quarta-feira, 17 de março de 2010

ENTREVISTA COM O COMPOSITOR E ESCRITOR MÁRCIO BORGES

Por Pepe CHAVES*

O escritor e compositor belorizontino Márcio Borges é dos mais inspirados letristas da MPB em toda sua história. A sua contribuição como autor, ao Clube da Esquina, extravasa seu próprio nome e passa a integrar canções criadas com co-parceiros do primeiro escalão da MPB. Seu nome figura como do principal parceiro de seu irmão, o músico e compositor Lô Borges.
Márcio Borges nasceu numa família onde todos são músicos, incluindo seu pai, o Sr. Salomão e alguns de seus 10 irmãos, sendo os mais ativos: Telo, Marilton, Yé e Solange. Escreveu em 1996 o antológico livro “Os sonhos não envelhecem”, uma narrativa que registra detalhes dos tempos de efervescência do Clube da Esquina (movimento musical tipicamente mineiro, do início dos anos 70) em Belo Horizonte. O Clube era na verdade apenas uma junta musical de vários parceiros e amigos, dentre alguns os músicos, Beto Guedes, Flávio Venturini, Milton Nascimento, Lô Borges, Vermelho, Wagner Tiso, Toninho Horta, Tavito, Marilton Borges e dos letristas, Fernando Brant, Márcio Borges, Murilo Antunes, Ronaldo Bastos, dentre outros que aderiram posteriormente ao movimento.

Na literatura, Márcio é dono de uma linha poética única e autêntica, onde procura casar a beleza das palavras coloquiais com o sentido das frases de impacto, formando idéias e pensamentos sedutores aos amantes das bem tramadas letras de canções. Dentre tantas as parcerias estabelecidas que levaram a mensagem deste poeta mineiro, é inevitável não citar algumas, como, "Clube da Esquina nº 2", "Equatorial", "Planeta Sonho", "Vento de Maio", "Voa Bicho", "Nave de Prata", "Pura Paisagem", "Tudo o que você podia ser", "No Meio da Cidade", "Dança do Tempo" e uma que ele acabou de compor em parceria com Lô Borges, "O Silencio e o Som".Ele nos concedeu a presente entrevista após assistirmos a um show do 14 Bis numa praça da Pampulha, no encerramento do VI Encontro de Corais de Belo Horizonte. Este evento contou com apoio da Prefeitura de Belo Horizonte que homenageou o Clube da Esquina, com belas canções interpretadas por alguns corais belorizontinos. Márcio nos falou de seu trabalho na divulgação do Clube, de seu livro, “Os sonhos não envelhecem” e do museu temático do Clube da Esquina, que entra no ar via Internet, em dezembro, mostrando diversos aspectos dos “tesouros ocultos” da boa música mineira.

Pepe Chaves: O que o senhor nos diz desse “renascimento”, a olhos vistos, do Clube da Esquina em todo o Brasil? Quando cantores das novas gerações, gravam músicas feitas por vocês, há mais de vinte anos e elas voltam para a mídia?
Márcio Borges: Eu vejo isso com ótimos olhos! Acho que é um momento muito bom que estamos vivendo. Ainda hoje conversei com o Milton (Nascimento) e ele está muito alegre com este renascimento, este vigor. Acho que as novas gerações estão interessadas em nossa história recente e estão empenhadas em desenterrar os tesouros ocultos da nossa cultura. E durante muitos anos estes tesouros do Clube da Esquina estavam enterrados fora da mídia, fora dos jornais e das gravadoras. Mas isso não eliminou a beleza das nossas músicas a durabilidade delas. A prova disso é este movimento aqui hoje, a cidade prestigiando este grande festival de Corais que homenageia o Clube da Esquina. Eu também estou como o Milton me falou hoje: “em estado de graça”, com tudo isso.

Pepe: A que o senhor atribui este reconhecimento?
Márcio: Eu acho que é uma coisa que a gente merecia mesmo. Sem falsa modéstia, nossas músicas são muito boas mesmo. São duráveis, não foram feitas com intenção de sucesso. Elas foram feitas com intenção de se caprichar o máximo. Elas dão um show de harmonia e são admiradas pelos maiores jazz men do mundo. O Clube da Esquina tem fã-clube no Japão, na Dinamarca, na Finlândia... E nós estamos aqui hoje contrariando o ditado que diz, que “Santo de casa não faz milagre”. E estamos simplesmente seguindo o que o resto do mundo tem feito: que é respeitar nosso trabalho, valorizá-lo e nos sentirmos influenciados por ele. Porque nós fizemos um trabalho de uma grande qualidade e credito isso, principalmente, ao fato de termos feito sem estarmos buscando sucesso. Nós estávamos buscando verdade, amor, solidariedade e aquilo o que valia a pena de transmitir de uma pessoa para outra. O Brasil pode ter esquecido isso por um tempo, mas a gente sabe que nossa mensagem é suficientemente forte, para não ser apagada com o tempo. Está aí a prova, independente de prestigio ou não da mídia, dos veículos convencionais de comunicação, as nossas musicas estão aí, nas novelas nas rádios... Não tem uma novela na Rede Globo que é lançada e não tenha pelo menos uma música nossa. Então há sempre um arsenal de músicas bonitas e inesgotáveis e é isso que o povo brasileiro como um todo, está reconhecendo.

Pepe: Como é essa história de Museu Virtual do Clube da Esquina?
Márcio: A história do museu veio para ser uma pedra a mais nessa construção, no sentido de colocarmos à disponibilidade da população brasileira, das novas gerações e das pessoas que se interessam pela nossa história, alguns subsídios para pensarem naquilo, alguns dados imateriais, como a nossa história de vida, a nossa música, a nossa ideologia, aquilo que nos levou a compor. Estamos todos vivos, então estamos a fim de dar um depoimento vivo dessa história. E daí surgiu a idéia de se fazer o museu, que é assim, numa acepção menos retrógrada possível da palavra, pois é um museu voltado para o futuro, para a atualidade. Não será um museu voltado para o passado, para juntar quinquilharias, mas para transmitir e perpetuar este amor, esta amizade e esta vontade de “fazer coisas boas”. A partir do dia 02 de dezembro de 2005 entrou no ar o site www.museuclubedaesquina.org.br. Nós estamos fazendo este museu com o patrocínio da Copasa e principalmente, com o patrocínio da Petrobrás, que consideraram este movimento como um movimento de utilidade pública que visa preservar a nossa cultura e nossa história.

Pepe: Nos fale um pouco de seu livro “Os sonhos não envelhecem”.
Márcio: Eu diria que o livro foi um embrião para esse movimento do museu. A partir do livro, comecei a fazer muitas palestras e conferências em escolas. Viajei o Brasil inteiro visitando escolas e universidades, falei para milhares de alunos e jovens, contando essa nossa história. Narrei um pouco do livro, contando como era o clima naquela época e isso teve uma grande aceitação por parte dos jovens que me ouviram ao longo desses anos todos, porque lancei o livro em 1996 e não tenho feito outra coisa senão viajar o Brasil e o exterior divulgando o livro e nossas intenções. Um trabalho, aliás, que vem se somar a um trabalho magnânimo, feito pelo Milton Nascimento, que nunca se esqueceu de suas origens no Clube da Esquina e se tornou o principal divulgador dessa grande geração que transitou aqui, pelas ruas de Belo Horizonte. E aqui, nós conseguimos construir esta obra, que se mostrou duradoura, vencendo estes anos todos que vieram por aí.

Pepe: O senhor é parceiro de expressivos músicos mineiros. Tem alguma nova parceria pra vir à tona que possa nos adiantar?
Márcio: Ontem mesmo acabei de fazer uma canção nova com o Lô (Borges), que se chama “O Silencio e o Som”, que é mais ou menos no naipe de “Quem sabe isso, quer dizer amor”. Continuamos na ativa, continuamos compondo. Há aquela teia de amizade tecida entre os parceiros: é o Bituca com Telo; é o Telo comigo; sou eu com o Lô; o Lô com o Beto (Guedes); o Beto com Murilo Antunes... Ou seja, nós temos uma teia de amizade e composição que nunca parou, continua ativa. O que aconteceu foi que a mídia passou a funcionar sob determinadas diretrizes, que a gente combatia a vida inteira. Que é aquela instituição um pouco vergonhosa do “jabá”, do cara pagar para ser executado em rádio e tevê. Nós nunca pagamos para sermos executados. Hoje vimos aqui, milhares de pessoas cantando nossas músicas e nem um tostão foi gasto para que elas fossem divulgadas. Elas se impuseram por si mesmas. Hoje é muito difícil de acontecer isso no mercado fonográfico: uma música se impor por sua qualidade! Hoje ela se impõe por sua massificação, pela quantidade de dinheiro que foi aplicada na divulgação dela. E acho que isso reduz um pouco, a grandeza do mercado fonográfico. Porque hoje a grandeza da música brasileira, a qualidade, está fora do mercado fonográfico, são as produções independentes, que provam isso que estou dizendo.

Pepe: Há um disco antológico chamado “Os Borges”, lançado pela família Borges há mais de 20 anos, que reúne das melhores canções compostas em família. Por que o disco “Os Borges” não foi relançado, haja vista sua denodada qualidade criativa e seu valor artístico?
Márcio: O disco "Os Borges" foi gravado depois que o Lô gravou o disco do tênis [N.E.: primeiro disco solo de Lô Borges, traz a foto de um tênis Adidas de cano alto na capa, daí o nome “disco do tênis”]. A Música “Voa Bicho”, de "Os Borges", foi regravada recentemente por Milton Nascimento e Maria Rita, vindo a ser tema de novela. E foi o que eu disse no inicio, aos poucos, estes tesouros ocultos do Clube da Esquina estão voltando à tona, e quando são redescobertos, nos surpreendem pela atualidade. E quando nos surpreende, eles agradam. Isso prova que, quando fizemos estas músicas, há 20 ou 30 anos, estávamos fazendo músicas duradouras, destinadas a vencerem o tempo.

Pepe: Márcio, obrigado pela entrevista. Peço-lhe para nos deixar as suas considerações finais:
Márcio: Eu mando um grande abraço para a galera de Itaúna, e informo que estou às ordens, se quiserem me convidar para ir aí fazer uma palestra, bater um papo com os estudantes.

Pepe: Então esteja convidado desde já, uai!
Márcio: Estou aqui pra isso, me dedico a isso e adoro estabelecer esta ponte entre as velhas e as novas gerações, para a gente provar na prática, que "os sonhos não envelhecem"...


* Pepe Chaves é editor do jornal Via Fanzine.
Foto: Paulo H. Ferreira / BH.
Visite o Museu Virtual do Clube da Esquina: www.museuclubedaesquina.org.br

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