Por José Teles
Qual a cantora brasileira que mais vendeu discos no exterior? Carmem Miranda? Errado. A resposta correta é Astrud Weinert, uma baiana, de Salvador, filha de pai alemão e mãe brasileira. Astrud tinha oito anos, quando sua família mudou-se para o Rio. Moravam em um prédio na avenida Atlântica, em Copacabana. Ela se tornou amiga de uma adolescente em cujo apartamento, na mesma avenida, aconteciam freqüentes reuniões de jovens músicos cariocas. O nome da amiga? Nara Leão. Às reuniões na casa de Nara compareciam o pessoal que estava fermentando um samba novo, que ia tomar conta do mundo com o nome de bossa nova. Astrud em 1960, aos 20 anos, casou-se com um dos mais importantes artistas deste grupo, também baiano (de Juazeiro), João Gilberto.
Em 1963, ela acompanhou o marido aos Estados Unidos, onde ele iria gravar um LP com o saxofonista de jazz Stan Getz. O disco, intitulado Getz/Gilberto, foi histórico para a música brasileira, porque tornou a bossa nova de uma novidade a uma febre nos EUA. O álbum passou do milhão de cópias vendidas (somente nos Estados Unidos), e fez de uma dia para o outro a desconhecida Astrud Weinert, ou melhor, Astrud Gilberto, até então cantora amadora, em uma estrela pop. Sua versão em inglês de Garota de Ipanema (Tom/Vinicius) estourou coast to coast. Tudo obra do acaso. Não estava previsto que Astrud cantaria no disco. Ela só soube disto na véspera, conforme conta em seu site (há anos não concede entrevistas): "Um dia, poucas horas antes de Stan Getz chegar ao nosso hotel em Nova Iorque para ensaiar com João, ele (João) me disse com um ar de mistério na voz: 'Hoje você terá uma surpresa'. Implorei para que ele me disse do que se tratava, mas ele se recusou terminantemente, dizia apenas: 'Espere e vai ver". Mais tarde, enquanto ensaiava com Stan, no meio de Garota de Ipanema, João me convidou, assim como quem não quer nada pra me juntar a eles e cantar uma estrofe em inglês, depois que ele cantasse primeiro em português. Cantei. Quando terminamos, João se virou para Stan e disse (naquele inglês macorrônico dele) algo como: "Amanhã Astrud cantar na gravação...' Stan achou boa a sugestão, na verdade, ele ficou entusiasmado, disse que era uma grande idéia. O resto, naturalmente, é como se diz, história. Lembro que enquanto escutava a gravação que fizemos Stan me disse, com uma expressão meio dramática: 'Esta música vai fazer você famosa".
E como fez! The girl from Ipanema chegou a um quinto lugar no paradão pop da Billboard, e em primeiro na parada de Pop adulto contemporâneo. Mas não foi assim tão simples a história. Primeiramente Creed Taylor, o produtor do disco, achou que a gravação de garota de Ipanema estava muito longa (mais de cinco minutos) para os padrões do rádio da época. Ele e o técnico de som Phil Ramone decidiram cortar a voz de João Gilberto da faixa, deixando somente seu violão e a voz macia de Astrud Gilberto cantando em inglês (vale lembrar que ela era de família classe média alta, falava alemão, e inglês fluentes). Aconteceram mais outros acasos que contribuíram para o estrelato de Astrud. A Verve não acreditava muito no sucesso de The girl from Ipanema, pelo menos na voz de Astrud Gilberto. Permitiram que ela gravasse a música de Tom e Vinicius como uma demo. Creed Taylor pensava que a canção se encaixava melhor na voz mais potente e experiente de Sarah Vaughan.
Phil Ramone conta (em sua biografia Gravando! Os bastidores da música) que cortou um acetato e enviou a demo para Quincy Jones, para que este o repassasse a Sarah. A diva do jazz se negou a gravar The girl from Ipanema (mudaria de opinião anos mais tarde, e incluiria a música no disco Viva Vaughan, porém com o título de The boy from Ipanema). A gravação de Astrud (com a voz de João gilberto) acabou incluída no Getz/Gilberto, e foi lançada (sem a voz de João Gilberto) como lado B de um compacto de Stan Getz com Blowin in the wind (Bob Dylan) no lado A. Outra vez o acaso fazendo das suas. Um DJ de uma emissora de rádio em Columbus, Ohio passou a tocar o lado B do compacto. O sucesso no caipira estado de Ohio espalhou-se pelo país inteiro. Quando The girl from Ipanema escalou os primeiros lugares da parada, a Verve resolveu investir no LP Getz/Gilberto, meio arquivado pela chegada de um arrasa-quarteirão chamado Beatles. O álbum brigou pau a pau com o quarteto de Liverpool, ficou em segundo lugar na disputada americana e ainda arrebatou um prêmio Grammy em 1964.
Aos 67 anos, Astrud Gilberto é cada vez mais arredia à imprensa, embora continue fazendo shows, com uma banda na qual toca Marcelo Gilberto, seu filho com João Gilberto (de quem se separou em 1964). Sua principal atividade atual é lutar contra a crueldade aos animais. Sua biografia de 17 álbuns, dezenas de participações (em discos que vão de Chet Baker a George Michael), levaram a que ela fosse introduzida no International Latin Music Hall of Fame, em abril de 2002, honraria para poucos. Curioso é que a cantora cult, idolatrada por nomes como Sade, Sinead O'Connor, Michael Franks, Pat Metheney, ou Suzanne Vega, além de diversos grupos indies, continue uma ilustre desconhecida para seu compatriotas.
Site de Astrud Gilberto: http://www.astrudgilberto.com
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