O saldo daquela noite histórica de sábado 14 de março de 1987 na Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro, foi dinamite pura: o enorme portão de ferro do Teatro Carlos Gomes veio abaixo e 1.200 poltronas de couro, rasgadas e arrancadas do chão, acabaram amontoadas, completamente destruídas. O cenário era de guerra, mas não havia feridos, e sim quase duas mil pessoas enfeitiçadas com "Cabeça Dinossauro", o disco que os Titãs tinham acabado de detonar no palco do Carlos Gomes.
Vinte e cinco anos depois, e bem perto dali, a exatos 800 metros segundo o Google Maps, o lendário Circo Voador, na Lapa, foi palco da celebração do melhor disco de todos os tempos do rock brasileiro. Na noite de 9 de junho de 2012, também num sábado, outras duas mil pessoas foram privilegiadas testemunhas de um novo show memorável dos Titãs, imprescindível para quem degusta rock´n´roll como um vinho potente, raro. Quem estava lá, sabe. E fez questão de compartilhar no Facebook, Instagram e Twitter, só pra botar água na boca de quem não viu: o show "Cabeça Dinossauro" fez o Circo vir abaixo, lavou a alma.
Mas além daqueles dois mil felizardos, oito câmeras estavam estrategicamente espalhadas para registrar a noite apoteótica. O resultado você pode ver agora, com o lançamento do DVD e Blu-Ray, ou ouvir no CD "Cabeça Dinossauro Ao Vivo 2012”. Sem dúvida o mais contagiante e intenso registro de uma banda brasileira no palco: rock na pressão, na veia, sustentado por um repertório arrebatador.
Os titãs Branco Mello (voz e baixo), Paulo Miklos (voz e guitarra), Sérgio Britto (voz, teclado e baixo) e Tony Bellotto (guitarra), com a participação do baterista Mario Fabre, levaram munição pesada para despejar do palco do Circo. O show segue a exata sequência do LP lançado em 1986 e consagrado no ano seguinte: “Cabeça Dinossauro”, “AA UU”, “Igreja”, “Polícia”... É um petardo atrás do outro, sem tempo de respirar.
Se as 13 faixas são clássicos imbatíveis, para se ouvir a qualquer hora, em qualquer ano, em qualquer década, o que torna este DVD absolutamente necessário é a performance dos Titãs captada na sua essência, de forma crua. O diretor Oscar Rodrigues Alves – que já havia pilotado clipes premiados da banda e co-dirigiu com Branco o longa-metragem “Titãs, a vida até parece uma festa” – abriu mão da perfumaria e optou por rodar todo o show em preto e branco, sem gruas ou pirotecnias cênicas.
As câmeras estavam todas nas mãos, distribuídas em vários pontos da plateia: uma bem junto ao palco, outra lá atrás, mais uma ali na lateral. “Cabeça Dinossauro Ao Vivo 2012” é visto do ponto de vista do público. Não tem sequências longas, abertas, limpas ou enquadramentos convencionais. As imagens são nervosas, trêmulas, sujas, como convém a “Bichos Escrotos”, “Polícia”, “Porrada”, “Homem Primata”. Mesmo as câmeras que estão no palco revelam os Titãs por ângulos diferentes, quase cúmplices e íntimos da banda.
A atmosfera do Circo Voador, em PB e com fumaça criando uma providencial névoa, acaba remetendo aos palcos dos anos 80, quando a banda se apresentava em autênticos porões, para fãs que se acotovelavam na plateia. “Queríamos registrar o show com uma concepção bem crua e o Oscar sugeriu o preto e branco. As imagens e a edição imprimiram com perfeição esta pegada forte”, atesta Branco.
A ideia de levar o lendário álbum de volta aos palcos era antiga. Só virou realidade no início de 2012, no Sesc Belenzinho, em São Paulo, quando os Titãs iniciaram as comemorações de seus 30 anos. Seriam apenas sete apresentações na casa paulistana. Mas quando as vendas foram abertas, os ingressos se esgotaram em pouco mais de duas horas. E bastou o primeiro show para o público reviver o impacto de “Cabeça Dinossauro”. “A venda foi surpreendente e a repercussão na imprensa também. Logo começaram a surgir novos convites”, lembra Bellotto. Um mês antes da gravação, no próprio Circo, os ingressos também tinham esgotado rapidamente, obrigando a marcação de um novo show: “Sentimos então que o ‘Cabeça’ havia voltado com força total”.
As imagens do DVD destacam como a plateia se entrega. Já em “Cabeça Dinossauro” os fãs se jogam movidos pela interpretação gutural e emblemática de Branco. Em “Polícia” e “Porrada” – nesta segunda, com Sérgio Britto rasgando os vocais, numa vigorosa e impressionante performance – os fãs protagonizam uma catarse coletiva na pista. Em “Família”, com direito a uma palhinha de “Panis et Circenses”, dos Mutantes, Britto puxa o coro, as palmas e a galera solta os pulmões.
O show “Cabeça Dinossauro” tem momentos apoteóticos e reveladores mesmo para quem conhece os Titãs nas entranhas. A demolidora “A Face do Destruidor”, que a banda nunca havia tocado ao vivo, traz Paulo Miklos possuído, de tirar o fôlego de quem assiste. “Estado Violência” e “Bichos Escrotos” ganham solos afiadíssimos, cirúrgicos, vindos da guitarra inspirada de Bellotto. E temos a chance também de saborear na voz de Branco a deliciosa “Dívidas”, talvez a faixa menos conhecida do LP nos anos 80. “O Que” promove um gran finale com a inédita voz de Paulo Miklos caindo como uma luva e despejando suingue num Circo Voador já em transe.
“Se aprendemos uma lição com a extraordinária repercussão das comemorações com o ‘Cabeça Dinossauro’, é que nossa identidade com o público é uma poderosa fonte de energia, e que a nossa natureza, aquilo que nós somos na essência, podemos e devemos evocar juntos”, exalta Miklos, que, no DVD, antes de ligar a serra elétrica para derrubar tudo em “Bichos Escrotos”, já havia devolvido para a plateia o que se tornaria uma noite inesquecível, única, devidamente registrada para a posteridade: “Não tem presente de aniversário melhor pra essa banda do que esse nosso encontro!”.
Luiz André Alzer e Hérica Marmo
Dezembro de 2012
TITÃS
“Cabeça Dinossauro Ao Vivo 2012”
Lançamento: Independente
Distribuição: Universal Music
Preço médio: R$ 25,00 (CD), R$ 35,00 (DVD) e R$ 65,00 (Blu-Ray)
Site - www.titas.net
0 comentários:
Postar um comentário