Por Bruno Negromonte
Alguns destilados e fermentados são melhores sorvidos depois de longos anos, isso se dá devido a espera da depuração de um ou até mais componentes de tais bebidas. Como exemplo podemos citar os vinhos, que tornam-se mais requintados quando acolhidos em barris de vinícolas ou em adegas à espera de que os anos passem trazendo-lhes características peculiares, dentre as quais a suavidade. Tal qual destilados e fermentados se fez a carreira fonográfica deste artista pernambucano, que veio auto depurando-se nos palcos brasileiros desde a década de 70 (quando dividiu os palcos com nomes como Boca Livre, Canhoto da Paraíba, Edu Lobo, Eduardo Dusek, Tito Madi, Zé Miguel Wisnik entre outros). A sua formação musical começou a ser construída ainda na infância, quando o pequeno Gonzaga Leal começou a ser norteado pelas ondas do rádio existente na sala de sua casa na cidade de Serra Talhada (sertão do Pajeú pernambucano).
Suas reminiscências musicais não são frutos de vitrolas e LP's (algo comum a muitos), mas das audições de canções como " Sertaneja" (René Bittencourt) e "Se ela perguntar" (Jair Amorim e Dilermano Reis) a partir das ondas radiofônicas. E foi a partir deste hábito e do interesse do menino Gonzaga pelas lindas canções que dali eram emitidas, que acabou sendo fecundada uma espécie de semente no pequeno Leal, que após alguns anos germinou de maneira plena; o arrebatando e constituindo em definitivo o seu universo cultural (essencialmente musical) a partir de então.
Quando decidiu profissionalizar-se contou com o auxílio de diversos nomes presentes no cenário musical do Recife, principalmente com aqueles que faziam parte do Conservatório Pernambucano de Música (onde estudou técnica e teoria musical) e também com a ajuda dos profissionais existentes nos diversos programas televisivos ao quais participou na época, principalmente na TV Jornal do Commercio, como os programas "Você faz o show" sob o comando do apresentador Fernando Castelão e "Eu show Luiz Vieira"; além das apresentações nas casas noturnas da cidade, que além de propiciar experiência levou o artista ao convívio de nomes como Canhoto da Paraíba, Marlene (uma das divas do artista), Emilinha, Luiz Vieira, Cauby e Ângela Maria, Tito Madi, Johnny Alf e Dóris Monteiro entre outros.
A primeira faixa do álbum mostra de cara um pouco do propósito do álbum, que é resgatar as tradições culturais brasileiras de forma rebuscada a partir de uma rica sonoridade. "Ponto de Ogum" (que conta com a participação da artista pernambucana Anastácia Rodrigues) trata-se de um tema de domínio público recolhido pelo músico mineiro Djalma Correa e adaptado por Gonzaga. O trabalho segue dando destaque a cena musical local, primeiro com o contemporâneo samba de autoria do pernambucano Junio Barreto intitulado "A quem glória possa ser" vindo em seguida o destaque a outros artistas conterrâneos de Leal como, por exemplo, na faixa composta pelo instrumentista, compositor e produtor musical Juliano Holanda intitulada "Na primeira cadeira que encontrei", que traz uma forte lembrança dos cantadores nordestinos com versos em decassílabo (as chamadas parcelas - canção em 10 estrofes). Há ainda "Pedra de fogo" (canção composta por 3 dos integrantes do antigo Mestre Ambrósio - Siba, Sérgio Cassiano e Hélder Vasconcelos) com citação do artista baiano Bule-Bule e participação do cantor pernambucano Geraldo Maia (que também assina a faixa "Presente fruto" existente no álbum). Há ainda "De madrugada" (do cantor e pernambucano Aristides Guimarães, que em 2011 completa 45 anos de atividade artística e que também participa em uma das faixas) e a junina "Festa do fogo" do não menos pernambucano Públius (que também participa da faixa acompanhado da viola caipira de Chico Lobo).
As verdadeiras raízes da música brasileira se evidenciam nas interpretações dos diversos temas de domínio público presentes no disco e que se entrelaçam de maneira tal que formam um verdadeiro mosaico de identidade cultural brasileiro a partir de faixas como "Mestre dos reis magos chegou", "Ô-lê-lê" (tema tradicional de Moçambique), "Senhora Santana"(bendito de origem medieval recolhido), "Passarinho pintadinho", "Muriquinho" (canto dos vissungos, escravos da mineração de Diamantina), "Boneca", "Saudação a Oxossi" (tradição afro-brasileira), "Em santo Amaro" e "Cariolé" (sambas de roda tradicional).
Sob a maioria dos arranjos de Nilson Lopes o disco conta ainda com a participação dos músicos George Rocha, Tomás Melo, Elias Paulino (percussão), Cláudio Moura (violão e viola), Rodrigo Samico (violão), Julinho, Beto Ortiz (acordeom), Bandeira (clarinete) Nilsinho Amarante (trombone), Erison Oliveira (clarinete), Cláudia Beija, Naara, Lucinha Guerra e Abissal (vocais), Bianca Moraes, Deneil Laranjeiras (arranjo da faixa "Passarinho pintadinho") e Lucas dos Prazeres (percussão e vocal). A direção musical fica sob os cuidados de Cláudio Moura (integrante do grupo Sá Grama e discente do conservatório pernambucano de música) que vem trabalhando a alguns anos com Leal e mostrando que apesar de toda heterogeneidade presente no álbum a coerência e unidade rítmica se faz como marca de tais trabalhos.
Quando questionado a respeito do zelo e o cuidado na elaboração de seus discos ele responde geralmente com a seguinte frase: “Gosto de fazer as coisas aos poucos, saboreando e compreendendo exatamente cada detalhe do que estou criando”, daí explica-se os dois anos de dedicação na elaboração deste trabalho, que chega a excelência por mérito próprio. Enfim, "O que mais aflore" se faz supra-sumo de extremos quando se emaranha de maneira perfeita em um tipo de arte que se faz contemporânea e ao mesmo tempo barroca, requintada sem perder a veia popular. É um disco que traz um novo conceito não só estético, mas também auditivo, onde o cuidado do artista se evidencia nos mais minuciosos detalhes. “Isso expressa o cuidado que tenho com meu trabalho, um respeito do artista com a própria imagem, mas também com o público”, como ele mesmo afirma nesse trabalho essencialmente verdadeiro.
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