Por Bruno Negromonte
Caro leitor, costumeiramente as coluna que aqui vos escrevo tem por temática a música, porém hoje peço licença a vocês, leitores do Musicaria Brasil, e perdão aos especialistas na área, para abordar um pouco sobre esta obra cuja capa ilustra esta pauta. Resolvi trazer este livro para o nosso “encontro” desta semana por ver-me imbuído do mesmo desejo que o autor: trazer ao conhecimentos de muitos da geração a qual pertenço um período de nossa história que não podemos deixar cair no limbo do esquecimento. Isso justifica a mudança de temática desta pauta, até porque geralmente minha parcialidade fala mais alto ao me deparar com aquilo que me agrada, seja um quadro, um disco, ou neste caso, um livro.
Acabei de terminar a leitura dessa obra intitulada “Água Braba” de autoria do cardiologista e professor Lurildo Cleano Ribeiro Saraiva e gostaria de dividir com o meu público leitor um pouco do conteúdo presente neste registro, que eu poderia até dizer, meio autobiográfico publicado por este cearense que deixou seu torrão natal ainda muito jovem e veio para o Recife em busca de dar continuidade aos seus estudos e quando aqui chegou deparou-se com o início de um hiato em nossa história que fez com que pessoas desaparecessem, destruiu famílias e acima de tudo, em dado momento, ceifou a democracia.
O livro (que traz o prefácio do monge, teólogo da libertação e escritor Marcelo Barros) rememora uma das épocas mais duras e cruéis de nossa história e traz em particular a participação do então estudante (e posteriormente médico) Lurildo em acontecimentos tanto em Recife quanto também em São Paulo. Traz passagens interessantes, como por exemplo, como encontrava-se o centro do Recife no dia do golpe militar de 64; a chegada de Dom Hélder Câmara ao Recife para assumir o cargo de arcebispo de Olinda e Recife dias após o golpe; o arriscado auxílio dado ao “galego” Alírio Guerra; a tocaia ocorrida na ponte da Torre, em pleno período Médici, que deixou o jovem e saudável presidente do DCE da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) paraplégico; o auxílio do autor dado a José Carlos Novaes da Mata Machado (mais conhecido como Mata Machado, um dos ícones da resistência ao regime) e também traz detalhes de como estudantes de esquerda conseguiram astuciosamente participar de um debate entre o então senador Bob Kennedy (irmão do presidente norte-americano John Kennedy, assassinado durante uma visita politica a cidade de Dallas) e o escritor pernambucano Gilberto Freyre no auditório da FAFIRE (Faculdade de Filosofia do Recife) promovido pelo consulado americano em um período em que qualquer coisa advindo dos “yankees” era visto como um afronto a esquerda brasileira.
Outros aspectos relevantes do período ganham destaque a partir do prisma do médico e professor tal qual o encontro com Dom Hélder, onde o religioso confessou que o tentaram assassinar. Há relatos de como figuras políticas proeminentes receberam mensagens de Dom Hélder, como os estudantes tomaram a reitoria da UFPE e as consequências que esse afronto estudantil veio gerar em pleno regime militar através da lei 477, lei esta que arbitrariamente delegava às instituições de ensino superior (através dos seus respectivos reitores) a expulsar alunos que apresentassem comportamentos “suspeitos”. Na lista existente na Universidade Federal de Pernambuco o nome do autor estava presente, assim como o de outros estudantes, dentre os quais o do hoje deputado Luciano Siqueira. O livro conta que dois nomes foram fundamentais para evitar que tal lei atingisse o autor conforme vocês podem conferir na leitura do livro.
Destaque especial para o relato sobre o padre Antônio Henrique Pereira Neto, o padre Henrique, que foi vítima de brutais e covardes violências que culminaram com o seu assassinato em 1969. Padre Henrique, que era amigo pessoal do autor do livro, ao lado de Dom Hélder, foi um nome de destaque na luta contra a ditadura em Pernambuco. Na época Henrique (então coordenador da Pastoral da Arquidiocese de Olinda e Recife) era uma espécie de braço direito do arcebispo, e assim como o Dom repudiava veementemente a violência instaurada ao longo da ditadura militar. Como o regime não se arriscaria atingir diretamente o religioso devido a uma repercussão pra lá de negativa sobre o regime; de forma covarde e desumana, sequestraram e torturaram aquele que mais próximo estava de Dom Helder naquele momento, o padre que havia sido ordenado quatro anos pelas mãos do próprio arcebispo. No livro há uma nota publicada pela arquidiocese de Olinda e Recife em comunicado às atrocidades cometidas ao padre, assim como também de que modo ocorreu tanto o velório (na Igreja do Espinheiro), o séquito do corpo e as intervenções militares ao longo do percurso, o sepultamento no cemitério da Várzea e a missa de sétimo dia.
Com algumas imagens ilustrativas e um texto de leitura bastante convidativa, “Água Brava“, e suas cerca de 150 páginas, se faz leitura obrigatória para aqueles que querem conhecer um pouco mais sobre um passado não muito remoto do nosso país. Àqueles que hoje vibram com os avanços democráticos instaurados em nossa América latina na última década é garantia de boa leitura.
P.S. – Ainda está por acontecer o lançamento do livro, porém por conhecer o autor, estou de posse de alguns exemplares para venda ao módico preço de R$ 15,00 (sem o frete incluso) a quem interessar pode me contactar por intermédio aqui mesmo da pauta.
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