segunda-feira, 3 de novembro de 2014

50 ANOS SEM ANTONIO MARIA

No último mês de outubro completaram-se cinco décadas sem o autor de "Meu mundo caiu" 


Por Wladmir Paulino

Antônio Maria antecipou em décadas o conceito de multimídia

Quando o coração do jornalista Antônio Maria de Araújo Morais encerrou os trabalhos na madrugada de 15 de outubro de 1964, punha um ponto final não apenas na vida do homem, mas encerrava a carreira daquele que pode ser considerado um dos primeiros multimídia da imprensa brasileira. Sem tablet, smartphone e sequer computador, o pernambucano nascido no Recife em 17 de março de 1921 misturava 'apenas' doses cavalares de talento e energia para brilhar como cronista, narrador esportivo, produtor de rádio, televisão e compositor no Rio de Janeiro durante toda a década de 1950 até o dia de sua morte.

O mais curioso é que a intensa atividade intelectual contrastava com a formação acadêmica. Maria era... agrônomo. Explica-se. Seu pai, Inocêncio, era dono de uma usina de açúcar. Nada mais óbvio do que o filho estudar a terra. A vida abastada o fez ter tudo do bom, principalmente a educação. Estudou no Colégio Marista, teve lições de francês e piano. Porém o mundo da comunicação o seduziu bastante cedo. Aos 14 anos, estreava na Rádio Clube como apresentador de programas musicais.

Em 1940, foi tentar a sorte no Rio de Janeiro, agora como locutor esportivo na Rádio Ipanema. O estilo diferente do padrão da época rendeu-lhe vida curta nesta função. Para se ter uma ideia, quando alguém chutava a bola para fora, Maria bradava: "Bola no fotógrafo". O trabalho como radialista caminhava lado a lado com a vida boêmia recém-descoberta na então capital federal. Nessa época, morava no edifício Souza, na Cinelândia, dividindo o apartamento com outros dois conterrâneos: Fernando Lobo e Abelardo Barbosa, futuramente conhecido como Chacrinha.



O estranhamento causado pelas narrações esportivas encurtaram a vida na Ipanema. Dez meses depois, com poucos tostões no bolso, Antônio Maria estava de volta ao Recife. Em 1944, casou com Maria Gonçalves Ferreira e foi trabalhar em outra Rádio Clube, agora a de Fortaleza. O espírito multimídia citado lá no começo do texto começa a se manifestar. Depois de Fortaleza, voltou ao Rio, agora para vencer como diretor de produção da Rádio Tupi e das Emissoras Associadas. 

Ao mesmo tempo começou a escrever a coluna Jornal de Antônio Maria em O Jornal. A multiplicidade de funções também teve um tanto de necessidade, já que precisava sustentar a família. Maria dividia o amor pela comunicação com a esposa, os dois filhos e a noite. Essa última, a grande musa insipiradoras de suas mais de 3 mil crônicas, também impressas no Globo e Última Hora. Do rádio e do jornal partiu também para a televisão. O todo-poderoso Assis Chateubriand o nomeou diretor de produção da TV Tupi. A saída da casa que o acolheu durante todo esse tempo o transformou no mais bem pago personagem do rádio brasileiro. No final de 1952, a Rádio Mayrink Veiga, encharcada com o dinheiro injetado pelo Governo de Getúlio Vargas, contratou Antônio Maria por 50 mil cruzeiros. Tanto dinheiro fez o jornalista ostentar um dos maiores símbolos de status da época: um Cadillac.

Na TV Rio, dividiu com Ary Barroso um programa que fez muito sucesso: Rio, Eu Gosto de Você. Nas entrevistas, não aliviava para os convidados, que também não se faziam de rogados e devolviam na mesma moeda, como fez a candidata a deputada Sandra Cavalcanti. Travou-se o seguinte diálogo:

Antônio Maria - Quer dizer, dona Sandra, que a senhora é mal-amada?
Sandra - Posso até ser, senhor Maria, mas não fui eu que fiz aquela música Ninguém Me Ama - retrucou, lembrando um grande sucesso do compositor.



Falando em compor - a última das quatro faces de Maria -, contava a lenda que ele não sabia a linguagem das notas musicais. Cantarolava a música, criava a letra e depois pedia para algum amigo músico 'traduzir' numa partitura. Por causa disso, muitas canções podem ter rolado sem que seu nome recebesse crédito. Até a citada Ninguém Me Ama virou alvo de polêmica quando Fernando Lobo disse que era o único autor. A resposta veio numa crônica recheada de cortante sarcasmo:

"(…) Devo explicar, todavia, que os versos onde estão as palavras ‘de fracasso em fracasso’ não são de Fernando. E é fácil provar, porque a palavra ‘fracasso’ está escrita corretamente, isto é, como dois ‘ss’. Caso fosse, em verdade, uma colaboração sua, eu juro que lhe respeitaria as cedilhas (çç) habituais."

A lista de parcerias do jornalista era enorme, onde se destacavam nomes como Vinícius de Moraes, com quem compôs os sambas Quando tu passas por mim e Dobrado de amor a São Paulo, gravadas por Aracy de Almeida, sua grande amiga. Entre os frevos,Frevo número dois do Recife, Frevo número um do Recife são os mais conhecidos. A lista de intérpretes consagrados não ficou apenas em Aracy. Nora Ney, Emilinha Borba, Elizeth Cardoso e Jamelão também colocaram suas vozes em músicas de Antônio Maria. Na vida pessoal, separou-se de Maria Gonçalves e casou com a também jornalista Danuza Leão.



MORTE PRECOCE - A vinda intensa cobrou seu preço. Antônio Maria reclamava constantemente de dores nas costas, que um médico diagnosticara como problema na coluna. O incômodo era tão grande que, muitas vezes, ele sequer conseguia dormir. Ao consultar outro especialista, ficou sabendo que não apenas era o coração que dava sinais de desgaste como estava enfartando naquele mesmo instante. A boemia reduziu drasticamente e a noite deixou de ser uma criança. Mas não foi possível evitar um segundo enfarte, esse fatal, na madrugada de 15 de outubro. Com parcos 43 anos, Antônio Maria deixava um enorme e nem tão conhecido legado, que até hoje ainda precisa ser melhor descoberto.

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