Iniciativa é do músico mineiro Pacífico Mascarenhas, que ensaiou na cidade histórica mineira os primeiros acordes da bossa nova
Por Sandra Kiefer
João Gilberto, que nesta foto de 1961 toca no Iate Tênis Clube, ficou 'muito comovido' com o convite para viver em Diamantina, segundo a cantora Miúcha (foto: ARQUIVO EM)
Uma ação entre “amigos da bossa nova” capitaneada pelo músico mineiro Pacífico Mascarenhas, de 82 anos, oferece uma casa e cuidados médicos gratuitos ao pai do movimento, o cantor e violonista João Gilberto, de 87, caso ele concorde em morar em Diamantina, cidade histórica onde viveu no passado com parentes e onde dedilhou os primeiros acordes do estilo musical que leva sua assinatura.
Segundo notícias divulgadas por sua família, na semana passada João Gilberto foi despejado do apartamento em que vivia, na Rua Carlos Góis, no Leblon, enfrentando sérias dificuldades financeiras e de saúde. “É uma cafajestada o que estão fazendo com ele. O João (Gilberto) não merece ser alvo desse tipo de exposição”, protesta Miúcha, segunda mulher de João Gilberto, com quem teve Bebel Gilberto, em conversa com o Estado de Minas, por telefone.
Segundo a cantora, por enquanto, João Gilberto está morando de favor no apartamento de um amigo, no Bairro da Gávea. Ela confirma a ação de despejo sofrida pelo ex-marido, que “nunca foi de controlar muito as contas, descuidou dos aluguéis e acabou assinando papéis sem nem olhar, envolvendo-se com vários empresários e várias mulheres. Mas tudo isso está acontecendo por que ele está com o pagamento de seus direitos autorais desatualizados desde os anos 1960, devido a uma disputa entre advogados”.
O músico mineiro Pacífico Mascarenhas conviveu com João Gilberto quando o pai da bossa nova tinha 21 anos e o recebeu como convidado em sua casa
(foto: JUAREZ RODRIGUES/EM/D.A.PRESS)
Miúcha afirma ter recebido, há alguns dias, o telefonema de Pacífico Mascarenhas, que apresentou a oferta de moradia a João Gilberto em Diamantina. Ela diz que comentou sobre o assunto imediatamente com JG. “O João ficou profundamente comovido com a ideia. Olha, ele ficou mais de uma hora conversando comigo e contando casos daquela época e que envolviam o nome do Pacífico.” O músico mineiro, por sua vez, diz que no telefonema feito a Miúcha não chegou a saber qual era a opinião dela sobre a oferta, pois a ligação caiu e a conversa acabou ficando pela metade.
Pacífico guarda com muito carinho as memórias da convivência com João Gilberto, nos anos de juventude e antes que ele se tornasse o pai da bossa nova. Ele tinha 21 anos, tocava em um grupo vocal e ainda não havia gravado o marco bossa-novista Desafinado, de 1958. “À noite, a gente saía pelos bares de Copacabana. Inclusive teve um deles, o Drink, em que o porteiro o barrou na porta. Isso foi antes ainda de ele se tornar conhecido”, conta Pacífico, divertindo-se com a lembrança.
Segundo o mineiro que depois se tornou figura de destaque da chamada Turma da Savassi, na juventude João Gilberto era muito tímido, mas já tocava violão muito bem. “Em 1956, fui para o Rio gravar o primeiro disco independente do Brasil e chamei o João Gilberto, que ainda não era conhecido, para tocar o trecho para mim. O cara que iria tocar comigo desistiu de ir na última hora, alegando ter medo de viajar até o Rio. Então, combinei tudo com o João. Ele marcou certo comigo de ir, mas também não apareceu”, conta Pacífico, rindo. Na verdade, embora tenha frequentado várias vezes a casa de Pacífico Mascarenhas no Bairro Cidade Jardim, em BH, João Gilberto nunca chegou a gravar com ele. Ele dividiram apenas ensaios caseiros, recentemente divulgados no YouTube com o nome de “Pouca Duração”.
Pacífico acredita que João Gilberto não faça ideia do orgulho que Diamantina teria em receber de volta o músico, no berço da bossa nova. Segundo revelou o escritor Ruy Castro no livro Chega de saudade – episódio recontado na obra Ho-ba-la-lá – À procura de João Gilberto, do alemão Marc Fischer – foi na cidade histórica mineira que o jovem João Gilberto se trancava no banheiro, em busca da melhor acústica possível para praticar o violão, durante a temporada de sete meses em que morou na casa da irmã mais velha, Maria da Conceição, a Dadainha, e do cunhado, o engenheiro Péricles Sá, escalado pelo então Departamento de Estradas Regional (DER) para abrir as estradas que ligam Diamantina à região do Vale do Jequitinhonha. A casa de Dadainha, que atualmente mora em Vitória (ES), é hoje sede de imobiliária em Diamantina.
DIVISÃO DE CUSTOS
Segundo o prefeito de Diamantina, Juscelino Brasiliano Roque (que nasceu exatamente no dia da inauguração de Brasília e herdou o nome do padrinho, Juscelino Kubitschek), João Gilberto terá médicos à sua disposição na Santa Casa de Misericórdia, onde ele próprio atua como provedor, além de poder escolher onde quer morar, seja na bucólica localidade de Biribiri ou no centro histórico. “Para não dizer que a prefeitura irá pagar, vamos criar um clube de amigos da bossa nova, que irá dividir os custos entre si. João Gilberto pode ter certeza de uma coisa: aqui em Diamantina ele ainda tem bons amigos, que terão orgulho de acolher o mestre da bossa nova”, afirma o prefeito, que é neto e filho de seresteiros e se diz incentivador da cultura no município.
Sobre a real possibilidade de João Gilberto voltar aos braços de Diamantina, porém, Miúcha diz: “João achou o convite muito carinhoso e passou um tempão falando a respeito, mas não faço a menor ideia do que ele irá decidir”. Ela, no entanto está à disposição para intermediar o diálogo entre as partes. Diante da famosa dificuldade do músico em atender a telefonemas, bem como comparecer a outros encontros e compromissos, Miúcha propõe que seja encaminhado um e-mail em nome dela, comprometendo-se a repassar a informação de maneira detalhada a João Gilberto. “O que eu puder fazer para ajudar ao João, contem comigo.”
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