de Simonal no mundo da música. Fruto de dez anos de pesquisa e entrevistas, o detalhista trabalho de reportagem do autor faz com que o livro avance em relação ao que já foi exposto no (também histórico) documentário Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei, estreado em março de 2008 no festival É Tudo Verdade e sucesso de público desde que entrou oficialmente em circuito em maio de 2009. Um dos méritos da biografia é enfatizar e contextualizar a existência de documento assinado pelo próprio Simonal, em 24 de agosto de 1971, a pedido de integrantes do Departamento de Ordem Política e Social, o famigerado Dops, órgão repressor do regime militar instaurado no Brasil em 1964. Nesse documento, elaborado para forjar perseguição política ao cantor e assim justificar perante a Opinião Pública o fato de o Dops ter dado uma dura no contador de Simonal a pedido do próprio, o artista assumia "cooperar com informações" que ajudaram o Dops a "desbaratar por diversas vezes movimentos subversivos no meio artístico". Provável farsa, criada para livrar a cara do próprio Dops, o documento foi o estopim da bomba que explodiu na cabeça de Simonal, tão ingênuo quanto arrogante. A propósito, Nem Vem que Não Tem cumpre honrosamente sua função ao perfilar o cantor sem escamotear seus defeitos. E demole clichês e mitos sobre o caso Simonal ao historiar a trajetória profissional e pessoal do cantor depois do incidente. Primeiro, o livro deixa claro que o artista não caiu em imediato ostracismo. Foi Simonal - conta Alexandre - que quis se desligar da Odeon, a gravadora na qual ingressara em 1961 e na qual vivera momentos áureos com popularidade que chegou a rivalizar com a de Roberto Carlos no final dos anos 60. E convite não lhe faltou naquele momento. Mesmo após o mau passo político do cantor, que realmente acionou contatos no Dops para dar uma coça no contador de sua mastodôntica empresa, Raphael Viviani, a RCA acenou com proposta polpuda - recusada pelo então novo empresário do cantor, Marcos Lázaro, que, num gesto equivocado que custaria muito a Simonal, sugeriu a André Midani, então no comando da Philips, que a contratação de Simonal seria uma recomendação de "Brasília". Acuado, Midani recebeu o artista em seu elenco, o que gerou mais desprezo a Simonal por parte da elite da MPB que se abrigava na Philips. Mas, política à parte, o primeiro álbum de Simonal na nova companhia, Se Dependesse de mim (1972), não surtiu o efeito comercial esperado, levando a Philips a enquadrar o artista no samba no álbum seguinte, Olhaí, Balandro... É Bufo no Birrolho Grinza (1973). Novamente sem sucesso. O fato - normalmente omitido nas reportagens maniqueístas sobre Simonal, mas abordado no livro - é que o cantor já amargava declínio de popularidade antes do imbróglio político, em 1970, quando lançou álbum, Simonal, embebido em black music. E nunca mais recuperaria o sucesso e o prestígio. Contudo, como ressalta Alexandre, é impossível tentar prever se o cantor reeditaria o êxito comercial da áurea fase da Pilantragem após a dissolvição do ralo movimento se não tivesse havido a questão política. Mas outro fato normalmente ignorado é que Simonal ainda gravou regularmente ao longo dos anos 70 - com destaque para um álbum intimista feito na RCA em 1975, Ninguém Proibe o Amor, cultuado por soulmen como Ed Motta. O livro também demole o
clichê de que Simonal foi completamente banido do mercado de shows. Ele continuou se apresentando com agenda cheia até o fim dos anos 80. O que houve foi uma progressiva mudança de rota e status nas suas turnês, deslocadas para cidades do Nordeste ou então para casas menores. Outro mito que cai por terra é o de que Simonal viveu deprimido após a confusão com o Dops. Alexandre deixa claro que a depressão não foi imediata, tendo o cantor mantido num primeiro instante a alegria que ainda o identificava no imaginário nacional. E mostra como a arrogância e a intransigência de Simonal - reincidentes mesmo depois do episódio de 1971 - o ajudaram a cavar a própria cova. Contudo, as qualidades artísticas do cantor - dono de voz privilegiada, suingue fenomenal e carisma grandioso - são enfatizadas na narrativa na mesma medida dos defeitos e erros do biografado. Nem Vem que Não Tem refaz os primeiros passos artísticos de Simonal com o mesmo rigor na apuração com que detalha sua descida ao inferno, sobretudo a partir do fim da década de 80, quando a perda da voz acelerou o processo de alcoolismo e consequente depressão, diluindo a autoestima do cantor. Foi aí que os filhos já crescidos, Wilson Simoninha e Max de Castro, entraram em cena para segurar a barra do pai. Inclusive a financeira. Na parte final, a narrativa fica mais pungente e o biógrafo não esconde certa ternura quase parcial pelo biografado, enfocado como uma vítima. Mas o livro jamais absolve explicitamente Wilson Simonal de seus erros. O que engrandece a biografia e a torna leitura essencial para todos que se interessam pela música brasileira e, em especial, por uma de suas personagens mais controvertidas de todos os tempos. Dez!

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