terça-feira, 3 de novembro de 2009

HARMONIA UNE FRANÇA E BRASIL

Por Luís Fernando Moura

Louis Bertignac trocou Carla Bruni por Zeca Baleiro. Nada de relacionamento sério, apenas um flerte escancarado aos voyeurs. Bertignac, que namorou e produziu a primeira-dama francesa na carreira musical e afetiva, recebeu letras em troca, para o disco Longtemps, de 2005, e agora dá o ar da maior graça parisiense para o brasileiro que tem O coração do homem-bomba estourando no Recife. O namorico musical entre França e Brasil, neste ano em que somos anfitriões, chega ao clímax do cronograma com músicos pra lá de amoureux dando as caras na Torre Malakoff (Bairro do Recife). É o festival Station Brésil.
O evento promove três encontros musicais hoje e mais três amanhã, cada qual estabelecido entre um nome francês e um brasileiro. Para além da dor de cotovelo de Bertignac, de
proporções nacionais, a música pop dos dois países arrisca um diálogo que vai de brasileiros como Chico César, Fernanda Takai a Naná Vasconcelos. Naná, que protagoniza uma jam session, coroa a parceria com a afirmação inabalável de que amor, em música, é a busca da harmonia. Os shows começam às 19h e a entrada é gratuita, mas é necessário garantir um ingresso entre os 500 disponibilizados, a partir das 17h, no próprio local.
Os encontros são abertos pelos brasileiros, que arranham um quê das suas obras antes de receberem os colegas franceses. Juntas no palco, as duplas executam uma ou três canções em parceria, com repertório à livre escolha. Na sequência, os franceses tomam a frente da apresentação. Aliás, a festa começa com uma transação rítmica entre Siba e a Fuloresta e o
francês Mathieu Boogaerts: no primeiro show do festival, às 19h de hoje, Siba coloca sua ciranda emancipada para brigar com o reggae funkeado de Boogaerts. O novo álbum do francês, que aposentou o violão e adotou os sintetizadores, vingou no amor simples: chama-se simplesmente I love you.
Particularmente curiosa deve ser a parceria seguinte: difícil imaginar a gestação de uma transa entre Chico César, que resolveu transformar a maturidade artística em frevo-ska e forró-rock (vide o recente Francisco, forró y frevo), com Thierry Stremler, francês que é tão francês que fez, de Nirvana e Lou Reed, referências declaradas, um disco chamado Je suis votre homme (em bom português, “eu sou seu homem”). Não bastasse, Stremler compôs até para a diva Françoise Hardy.
Se soa incompatível, imagine todos reunidos numa única roda ao jazz de uma jam session. Cabe a Naná Vasconcelos administrar a parafernália de referências. “Eu sou mais desse lado do que do outro. Sou mais da turma da improvisação”, afirma o percussionista. “No improviso, todo mundo tem que ficar atento, todo mundo tem que se ouvir, ir procurando espaço, sugerindo”. O
esquema do músico é subir ao palco, esboçar sonoridades, chamar Chico César, convidar Siba, convocar “a francesada”, como batiza. Entre risos, em entrevista ao telefone, Naná diz que não há motivo para falha de comunicação musical.
“Quando é instrumental não tem problema. Se fosse algo apenas rítmico, eu teria que dar uma paradinha para ensinar. Mas é algo melódico, e a música brasileira tem vários aspectos em comum com a europeia – basta você ouvir a bossa nova ou as composições de Villa-Lobos”, continua o músico. “Enquanto eles improvisarem melodicamente, posso até fazer um ritmo de maracatu. Mesmo assim, entendemos nossas melodias. No fim das contas, o que importa é a celebração”.


MULHERES

Amanhã é noite de acento um tanto feminino, seja carioca ou parisiense. Escalação feita de
doçura, sexualité e ironia, o programa é aberto pela parceria entre a aveludada Mariana Aydar e o francês Spleen. Spleen tem pegada sexy, que dá ar melancólico ao beatbox: veio ao festival No Ar Coquetel Molotov 2006, quando subiu ao palco da dupla de garotas americanas CocoRosie e expôs faceta intimista do hip hop. Em álbuns como Comme un enfant, do ano passado, casou o blues e o novo folk no brilho de ser simples. Tudo certo para casar também com Mariana, que brinca com estrangeirismos e samba para fabricar uma MPB macia e, de repente, nova.

Na sequência, a novidade é o encontro entre duas garotas. Fernanda Takai, que investiu em ser Nara Leão nos últimos tempos (lançou o álbum de releituras Onde brilhem os olhos seus), sobe ao palco com a francesa Jeanne Cherhal. São duas vozes pequenas desenhando um pop que sabe se divertir – certamente se encontram no intervalo geográfico entre a música popular francesa e a brasileira, onde se situam os ícones de Fernanda: Michael Jackson, Duran Duran, Siouxsie and the Banshees, Mutantes. A apresentação esboça uma leveza compensada no rock amargo de Bertignan, que encerra o festival. Caberá a Zeca Baleiro tentar um pouco de bom humor – ele sabe arriscar na ironia – antes que o companheiro francês termine na fossa de Sarkozy. Carla Bruni arrasa.



INTERCÂMBIO

“Nossa proposta é trazer nomes da França que não eram necessariamente conhecidos no Brasil
e criar encontros com a cena musical brasileira. Queremos que os franceses saiam daqui muito mais brasileiros”, afirma Matthieu Rougé, curador do festival junto ao brasileiro Paulo Lepetit, produtor e músico que já trabalhou com Itamar Assumpção. “Resolvemos reunir parte da cena pop
francesa e contemplamos um leque relativamente grande. Tem gerações de 20 a 50 anos, com sons que passam pelo pop, rock, funk, soul, groove”, pontua.
De acordo com Rougé, houve uma busca pelas interseções nacionais e regionais. “A coisa bonita é que a música tem algo de universal, então, a interação se cria. Óbvio, a música brasileira é muito rica. Passamos pelo Recife e vemos muita riqueza sonora. É interessante ver o quanto conseguimos juntar a música de raiz americana ou europeia com o que se produz em Pernambuco”,
continua Rougé. “Uma das nossas maiores preocupações foi atrair o público, para que ele entre em contato esses nomes franceses, ainda pouco conhecidos no Brasil”, explica.
O curador lembra uma situação em que o intercâmbio promovido foi tão forte que rendeu uma parceria fora dos palcos. O caso das bandas Tante Hortence, da França, e Revista do Samba, de São Paulo, vai virar disco. “Foi completamente inesperado”, afirma. As apresentações do Station Brésil contemplam ainda João Pessoa, Brasília e São Paulo, com outros artistas convidados.


Programação Festival Station Brésil
Local: Torre Malakoff (Recife Antigo)

Dia 03/11 – início às 19h

Mathieu Boogaerts + Siba e a Fuloresta

Thierry Stremler + Chico César

Naná Vasconcelos comanda jam session


Dia 04/11 – início às 19h

Mariana Aydar + Spleen

Jeanne Cherhal + Fernanda Takai

Bertignac + Zeca Baleiro

Obs: As senhas para os shows serão distribuídas no local no dia do show, às 17h

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