domingo, 26 de julho de 2015

45 ANOS SEM RAUL TORRES

2015 marca quatro décadas e meia sem o cantor e compositor botucatuense.


Por Edson Carlos Nogueira


Raul Montes Tôrres, filho de José Montes Torres e Josefa Camacho Rodrigues, imigrantes espanhóis, nasceu em 11 de julho de 1906, em Botucatu, e foi batizado em 24 de dezembro. Iniciou seus estudos no Grupo Escolar “Dr. Cardoso de Almeida”, em 1915, quando residia à rua Curuzu, nº 144. Transferiu residência para a cidade de Itapetininga. Nos anos 20, com a mãe viúva e 4 irmãos, mudou-se para São Paulo. Ao completar 16 anos, tirou carta de cocheiro, passando a trabalhar no Jardim da Luz, e, durante dois anos, perambulou pelas ruas no trabalho duro, até ingressar na Estrada de Ferro Sorocabana, em 1924. Ocupou o cargo de Assistente Administrativo, trabalhando junto à Chefia da Sub-Diretoria de Operações, e aposentou-se em 1954. Casou-se com Assunção Fernandes e, em segundas núpcias, com Adelina Aurora Barreira, portuguesa de Trás-os-Montes, em 1955. Raul Torres faleceu em São Paulo, em 12 de julho de 1970, e foi sepultado do Cemitério do Araçá. 


RÁDIO 

Foi um dos pioneiros do rádio paulista. Em janeiro de 1927 deu sua primeira audição profissional ao microfone da Rádio Educadora, num sábado, recebendo seu primeiro “cachet”: trinta mil réis. Muito dinheiro naquele tempo! A Record foi buscá-lo a peso de muitas centenas de mil réis. Em 1932 transferiu-se para a Rádio Cruzeiro do Sul, já então de nome feito e ganhando sempre crescente popularidade como intérprete do gênero caipira. A Record fez-lhe uma tentadora proposta para tê-lo de volta a seu prefixo. Em 1938, ingressou na Record, compondo o primeiro conjunto efetivo no gênero em nosso rádio: o trio “Torres, Serrinha e Rieli”. A dupla com Florêncio só nasce realmente em 1944. Pouco depois, passaram a se dedicar mais ao rádio, mantendo na Record de São Paulo o programa “Os 3 Batutas do Sertão”, animado pelo trio de mesmo nome, constituído por Raul Torres, Florêncio e José Rieli – a partir de 1947 substituído por Emilio Rielli Filho. Este último, substituído mais tarde por Castelinho e, posteriormente, por Nininho. 



INTÉRPRETE 

Em entrevista, afirmou que seu gosto de cantar nasceu nos tempos em que conduzia seu coche pelas ruas paulistas e sentia necessidade de espantar um pouco o silêncio da solidão. Tinha voz macia e bem agradável. Em fins de 1930 grava para Cornélio Pires com o pseudônimo de Bico Doce. Deixou em discos mais de 400 gravações, sob os principais selos do país, como RCA Victor, Odeon e Columbia, em diversos gêneros musicais, tais como modas de viola, guarânias, toadas, valsas, sambas, marchas, jongos, cocos e emboladas. Este último exige bom fôlego do intérprete. Tamanha era a sua habilidade que é reconhecido como “Embaixador da Embolada”. 


PRESTÍGIO 

Seu prestígio no meio artístico fez com que firmasse boa amizade com Francisco Alves, Sylvio Caldas, Luiz Barbosa, Nonô e muitos outros, que faziam questão de até participar espontaneamente das gravações de Raul Torres. No ano de 1933, o rei da voz fez coro, ao lado de Jaime Vogeler, Moreira da Silva, Castro Barbosa e Jonjoca, para a gravação de “Sereno Cai”. 

PARCEIROS EM GRAVAÇÕES 

Artur Santana, o Azulão; Nair de Mesquita; Pescuma; Genesio Arruda; Ida e Irene Baldi; Lazaro e Machado; Mariano, pai do acordeonista Caçulinha; Ascendino Lisboa; Joaquim Vermelho; Jaime Vogeler; Aurora Miranda, irmã de Carmem Miranda; Nestor Amaral; João Pacífico; Nha Zefa; Serrinha, filho de sua irmã Izabel Montes Torres; Florêncio; Inhana, da dupla Cascatinha e Inhana; Rosita del Campo; Inezita Barroso e Ramoncito Gomes. 




MÚSICO 

"Nunca tive professor de canto ou música. Entendo mesmo que a sincera e fiel interpretação das nossas canções, sambas, cateretês, etc., só pode existir na alma espontânea dos nossos sertanejos e, para eles, quase sempre, é inacessível o estudo. Mas é só com eles que se encontra a expressão do nosso clima, das nossas belezas naturais, que, com tanta nitidez sentimental, eles sabem traduzir na simplicidade poética de seus violões e violas." 


COMPOSITOR 

Só em 78 rpm, Raul Torres deixou mais de 400 gravações, interpretando, entre outros, Dilermando Reis (Guaratinguetá), Adoniran Barbosa (Dona bôa), Alvarenga e Ranchinho (Sae feia), Capiba (Mentira) e Kid Pepe (Quem mandou e Que linda manhã serena). Porém, sua bagagem musical sobe a 400 composições, só ou em parcerias, como com João Pacífico, Zé Fortuna, Carreirinho, Zé Carreiro, seu sobrinho Serrinha, o conterrâneo Joaquim Vermelho (Joaquim Pedro Gonçalves), Lourival dos Santos, Palmeira, Capitão Furtado (Ariovaldo Pires), Sebastião Teixeira, Geraldo Costa, Cornélio Pires e Tinoco. 

Em palavras do jornalista botucatuense Sergio Santarosa, não há cantor do gênero sertanejo que se preze que não tenha gravado Raul Torres. Rolando Boldrin e Tonico e Tinoco dedicaram discos inteiros às suas composições. Tião Carreiro assumiu publicamente seu apreço a Raul Torres e tem como título de um de seus discos, em dupla com Pardinho, uma composição do artista botucatuense: “Felicidade”. Suas composições também foram gravadas por outros artistas de renome, como: Luiz Gonzaga, Mococa e Paraíso, Duo Glacial, Irmãs Galvão, Daniel, Chitãozinho e Chororó, e em versões instrumentais com Tião Carreiro e com Renato Andrade. 


BOTUCATU EM SUAS MÚSICAS 

Embora não tenha encontrado referências a homenagens que autoridades botucatuenses lhe tenham prestado em vida (a primeira carta de um conterrâneo felicitando-o pelo trabalho partiu de Luiz Simonetti, em 1959, havia 32 anos de sua carreira artística), Raul Torres não deixou de citar o nome de sua terra natal em composições e gravações. Em “Quando eu Cantei no Rádio”, gravada em dupla com seu sobrinho Serrinha, menciona: “Eu vim de Botucatu viajando quase um dia inteiro para cantar em São Paulo na irradiação da Cruzeiro...”. Em outras duas composições, relançadas em CD pelo selo Revivendo, em 2004, e que chegaram aos Estados Unidos da América, Japão e alguns países do continente europeu, é possível ouvir Caninha Verde (“Falo verdade e também no cururú, Raul Torres é meu nome, eu sou de Botucatu”) e Desafio (“Eu nasci de madrugada, antes do galo cantá, eu nasci em Botucatu, a minha terra natá”). Esta última, gravada em dupla com Inezita Barroso. Raul Torres lembrava com orgulho de suas origens e sempre que podia visitava Botucatu. Numa dessas visitas, conheceu um boiadeiro e inspirou-se para compor os versos de uma das mais belas modas de viola de todos os tempos: Boiada Cuiabana (“Vou contar a minha vida do tempo que eu era moço....Eu saí do Alambari na minha besta ruana...”). 


MÚSICAS EM TRILHAS SONORAS 

Rôla...Rolinha – Filme “O Babão”; 
Mestre Carreiro – Filme “Sertão em Festa”, com Tião Carreiro e Pardinho; 
Cavalo Zaino – Novela “Cabocla”, levada ao ar pela Rede Globo de Televisão, com interpretação de Sérgio Reis; 
Cabocla Tereza – Filme “Cabocla Tereza”. 

FILME CABOCLA TEREZA ( 1982 ) 
Sumar apresenta 
Cabocla Tereza 
Eastmancolor 
Co-produção : Mori Filmes 
Direção : Sebastião Pereira 
Montagem : Sylvio Renoldi 
Fotografia : Eliseu Fernandes 
Trilha sonora : Chantecler 
Direção Musical : Aluisio Pontes 
Música : João Pacífico e Raul Torres 
Cantam : Francisco Tozzi, Adauto Santos e Bando de Macambira 
Com : Zélia Martins, Sebastião Pereira, Carlito, Washington L. Bezerra (Tonton) 
Participação especial : Jofre Soares 
Ator Convidado : Chico Fumaça 
Antonio Leme, J. Alves, Francisco Tozzi 

SUCESSOS
Raul Torres foi compositor de inúmeros êxitos, tais como: 
“CHICO MULATO” – Raul Torres e João Pacífico 
(“Tapera de beira de estrada, que vive assim descoberta...”); 
“CABOCLA TEREZA” – Raul Torres e João Pacífico 
(“Há tempo eu fiz um ranchinho, pra minha cabocla morar...”); 
“PINGO D’ÁGUA” – Raul Torres e João Pacífico 
(“Eu fiz promessa pra que Deus mandasse chuva...”); 
“MOURÃO DA PORTEIRA” – Raul Torres e João Pacífico 
(“Lá no mourão esquerdo da porteira...”); 
“BOIADA CUIABANA” – Raul Torres 
(“Vou contar a minha vida do tempo que eu era moço...Eu saí de Alambari na minha besta ruana...”); 
“SAUDADES DE MATÃO” – Raul Torres ( letra ), Jorge Galati e Antenógenes Silva 
(“Neste mundo eu choro a dor, por uma paixão sem fim...”); 
“COLCHA DE RETALHOS” – Raul Torres 
(“Aquela colcha de retalhos que tu fizeste, juntando pedaço em pedaço foi costurada...”); 
“CAVALO ZAINO” – Raul Torres 
(“Eu tenho um cavalo zaino que na raia é corredor, já correu quinze carreira, toda as quinze ele ganhou...”) 
Curiosidade: conheceu o rasqueado em viagem ao Paraguai e introduziu em terras brasileiras com a gravação desta canção; 
“MODA DA MULA PRETA” – Raul Torres 
(“Eu tenho uma mula preta tem sete parmo de artura...”); 
“MODA DA PINGA” – Domínio Público 
(“Com a marvada pinga é que eu me atrapaio...”) 
Curiosidade: Inezita Barroso atesta que era de costume dos portugueses, quando uma música agradava, que as pessoas continuassem a compor seus próprios versos encaixando na melodia. “Eu fui numa festa no rio tietê, lá me deram pinga pra mim bebê, tava sem fervê”, segundo Inezita Barroso, são versos de autoria de Raul Torres. 
“DO LADO QUE O VENTO VAI” – Raul Torres 
(“Adeus morena eu vou do lado que o vento vai...Me fizeram judiação, é coisa que não se faz, adeus morena eu vou, adeus que eu vou pro sertão de Goiás”) 

SUAS MÚSICAS ATRAVESSANDO FRONTEIRAS 
MODA DA MULA PRETA – Argentina; 
A CUÍCA TÁ RONCANDO – embora nem de carnaval fosse, essa composição de sua autoria faria enorme sucesso no carnaval carioca de 1935, e em Portugal. 
Curiosidade: Osvaldinho da Cuíca revela que uma de suas fontes de inspiração foi o clássico "A Cuíca Tá Roncando", de Raul Torres. Gravado originalmente em 1935, pelo próprio autor, esse foi o primeiro samba paulista que obteve sucesso no resto do país. "Era um samba bem rural, bem caipira", relembra. 
Lançados em 2004 pelo selo Revivendo, de Curitiba-PR, os CDs “Suspira Meu Bem”, “Tá vendo muié” e “Raul Torres e seus parceiros”, chegam aos mais diversos países, como Estados Unidos, França, Japão e Rússia. 

IMPORTÂNCIA PARA A MÚSICA BRASILEIRA 
Inezita Barroso, estudiosa do nosso folclore, apresentadora do programa “Viola, Minha Viola”, exibido pela TV Cultura, e que conviveu com Raul Torres, entende como contribuição maior do artista botucatuense para a música brasileira o seu elevado número de composições. 
Introduziu a cuíca no disco, compôs e gravou o primeiro desafio (“Desafio número 1”, gravado com Nha Zefa), apadrinhou o primeiro 78 rpm de Cascatinha e Inhana. 
Se a música sertaneja hoje encontra caminhos mais suaves para a divulgação em rádio e discos, deve-se também ao trabalho incansável de Raul Torres e ao pioneirismo de Cornélio Pires. 

PRÊMIOS 
Nos anos de 1954 e 1961, recebeu o Troféu “Roquete Pinto”, um dos mais importantes do rádio e TV, na categoria “Melhor Conjunto” – “Torres, Florêncio e Nininho” e “Torres, Florêncio e Castelinho”. Em 1970, a viúva viria a receber o mesmo troféu, na categoria “Preito de Saudade”. 

AS HOMENAGENS PRESTADAS EM BOTUCATU E OUTRAS CIDADES 
• Botucatu emprestou seu nome a uma rua do município e, em 2002, por iniciativa do vereador Luiz Carlos Rubio, o tornou patrono de escola (EMEFEI Raul Torres). 
• Lançamento de Cartão Filatélico e quadro na Galeria dos Compositores Botucatuenses em homenagem ao Centenário de Raul Torres – Centro Cultural de Botucatu, julho de 2006. 
• Tributo ao Centenário de Raul Torres realizado pela Prefeitura de Botucatu: shows com Pedro Bento e Zé da Estrada, Liu e Léu, Tinoco e Tinoquinho, entre outros; vídeo documentário “Toca Raul” e inauguração da estátua na praça Comendador Emilio Pedutti – novembro de 2006 a março de 2007. 
• Programa “Viola, Minha Viola” – Especial ao Centenário de Raul Torres – levado ao ar pela TV Cultura nos dias 03 e 09 de junho de 2007; 
• Rua Raul Montes Torres – Franca, SP; 
• Rua Raul Torres – Marília e Osasco, SP. 
• “A Vida de Raul Torres” – moda de viola gravada por Zé Carreiro e Carreirinho. 


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