sábado, 14 de janeiro de 2012

LUIZ GONZAGA É CEM!

Por Abílio Neto*


Neste ano do centenário de Luiz Gonzaga, pretendemos também dar ênfase naquelas músicas do seu vasto repertório que, apesar de lindas, não foram lançadas nas suas coletâneas nem foram regravadas por outros artistas, caindo no esquecimento popular.

Como ele já tinha feito com Zé Dantas o grande sucesso Algodão,um baião de 1951,em 1955 também fez com Zé Dantas um xote exaltando um dos nossos principais produtos agrícolas de exportação: o café.

O xote "Café" foi lançado em julho de 1955 e fez um tremendo sucesso. Fica bem destacado na gravação para os ouvintes o belo acompanhamento de Luiz Gonzaga com um violão e uma percussão fantásticos. E o que dizer do solo da sua sanfona? Perfeito domínio do instrumento do qual ele sempre será lembrado como um dos expoentes no Brasil.


Homenagem de Benito di Paula

As festas do centenário de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, ídolo maior da nação nordestina, começaram no dia 14/12/2011 e se estenderão até 13/12/2012 quando atingirão o seu ápice. Pretendo ao longo deste ano colocar 25 postagens sobre o famoso cantor e sanfoneiro do Riacho da Brígida. Serão duas a cada mês (até novembro) e três em dezembro. Procurarei dar ênfase nesses escritos às homenagens que ele recebeu em vida de inúmeros artistas nacionais que gravaram (a seu modo) suas músicas dando vida nova a elas com interpretações pessoais inesquecíveis, entremeadas por algumas histórias interessantes sobre a sua vida.

Quero começar pela homenagem do grande artista Uday Veloso, que compôs uma música especialmente para ele. Uday é um fluminense nascido em Nova Friburgo em 30/11/1941, tendo completado 70 anos no final de 2011. O seu pai foi um funcionário da concessionária da Estação Leopoldina e tocava bandolim, piano e violão. Assim não foi surpresa quando o seu filho se tornou músico, cantor e compositor. E tudo começou lá no Morro da Formiga, na Tijuca, zona norte da cidade do Rio de Janeiro.

- Por que o nome Uday? - Meu nome quer dizer “chefe da tribo”. Grande parte do meu sangue é cigano, entendeu? E você sabe que os nômades e ciganos vieram todos da Índia? O princípio dos nômades, dos ciganos, é a Índia.

Aquele rapaz que se vestia diferente dos jovens da sua época subiu a escada do sucesso com o nome de Benito di Paula e começou sua vida artística cantando na boite Balalaika, em Copacabana, como crooner. Em seguida, mudou-se para o estado de São Paulo onde cantava e tocava piano em casas de shows de Santos e São Paulo (capital). Ficou famoso na Catedral do Samba no bairro do Bixiga.



Em 1972, sua composição “Retalhos de Cetim” fez grande sucesso em casas noturnas de São Paulo, em especial na Teleco-Teco, que era frequentada por sambistas como Ciro Monteiro e Monsueto. Em virtude dessa música ficar em evidência por meses seguidos, Benito foi convidado a gravar um compacto pela Copacabana, porém gravou foi outra música: “Ela”. Retalhos de Cetim teve gravação em um segundo compacto pela mesma gravadora, composição que lhe abriu as portas para o sucesso no Brasil e no exterior porque foi gravada por Jair Rodrigues, pela orquestra de Paul Mauriat e pelo violonista norte-americano Charlie Byrd (homenageado na música Charlie Brown). Este samba figurou entre as composições selecionadas pelo historiador Jairo Severiano como um dos maiores sucessos do ano de 1973. O compacto simples vendeu mais de 150 mil cópias.

O sucesso de Benito não foi uma coisa bem assimilada pela crítica especializada que falava dele com certo desdém, acho que também pelo visual de cabelos longos e bigode, incomum entre os sambistas da época. Como os seus sambas eram românticos, foi rotulado de cafona e brega. Depois ganhou ainda um título aparentemente pejorativo: “O Rei do Sambão Joia”.

Benito nunca deu ouvidos para isso até porque era consciente do seu imenso talento e foi consolidando uma brilhante carreira de músico, cantor e sambista, passando a ser conhecido e admirado internacionalmente. Entre seus fãs fora do Brasil destacaram-se personalidades da música como Ravi Shankar (tocador de cítara), a cantora Sarah Vaughan, o violonista Charlie Byrd (já citado) e o pianista e cantor Stevie Wonder.

Em 1975, Benito comandou o programa Brasil Som 7, da extinta TV Tupi, de São Paulo, do que resultou um disco lançado no mesmo ano no qual apresentou alguns de seus convidados, entre eles Elizete Cardoso, Wando e Bebeto. Nesse mesmo ano, ao lado de Elizete Cardoso, Paulinho da Viola, Gilberto Gil, Jorge Ben, Beth Carvalho, Sônia Santos, Quinteto Violado e Cláudia, integrou a delegação brasileira que participou do Festival do MIDEM (Mercado Internacional de Discos e Editoras Musicais), na cidade de Cannes, na França. Ainda em 1975, lançou a música Charlie Brown, que obteve grande sucesso, a ponto de Chico Buarque referir-se a Charlie Brown como se fosse uma personagem real. Eu presumo que era, sim. Acho que Benito se referia ao músico norte-americano Charlie Byrd.

- Na capa do seu terceiro LP, Um novo samba, você está no maior estilo cigano, com pulseiras, correntes, brinco e, na época, tava com aquele cabelón Luís XIV. De onde vem essa pegada? É negócio de cigano, né? - A gente gosta. Por que não se enfeitar pra vida, né? A vida merece que você se enfeite pra ela a toda hora, a todo minuto.

E foi justamente em 1975 que Benito di Paula compôs e gravou a canção-homenagem que mais emocionou Luiz Gonzaga: Sanfona Branca. Isto está escrito no livro A Saga de Luiz Gonzaga, da escritora francesa Dominique Dreyfus.

- Você era contrário à ditadura, mas, por outro lado, fez algumas músicas que eram favoráveis. Sim ou não? Qual era sua posição política na época? - Olha só. Eu fiz “Tudo está no seu lugar, graças a Deus” numa época muito difícil, porque ninguém venha me dizer que a época da ditadura era fácil. Ainda mais pra mim, que trabalhava à noite, tinha cabelo comprido, tinha de andar de madrugada. Toda hora era chamado pra dizer aonde ia, o que foi fazer, o que aconteceu. O Ziraldo chegou pra mim e disse que quando ele fazia um trabalho e ficava pronto ele falava: “Tudo está no seu lugar, graças a Deus”. Confundir isso com uma música pra ditadura? Tá maluco? Não tem sentido alguém fazer uma música pra ditadura, certo?



No programa Ensaio da TV Cultura de São Paulo, em 02/12/2009, Benito teve oportunidade de falar sobre Luiz Gonzaga e Adoniran Barbosa, duas lembranças que lhe arrancaram lágrimas:
- “Eu toco piano, mas não é nem de ouvido, nem por música, é por necessidade”. Com essas palavras Benito di Paula deu início a uma emocionante edição do programa Ensaio, que foi ao ar na quarta-feira (2/12/2009), a partir das 22h, sob o comando de Fernando Faro, na TV Cultura/Itararé. Entre os momentos mais marcantes da entrevista, estão os que Benito lembrou Adoniran Barbosa e Luiz Gonzaga. Sobre o sambista, ele comenta a parceria na música “Não Precisa Muita Coisa: - “Adoniran sempre me deu muita força pra cantar. Um dia ele chegou e falou “ó, tem um pedaço de samba aqui, aí tu leva e faz”. O Rei do Baião foi lembrado com extrema admiração: - “Luiz Gonzaga é uma coisa que está dentro de mim desde que nasci. Eu fico até com pena desse pessoal que trabalha com cultura e arte e não fala dele, não toca nada dele. São infelizes”. Emocionado, Benito cantou uma canção que compôs para Gonzagão chamada “Sanfona Branca” e ainda interpretou um trecho da composição feita por Luiz Gonzaga em resposta a essa homenagem: “Chapéu de Couro e Gratidão”, além da clássica Asa Branca.

Letra de Chapéu de Couro E Gratidão (Luiz Gonzaga e Aguinaldo Batista):

“Aquela sanfona branca
Aquele chapéu de couro...”

“Como é bonito, Benito
Quem é poeta é que vê
Como é bonito, Benito
Poetas como você
A minha sanfona branca
Cor da paz do sonhador
Sonha que é teu piano
Tocando coisas de amor
O meu sol nasce mais cedo
Não tem hora pra largar
Racha pedra, queima a pele
Dá mais força no cantar

Como é bonito, Benito...

A minha voz de Nordeste
Vai ter som universal
Quando nós cantarmos juntos
Meu baião na capital
Bato palmas, trago flores
De Januário, a benção
E no meu chapéu de couro
Nada mais que gratidão

Como é bonito, Benito...”

E é com esta canção muito querida pelos nordestinos, Sanfona Branca, que começo as homenagens dos artistas brasileiros a Luiz Gonzaga, o Eterno Lua, que terá sempre um lugar de destaque em nossa memória, corações e mentes.

Viva os Cem Anos de Luiz Gonzaga! Salve Benito di Paula com sua memorável canção Sanfona Branca!

Fontes:
Dicionário on-line da MPB de Ricardo Cravo Albin
Entrevista de Benito di Paula à revista Trip
Pesquisas minhas sobre a vida do artista



* Abílio Neto, pernambucano, 63 anos, é pesquisador, divulgador de música e também colecionador. Seu arquivo contém obras raras da MPB, mais especificamente frevos, sambas, forrós e choros. Tem mais de 150 artigos escritos sobre música publicados nos sites Migalhas e Besta Fubana. É membro da Academia Passa Disco da Música Nordestina, uma entidade criada para exaltar a boa música brasileira.

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