O compositor pernambucano é o maior autor de canções dedicadas a um só time de futebol: o Santa Cruz
Por Bruno Negromonte
Independente do time que o faz vibrar, o torcedor sensato reconhece a grandeza dos grandes adversários existentes e de sua relevância o cenário esportivo a partir de diversas características. Há times que mesmo não estando em evidência por conta dos maus resultados, continua com uma ascendente e fiel torcida a prestigiá-lo, não sendo levado em consideração a série em que o clube encontra-se presente. Um dos grandes times nacionais apresenta essas características é o Santa Cruz Futebol Clube, time fundado no início da noite de 3 de fevereiro de 1914, uma terça-feira, na casa nº2 da rua da Mangueira (hoje rua Leão Coroado, nas proximidades do Largo de Santa Cruz), no bairro da Boa Vista. Enquanto os outros clubes que destacavam-se no cenário local eram elitistas, o Santa foi um clube surgido na classe média, popular desde seu nascedouro, sendo um dos primeiros a aceitar negros, algo raro na época (o escudo do clube inclusive foi desenhado em 1915 por Teófilo Batista de Carvalho, conhecido por Lacraia, primeiro negro a defender o Santa Cruz). Somando a isso o time do estádio do Arruda vem somando os mais variados feitos ao longo dos mais de cem anos de existência: 45 títulos estaduais entre campeonatos pernambucanos, Copa Pernambuco e Torneio Início de Pernambuco; 1 Campeonato brasileiro da série C e 2 campeonatos de âmbito regional (1 Copa do Nordeste e 1 Torneio Hexagonal Norte-Nordeste) angariando assim a admiração e paixão de milhares de torcedores como Nélson Ferreira, Capiba, os Irmãos Valença, os maestros Forró e Spok, Maciel Melo, Chico Science, Jackson do Pandeiro dentre outros.
Dentro da música popular brasileira vários foram os artistas que dedicaram canções aos clubes de coração a exemplo de nomes como o do compositor mais idolatrado dos gaúchos, o saudoso Lupicínio Rodrigues, autor em 1953 do hino Do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense. Além do Lupi pode-se citar outro relevante nome da composição brasileira: Lamartine Babo, considerado por muitos como um dos mais relevantes compositores de sua época. Eclético, Babo é autor, em parceria com Francisco Matoso, da clássica "Eu sonhei que tu estavas tão linda"; canções como "Joujoux e Balangandãs" clássicos carnavalescos como "Linda morena", "Grau dez" (parceria com Ary Barroso), "Carnaval Brasil ou Hino do carnaval brasileiro" e a mais conhecida de todas composta em parceria com os irmãos Valenças: "O teu cabelo não nega". Ele também é responsável pelos hinos de 11 clubes do Rio de Janeiro: Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo, além do América, Bangu, Madureira, Olaria, Bonsucesso, Canto do Rio e São Cristóvão. Reza a lenda que tudo teve início de modo bastante casual, quando no carnaval de 1945, ele compôs uma marchinha para o Flamengo (música que acabou virando o hino informal do time até hoje). Tal marchinha foi um estrondoso sucesso e isso acabou suscitando uma ideia no radialista Heber de Boscoli, que a frente do programa "Trem da Alegria", propôs a Lamartine um desafio: a ideia de compor um hino por semana para todos os outros clubes de futebol que compunham o campeonato do Rio de Janeiro. Desafio aceito e cumprido, pois o resultado foi que no final da década de 1940 todos os 11 times que disputavam o Campeonato Carioca já tinham os seus respectivos hinos compostos por Babo.
Manancial de inspiração e também de amor ao futebol, em especial ao pernambucano, Bráulio de Castro é, sem sombra de dúvidas, também um compositor de merecido destaque quando relacionamos a sua obra a esse esporte que é considerado uma paixão nacional. O eclético compositor pernambucano é o autor que mais dedicou canções a um mesmo time na história da música popular brasileira. Com cerca de 18 canções que compõem os discos em homenagem ao tricolor do Arruda. É possível que Bráulio seja não apenas o detentor do título de autor do maior número de composições dedicadas a um mesmo clube não apenas no Brasil, mas no planeta (não se encontra registro de façanha semelhante). Digno de figurar no Guinness World Records por isso, Bráulio não se prende a essa façanha e nem se vangloria por tamanho feito, virtude peculiar àqueles que são grandes e que poucos se importam por dados ou reconhecimento, mas sim por resultados como o que podemos ver em registros de diversos nomes como o do irreverente e talentoso Walmir Chagas, do cantor e compositor Bubuska e do multifacetado Ed Carlos, artista que dividem a paixão e devoção pelo clube pernambucano. Tudo isso acaba por tornar o compositor grande, maior até que dezenas de canções de dicadas ao clube, uma vez que "a prepotência pode até nos fazer forte por um dia; mas a humildade nos faz para sempre", como diz a máxima.
Diante de mais uma faceta desse multiartista pernambucano já se faz possível afirmar e dimensionar a sua importância para o cenário cultural do nosso Estado também por dedicar-se a reverência a um dos mais amados clubes existentes no país. Ratificando, é melhor registrar a sua importância para um contexto maior, uma vez que tal feito é para poucos ou para um único nome. Tal qual a odisseia de muitos que almejam a ascensão no futebol, Bráulio de Castro passa também pelo mesmo drama só que fora do campo, uma vez que sua obra não consegue passagem ao aventurar-se passar pelos atuais clivos que regem aquilo que se julga hoje por qualidade e bom gosto. No "peneirão" do mal gosto e vulgaridade existente nos dias atuais e que fazem parte daquilo que se diz por cultura, a oportunidade de destacar-se com um Pelé ou Garrincha da canção é ínfima, pois este craque das letras e canções não tem vez e nem muito menos voz para fazer reverberar a sua importância diante de tanta efemeridade. O que nos deixa abismados é que diante de tamanha dimensão e importância, o compositor natural de Bom Jardim, não tem dada à sua obra dedicada ao futebol a devida atenção nem mesmo pela Federação Pernambucana do esporte, que teoricamente deveria apresentar com orgulho esse grande feito de um filho da terra. Ainda bem que o Dirceu Paiva, diretor do Patrimônio do clube, e que sempre cuidou da taças e história do clube, no centenário do Santa Cruz Futebol Clube sugeriu que as composições de Bráulio fossem guardadas em um cofre para o mesmo ser aberto no segundo centenário do tricolor do Arruda. Enfim... são poucos que tem ciência do verdadeiro sentido da frase do também pernambucano Nelson Rodrigues: "Se Euclides da Cunha fosse vivo teria preferido o Flamengo a Canudos para contar a história do povo brasileiro."
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