terça-feira, 10 de janeiro de 2012

FECHADO HÁ 15 MESES E NAS TREVAS, CANECÃO PROCURA NOVA LUZ

Por Luiz Fernando Vianna


Só há três focos de luz no Canecão: dois sobre o palco e um à esquerda de quem entra naquela que, até ser fechada, em outubro de 2010, era a mais famosa casa de shows do país. O desligamento quase completo da energia é necessário, pois as infiltrações tornam o espaço vulnerável a curtos-circuitos - como já aconteceu. Chuvas fortes provocaram a queda de telhas, molharam o célebre salão e vêm derrubando o revestimento acústico de polipropileno, origem do forte cheiro de mofo.

A visita da reportagem na última quinta-feira foi o primeiro passeio da imprensa por todos os escombros do Canecão: centenas de cadeiras sobre as mesas, palco e camarins vazios, poeira farta e quatro pontos de acúmulo de água, dos quais um, no sistema de refrigeração, é um foco de dengue comprovado pela Vigilância Sanitária na terça-feira passada.

Proprietária do terreno, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) conseguiu reavê-lo em 2010, após longa briga judicial com o empresário Mario Priolli, que fundou o Canecão em 1967 e era inquilino da instituição. Mas ainda não superou dois empecilhos à reabertura: os problemas judiciais de Priolli e as divergências internas quanto a como geri-la.

Quando a Justiça determinou a reintegração de posse, o empresário paulistano, neto de italianos, foi embora e deixou para trás mesas, cadeiras, o sistema de ar-condicionado e outros bens (depauperados, mas bens). Eles foram penhorados como garantia, já que são muitas as dívidas de Priolli. Enquanto as pendengas não forem resolvidas, a UFRJ não pode usar os equipamentos nem se desfazer deles.

Para não assistir à casa cair, a universidade começará na terça-feira a orçar uma obra emergencial que, ao menos, reforce a cobertura, diminua o assumido (pela direção de gestão patrimonial e pela subprefeitura do campus da Praia Vermelha) risco de incêndio e torne utilizável o anexo, batizado de Canequinho.


Projeto de gestão partilhada

Paralelamente, outra batalha será travada no Conselho Universitário, o fórum de 50 integrantes (afora os suplentes) pelo qual passa toda decisão importante. A reitoria pretende propor uma gestão partilhada: de segunda a quinta-feira, a área seria destinada a atividades da universidade, artísticas (Escola de Música, Escola de Belas Artes etc.) ou acadêmicas, abertas ao público ou não; de sexta a domingo, programação de shows, na linha tradicional do Canecão.

- É um modelo que comporta as expectativas internas e externas; os interesses da comunidade acadêmica e da sociedade - diz o reitor, Carlos Levi.

O problema é: quem será o responsável pela programação de sexta a domingo? Quando Levi assumiu, em 30 de junho passado, seu antecessor, Aloísio Teixeira, tivera várias reuniões para debater o assunto, inclusive duas amplas. Na primeira, em fevereiro, conversou com gente da área de música como a presidente do Museu da Imagem e do Som, Rosa Maria Araújo, o pesquisador Sérgio Cabral, o empresário José Fortes, o cantor Jorge Vercillo e uma das donas da gravadora Biscoito Fino, Kati Almeida Braga. Apontou-se para a criação de uma fundação ou Organização Social que buscasse recursos privados e permitisse uma gestão empresarial nos fins de semana.

No segundo encontro, em abril, no próprio Canecão, e com a presença de mais representantes da universidade, a proposta sofreu críticas porque, após ser reconquistado, o espaço estaria sendo novamente cedido à iniciativa privada. Simbolizando a falta de avanços, as mesas e cadeiras da reunião estão na mesma posição até hoje.

- A gente fica vendo aquelas faixas e pichações raivosas ("O Canecão é nosso", "Não à privatização"), e parece que as pessoas estão nos anos 1960. Enquanto isso, a cidade perde um espaço dessa importância, que vira foco de dengue - lamenta um dos interlocutores da reitoria, Vinicius França, empresário de Chico Buarque, que sempre fez seus shows no Canecão e precisou se mudar neste ano para o Vivo Rio.

- Aquele ponto é tão bom que até uma coisa assim (ter a casa apenas três dias por semana) é estudável - diz o empresário Ricardo Amaral, que, ao lado do sócio Alexandre Accioly, conversou com o antigo reitor.

A Associação dos Docentes da UFRJ (Adufrj), cuja diretoria tem filiados a partidos como PCB, PSTU e PSOL, é contra a parceria com setores privados e pede um "projeto cultural para a cidade com cara própria, inovadora", segundo seu presidente, Mauro Iasi. Mas muitos professores, como representantes de Letras, da Casa da Ciência e da Editora da UFRJ, aprovam a entrada de recursos externos, embora a gestão deva ser pública.

O Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRJ - cujo leque partidário inclui PT, PDT e PSB - está afinado com a Adufrj e diz que basta "vontade política" para dinheiro federal ser injetado no Canecão.

Dentre os alunos, o GLOBO ouviu representantes do Diretório Central dos Estudantes e da Associação de Pós-Graduandos. Há quem considere saudável a abertura nos fins de semana para eventos comerciais, mas todos defendem controle público, para que eventuais receitas externas fiquem na UFRJ.

Para tentar vencer as resistências no Conselho Universitário, o reitor acredita que a melhor solução seja não abrir mão do controle. Segundo Levi, abrir um edital de ocupação para avaliar projetos poderia ser uma forma relativamente ágil de implantar programações sem que elas fiquem à mercê de desejos empresariais. Ainda assim, a Procuradoria Geral da República precisará aprovar o modelo.


Prefeitura como alternativa

Uma opção de parceria entre entes públicos, admitida como possível pelo reitor, seria com a Prefeitura do Rio. O prefeito Eduardo Paes tem pedido à UFRJ a reabertura para breve da casa de shows, por causa da falta que faz à cidade e já pensando nas opções culturais para a Copa do Mundo de 2014 e para as Olimpíadas de 2016. Na próxima quarta-feira, o pesquisador musical Ricardo Cravo Albin, um dos líderes do movimento de tombamento cultural do Canecão (ocorrido em 7 de outubro de 1999 por iniciativa do então deputado estadual Sérgio Cabral Filho), se encontrará com o prefeito pedindo essa parceria.

No ano passado, a UFRJ contratou o produtor Adonis Karan (ex-TV Tupi, TV Globo e organizador de festivais como o MPB Shell) para realizar um levantamento de preços e um estudo de programação - com atividades universitárias de segunda a quinta - visando à reabertura. Chegou a acertar com Maria Bethânia um show em março, mas não há como saber quando haverá condições de o público voltar a entrar no Canecão.

Aliás, como a marca pertence a Priolli, Karan sugeriu como novo nome Solar das Artes, alusão ao Solar da Fossa, que existia onde hoje é o shopping Rio Sul e no qual moraram Caetano Veloso, Paulinho da Viola e diversos artistas.

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