sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

ENTREVISTA COM LULA CÔRTES


“Eu pinto as cenas que eu imagino. E pinto com palavras”

Por Cristiano Jerônimo

Sem alardes, Luiz Augusto Martins Côrtes, 60 anos, o pernambucano Lula Côrtes, canaliza toda a sua hiperatividade (e haja Ritalina) para produzir, diariamente, pinturas de óleo sobre telas, gravuras de lápis dermatográfico sobre papéis canson e vergê, contos, poemas e músicas. Ainda sobra tempo para dar aulas de pintura gratuita, como faz há mais de oito anos. Seu enraizamento com o litoral do município de Jaboatão dos Guararapes – onde há 16 anos reside de forma itinerante no triângulo Piedade/Candeias/Barra de Jangada – e a sua referência artística no município (Lula já recebeu várias homenagens, entre elas o título de Cidadão Jaboatonense) fez com o prefeito eleito Elias Gomes o nomeasse para o cargo de Gerente de Cultura da Prefeitura, onde trabalha ao lado de Ivan Lima Filho. Mas, engana-se quem pensa que Lula Côrtes se resume a Jaboatão, Recife, Pernambuco. Há pouco tempo, ele foi capa e figurou nas páginas centrais da maior revista mundial do show business: a Rolling Stone . Ao lançar o luxuoso e arrojado livro-conto O Lobo e a Lagoa, em João Pessoa (PB), foi capa de todos os jornais e matéria de página inteira dos cadernos de cultura (ver fotos). Em reconhecimento ao seu trabalho literário, no final do ano passado, ainda sob a presidência do poeta Vital Correia de Araújo, a União Brasileira dos Escritores de Pernambuco (UBE/PE) deu-lhe a carteira de sócio efetivo, retroagindo a ano de admissão a 1972, quando o multiartista lançou o Livro das Transformações. Na ocasião, foi homenageado. Em 2008, ficou no topo das paradas de sucesso de World Music nos Estados Unidos, com o relançamento mundial (por gravadoras da Inglaterra e dos EUA) dos discos Paêbiru, Satwa e No Sub Reino dos Metazoários (com homenagem a Marconii Notaro). Atualmente, divide-se e desdobra-se nas muitas tarefas que escolheu e em outras que o mundo lhe deu como incumbência. Canta com os Bluestamontes Blues Band e a Má Companhia (sua fiel escudeira há 18 anos) e está gravando o CD triplo Tarja Preta, o qual define como “um tratado sociológico sobre a juventude atual, divido em três comprimidos (discos) à base da substância ativa lula córtex”, brinca. Confira, na íntegra, a longa e polêmica, só pra variar, entrevista concedida por Lula Côrtes ao jornalista e escritor Cristiano Jerônimo, em seu apartamento, na beira mar da Barra de Jangada, quase dentro do mar. Não poderia faltar neste bate-bola, os clássicos episódios psicodélicos e surrealistas da vida do cantor, artista plástico e escritor. E mais, revelações surpreendentes da época do regime militar e a mais completa recapitulação biográfica da sua ampla carreira artística.

Cristiano Jerônimo: Como foi o lançamento do seu livro o Lobo e a lagoa em João Pessoa, na Paraíba?

Lula Côrtes: O lançamento foi maravilhoso, numa fundação maravilhosa, na praia do Cabo Branco. O auditório tinha 250 lugares e os 250 estavam ocupados. Até os corredores estavam cheios.

Aonde foi, Lula Côrtes, o lançamento?

Na Fundação Casa de José Américo, na Paraíba, dia 12 de novembro.

Lotou com 250 pessoas. Como é que foi a divulgação?

Foi com o apoio de Ronaldo Mendes, hoje secretário de Turismo de lá (Governo da Paraíba), justamente o cara que foi meu primeiro produtor; meu e do Zé Ramalho. Ele

Você foi capa de todos os jornais da Paraíba. Na sua opinião, será que aqui em Pernambuco, este mesmo lançamento, renderia uma capa de cultura?

Não, não renderia nada não. Ninguém dá nada não.

Nem pela importância cultural que você tem, de ser pernambucano e de ter várias vertentes artísticas?

Eu acho que isso não interessa muito a Pernambuco não. Eu acho que o “Movimento Cultural” de Pernambuco está voltado pra um monte de caras que vivem trabalhando com as secretarias de cultura, com as leis de incentivo à cultura, que dizem que incentivam a cultura (Nesta entrevista, Lula ainda não tinha começado a trabalhar com Elias Gomes e atualmente, com o prefeito eleito, acredita que é possível oxigenar a cultura de Jaboatão dos Guararapes). Então eles (produtores) vivem mais pra incutir falsas idéias na cabeça dessas pobres pessoas que estão começando aqui. Entendeu? De que eles não são nada. De que eles que estão ligados à prefeitura é que podem. De coisas desse tipo: que são tudo e que vão dar todos os canais pra ele, desde que eles dêem a alma, o trabalho e o dinheiro pra eles. Entendeu? Então Recife anda pra trás por isso. Você chega em qualquer lugar e as coisas tem outra conotação. Entendeu? Isso eu já falei em tantas vezes, em tantas entrevistas que eu acho que é por isso, talvez, que eu não toque nos lugares e que eu nem precise mais disso. Porque é uma coisa tão clara, tão notória, que eu não sei como é que essas pessoas não caem. É um tipo de crime isso. É um crime contra a inocência dos artistas daqui. É um crime contra a idoneidade moral.

Você se refere a quê? Claro que não precisa citar nomes...

Me refiro à obrigatoriedade de qualquer coisa que se faça aqui ter que se fazer através de esmolas da prefeitura, de esmola de leis de incentivo à cultura que pertencem a uma panela que nós todos sabemos dos nomes.

Então, o que precisava mudar aqui, com base nesta sua opinião?

Eu acho que precisava de uma limpeza, precisava de Ajax, um furacão branco, se é que existe. São pessoas viciadas que mudam de governo pra governo, sem ideologia, sem coisa nenhuma. Mas que estão ali agregadas à prefeitura, usurpando os direitos das pessoas de fazerem arte, são sub-seres. Entendeu? São os produtores que não produzem nada, os arquitetos que não arquitetam nada, os escritores que não escrevem. Todos eles estão na prefeitura do Recife. Essa merda vai ficar assim o tempo todo.

Tem um tom de desabafo também nisso aí?

O desabafo é eterno. Tem cinco anos que eu falo isso. Aliás, desde o começo dessas leis. Você veja: em todos os meus trabalhos, eu nunca procurei um apoio de uma lei dessas de incentivo, porque você vai lá e é a mesma coisa de você estar conversando com um poder de traficante. O cara vai te dar oficialmente, você manda seu projeto elaboradíssimo para lá. Se for um projeto pouco rentável, ele diz que não: “Esse projeto é muito pobre, você precisa fazer um projeto mais aprimorado pra gente dar uma carga nele”. Eles chamam de “projeto do caralho” o que vende mais. Eles querem que seja uma média aprovável. Eles fazem isso, eu não.

Fazem o quê?

Por exemplo, meu livro custa 20 mil reais. O cara diz: - eu te libero vinte mil, mas se você me der cinco. Entendeu? O cara vai se virar num livro que custa vinte mil com apenas quinze mil. Pensando que está lucrando alguma coisa, vai ficar endividado. Não vai fazer no nível que ele quer, a coisa que ele queria. E esse alguém vai colocar cinco mil no bolso sem fazer absolutamente nada. Esses são os representantes da nossa cultura. Isso é um negócio.

Você convive com essas dificuldades há muito tempo?

Eu não convivo porque eu não me envolvo com eles. Eu vejo isso acontecer. Eu não entro porque meus trabalhos como você vê, são autofinanciados. A alternativa sou eu mesmo. Eu vendo meus quadros, pego meu dinheiro e invisto no que eu quero pra fazer a coisa no nível que eu acho que o povo de Pernambuco merece.

É por isso que tu não para de pensar e produzir de forma inquieta?

E de fazer, lógico. A Casa da Praia... (um livro de ficção inédito). O povo de Recife merece um trabalho daqueles. Um monte de universitários maravilhosos interessados em artes plásticas, gente informadíssima. Eles merecem ter um livro nas mãos que seja digno que eles possam levar para a França. É uma coisa internacional que foi feito na terra deles. Então eles vão ter orgulho de mostrar aquilo. Mas se eu dependesse da “cultura”, do “negócio da cultura” daqui eu jamais faria um livro no nível que eu faço. Você está entendendo? Eu preciso de pessoas como Patrícia Lima, como pessoas da Bagaço (editora), que entram na coisa, arte pela arte, que vão ganhar o que nós ganhamos. Nós estamos ganhando. Aos trancos e barrancos, nós estamos ganhando. Mas nós estamos ganhando uma coisa de uma qualidade que Recife nunca viu.

Mas vamos voltar a falar do livro O Lobo e a Lagoa...

Eu estou falando exclusivamente sobre o Lobo e a Lagoa. Amanhã às dez horas da manhã, eu tenho uma reunião com o pessoal da Editora Coqueiro aqui em casa. Estarei editando A casa da Praia. Um livro não tão elaborado como O Lobo e a Lagoa, mas de um conteúdo fino. Um livro com um tratamento gráfico interessante, com um corpo interessante de você pegar, porque eu busco realizar muito mais do que esse povo das leis de cultura se propõem a fazer. Sou a favor da lei, mas quando ela serve para estimular a cultura, mas não enquanto estiverem esses negociantes da arte ali dentro. Você tem que se ligar, você sabe quem são. Entendeu? Eu conheço os miseráveis que vivem disso, que vivem da boquinha ali dentro. Estão fudidos, não são ninguém. Não tem nada pra dar. Só tem pra sugar de nós artistas.

E essa questão da panelinha?

A panela é eterna porque eles são impessoais, apartidários. Mudou o governo, mas eles estão lá. Eles vão lamber o ovo do próximo. Não importa a bandeira que o outro segure na mão. Importa o quanto ele tem no bolso pra dar a ele.

Com relação ao artista, existiria preconceito com determinadas pessoas?

Existe porque tem os coniventes com isso. Tem os que vivem já destes esquemas. Estão dentro dos esquemas mais caros, dos cachês mais altos. Pessoas que dão mais alto pra essa máfia. Você está entendendo? É uma máfia. Não tem outro nome. É uma máfia. É o crime organizado da cultura pernambucana. É isso que acontece dentro da cultura.

Lei de incentivo do Recife ou Funcultura do Estado de Pernambuco?

Do estado de Pernambuco. Não estou falando da Lei Rouanet. Entendeu? Não estou falando de uma coisa federal. Entendeu? Estou falando que aqui dentro existe uma manipulação, antiga e está na cara de todo mundo. Todo mundo sabe quem é quem ali. Entendeu? Então, eles não querem uma pessoa como eu. Não querem uma pessoa que diga que você não vai ficar com meu dinheiro, esse é o meu projeto e tal. Eles não vão poder insistir comigo e se sujar comigo, para ganhar dos pobres que vierem depois de mim. E por isso que eu não procuro essas pessoas. E não tenho nada a ver com essa cultura pernambucana. Eu simplesmente sou pernambucano, eu amo minha terra.

Nada disso impediu que saísse o seu audiobook O Lobo e a Lagoa, de excelente qualidade, diga-se de passagem...

Nunca me impediu desde 72, 71. Desde 1969, quando eu fiz o Ávido Vício. A primeira impressão em 69. Mas não existia esse meio de vida. De uma década pra cá, isso virou um meio de vida. Compram carro novo com isso todo ano.

A estética de O Lobo e a Lagoa, no ponto de vista do texto, tem alguma influência da escola surrealista?

Eu não sei escrever. Começa aí a história. Então eu comecei a pintar. Quando eu comecei a escrever poemas e pintar diariamente, eu lia muitas fábulas antigas, o universo infantil. Na época da minha infância não existia televisão, então o grande portal pra imaginação vinha da leitura. Como deveria ser até hoje. Então eu pinto as cenas que eu imagino. Eu pinto com palavras.

No caso de O Lobo e a Lagoa, você escreve as cenas que você vê, mas você pintaria?

É justamente isso. Por isso que eu ilustro também. Porque eu procuro pintar o que eu estou escrevendo e escrever o que eu pinto. Eu toco o que eu pinto, eu pinto o que eu escrevo e escrevo o que eu toco.

Por que não lançou O Lobo e a Lagoa aqui em Pernambuco?

A princípio eu pensei lançar na Livraria Cultura. Mas aí o pessoal da Cultura queria 45% do meu trabalho. O cara queria ser meu sócio sem me dar absolutamente nada. Nem um gole de vinho.

Então isso impediu o lançamento na Cultura?

Eu não estou aqui pra dar de mamar a menino grande. Eu não tenho filho barbado, que bebe todo dia em restaurante chique, para ganhar 50% do meu trabalho.

O que Lula Côrtes está fazendo neste momento, além de dar entrevista, claro?

Um novo livro chamado Retorno ao Jardim do Éden, além destas telas que você está vendo. Também ensaio várias vezes por semana e sempre estou me apresentando na noite.

E você vive da arte que você produz?

É claro. Eu sou Lula Côrtes. Eu pinto, toco e canto. Eu escrevo meus livros. Isso tem um custo. Um custo que eu tenho que pegar do que eu ganho para colocar e produzir mais. Se não, já teria parado há muito tempo. São trinta anos de trabalho, são vinte livros e eu não sei quantos discos, entendeu? Incontáveis. Mas isso não é conhecido dentro de Pernambuco. Você sabe que todo meu trabalho foi lançado na América (EUA) pela Time Lags Records e no Reino Unido pelo selo Mr. Bongo. Um reconhecimento internacional absurdo. Nos Estados Unidos ficou na parada em décimo terceiro lugar. Você está entendendo? Então aqui é incapaz de tudo. O pessoal dar uma nota nos jornais... Não pode dar uma nota nos jornais. Quando os ditos críticos, os historiadores da arte vêm falar sobre meu trabalho, eles não se dão ao trabalho de vir na minha casa e, depois, falam absurdos sobre mim. Infundados, sem nenhuma noção de nada do que estão falando. Em livros, em textos, em revistas importantes tidas como idôneas, de artes aqui. São pessoas incompetentes que vem falar sobre as coisas sem saber. Não se dispõem a pegar um ônibus e vir aqui. Eu terei que pegar um ônibus e ir lá? Eles têm carro lá do jornal. Porque não vem aqui? Dão informação inverídica, escrevendo merda, dizendo que sou historiador de arte. Não sou historiador de porra nenhuma.

O lançamento na Cultura não deu certo. Você pensou em outro espaço para lançar aqui em Pernambuco?

Não, não, não. Não tenho interesse nenhum em lançar meu livro em Pernambuco.

Mas, e seu interesse pela Paraíba?

A Paraíba sempre me apoiou nos meus trabalhos. Eu sou o pernambucano mais paraibano que existe. Entendeu? Mais pela respeitabilidade e a recíproca que existe na Paraíba, com os trabalhos de artes, com a seriedade que eles encaram as coisas. Você vai lá e não é tratado como um miserável, que foi lá levar seu livro pro cara colocar uma nota no jornal. Eles lêem e selecionam o que se interessam. Dão uma cobertura verdadeira, porque são jornalistas. Aqui não existe isso. O jornal de Recife não passa de um folheto de anúncios. Isso não é jornalismo. Isso é de um amadorismo absurdo. De um casuísmo inclassificável. As pessoas escrevem o que querem sem ter a mínima preocupação de saber se é verdade ou não.

Lula teu primeiro livro foi Hábito ao Vício, em 1969. O Livro das Transformações foi já na década...

(interrompe)
O Livro das Transformações foi uma terceira abordagem literária. Na verdade, aconteceu na seguinte ordem: primeiro Hábito ao Vício, que foi um livro convencional, publicado na Imprensa Universitária. Então veio a Kátia (Mesel, uma de suas ex-esposas) que era muito criativa. Fizemos um livro chamado Bom era meu irmão... Ele morreu e eu não. Esse livro era uma caixa, com páginas soltas, com um papel importado maravilhoso, todo imprenso manualmente por nós dois na Escola de Arte daqui, que era perto do Sport Club. Cunha era o cara que era o gráfico. Então passávamos à noite compondo com tipografias. Não existia nada disso de internet, de computadores, de computação gráfica. Hoje, eu tenho aqui em casa, em CDs, 10 mil tipos (fontes), 20 mil tipos. Naquela época a gente montava os tipos numa garatéia, tirando as letras de gavetas, para tirar a primeira prova numa Radio Berg manual (máquina tipográfica antiga). Foi começo da gráfica no mundo, essa fábrica alemã, a Radio Berg. Tenho uma saudade desta máquina, era deliciosa. Nós tínhamos adaptado essa máquina com um pequeno motor, para a gente deixar de fazer o movimento manualmente. Até hoje são as melhores máquinas de off set do ,mundo. Dessa forma, o livro era uma caixa que tinha uma faixa que dizia “Consumir é comunicar: rasque!”. Quando o leitor rasgava e tinha uma mola dentro que espalhava todas as páginas para cima e caia tudo no chão. Aí você ia apanhar. O leitor montava o seu livro, que tinha passagens absurdas. Você construía seu livro, Poderia ter vários sentidos.

Tinha influência psicodélica?

Totalmente. Não é uma influência psicodélica. Ele era o sub-produto do psicodelismo vigente.

Aqui no Nordeste?

Aqui no Nordeste não. Na nossa cabeça. Porque quando a gente refletia ou emanava o nosso pensamento aqui, ele também estava presente quando nós estávamos na Holanda, Portugal, na Espanha, porque na época nós viajamos o mundo quase todo. Poderíamos estar em qualquer lugar e ele estava na nossa cabeça. Eu sou hippie.

Eternamente hippie?

Eu acho que sim, né (sic). Você vê que a minha casa é a casa de um hippie.

Em seguida veio este livro Rarucorp?

Este livro tinha umas sacadas de Kátia interessantíssimas. Tinha uma página que tinha uma sanfona. Você tirava uma dessas páginas, tinha um envelope, uma tarja, uma brecha que, dentro, tinha comentários nossos do tipo “ninguém sabe a verdade, aqui de perto, de pertinho”. Tinha “Godard é um chato”. E assim, se fazia uma crítica sobre tudo o que se vivia na época. Sobre a chatices, a caretice, a repressão. Tinha páginas em relevo para as pessoas tocarem e sentirem. Era uma experiência inusitada na época. Então depois disso, nós fizemos Rarucorp, “procurar” ao contrário. Era um livro partindo do mesmo princípio. Um livro com 40 centímetros de tamanho por 15 com espiral. Todo de papel Carmem, esse papel maravilhoso, bem encorpado e de uma cor muito forte. Muito bom graficamente. É como se fosse um Shüller (papel). Era um papel muito bom para gravura, se prestava muito para a gravação das impressões. Então, dividimos esse papel espiralado em três pedaços, mas os poemas eram selecionados e feitos aos pares. Se tivesse três páginas, teria seis, porque estava impresso do outro lado. Se tivesse nove, daria 18, e assim por diante. Por exemplo, o poema verde, o poema azul, amarelo, o roxo, o poema branco. Os poemas eram coloridos. Você poderia ler eles por cores. Só que eles foram escritos cuidadosamente para que cada estrofe fosse solta e elas sozinhas diziam tudo. De repente, você poderia abrir o livro onde quisesse porque ele era infinito. O leitor podia escrever um livro por dia. Era possível montar o poema, a história que quisesse. Como era espiral, era infinito. Então cada estrofe era conclusiva em si mesma. Então, você podia montar a história que você quisesse. Você podia montar um grande poema. Você podia escrever um livro por dia. Nós, então, convidamos o irmão de Kátia, Maurício Mesel – que era um escritor muito interessante, já morreu, e lançou dois livros – para participar do livro. E este livro foi feito exatamente durante experiências de ácido lisérgico (LSD). Exatamente. Não é mais ou menos não. Durante experiências (viagens) lisérgicas. Inclusive as nossas fotos foram feitas durante as viagens. A capa do livro é a foto do chão da praia de onde nós estávamos. Era uma coisa explícita.

Pernambuco, Recife, década de 70, conservadorismo, ditadura militar. Como era que vocês sobreviviam a isso? Literalmente, como sobreviviam a isso?

Sempre é como é eu falo. Agora você vai entender o porquê dessa minha resistência atual quanto a isso. Porque nós tivemos o primeiro escritório de artes gráficas daqui. Você está compreendendo? Então nós tínhamos as contas das maiores firmas daqui. Porque nós tínhamos informações sobre as artes gráficas que ninguém tinha em Pernambuco. O primeiro escritório de artes gráficas de Pernambuco foi nosso. Chamado Plano de Programação Visual. Entendeu? Eu e Kátia Mesel. Roberto Lúcio trabalhou logo no começo com Kátia antes de eu entrar, como desenhista de lá. É um grande amigo meu, uma pessoa super criativa.

Roberto Lúcio atualmente faz o quê?

Roberto Lúcio é um pintor maravilhoso. Uma pessoa que hoje está pesquisando o universo do abstracionismo, de forma fantástica.

Vocês faziam design publicitário?

Nós fazíamos design publicitário. Depois que Roberto saiu, nós começamos a viajar mais no psicodelismo da época, na arte psicodélica. Depois de ir pra Holanda, e tal. Nós passamos a nos inteirar dessa maneira. Porque não existia essa maquininha aqui que você pode ir para todo lugar (mostra e bate no computador). Você tinha que pegar o avião e ir para congressos de artes gráficas, etc. A gente tinha que explicar para as pessoas o que era a programação visual. As pessoas ainda faziam placas com 300 tipos diferentes. Era aquela informação arcaica. Então nós tivemos por conta da Financi La Lumi (sic), que era uma caderneta de poupança importantíssima daqui, da Johnson & Johnson, de uma grande fábrica de fraldas, Biscoitos Sagres, Vale do Siriji, que nós colocamos pela primeira vez os caras de uniforme padrão, a Kombi e o envelope e a carta que o cara recebia, tudo tinha a ver.

Vocês davam uma unidade visual...

A unidade visual. E nós dávamos verdadeiras aulas disso pra as pessoas. Entendeu? Então isso nos dava um respaldo financeiro pra gente poder criar independente de qualquer coisa ou de repressão.

Vamos fazer a cronologia das suas obras?

Depois de Rarucorp, veio o Livro das Transformações, que foi a última parte da Abracadabra (empresa produtora da arte, de Lula e Kátia, responsável pelos discos Satwa, com Laílson; Marconi Notaro – No sub reino dos metazoários, com Zé Ramalho, Robertinho do Recife, Geraldo Azevedo, etc.). Então, paralelo a planos de programação visual, a gente tinha a Abracadabra. Nós pegávamos o dinheiro que nós tínhamos ganho na empresa e investíamos nas pessoas que ninguém investiria. Você está entendendo? Exatamente pela repressão, pelo conservadorismo, toda aquela questão que você me colocou como pergunta. A nossa forma de romper isso era a gente poder. Um poder abaixo do poder, mas o nosso poder.

Os militares achavam que era bobagem o que vocês faziam?

Não, não. Nós incomodávamos bastante. Incomodávamos bastante porque a postura militar da época era repressiva, violentíssima. Eles tinham muito medo, além de que eles não estavam preparados para dominar o país. As pessoas se alistavam aos 18 anos de idade, mas era gente que vinha do interior do país. Eram pessoas ignorantes. Então, eles queriam dar poder para essas pessoas. E você sabe que o poder, mesmo para pessoas que estão preparadas, modifica os homens. Imagine o poder na mão de um ignorante? Então esse foi o grande prejuízo para o país. Porque o poder estava nas mãos dos ignorantes. A sub-raça era militar. Os homens que não tinham nada, que não estudavam, iam para a carreira militar. Todos nós éramos obrigados, aos 18 anos, a servir ao Exército. Quem ficava lá era sub-raça, quem não tinha nenhum objetivo de vida.

Mas sub-raça não é um termo forte pra ser usado?

Termos fortes são as metralhadoras que colocaram na minha boca, na cabeça dos meus filhos dormindo na rede. Isso é termo forte. Palavras não ferem bandidos. Só balas é que ferem bandidos. Tudo o que eu disser sobre eles é pouco diante do que eu passei. Diante do que o Brasil passou em termos de humilhação, em termos de usurpação dos seus direitos de ir e vir, de viver, de pensar, de tudo. Você está entendendo? Qualquer tipo de palavra usada contra essas pessoas é pouco. Torturadores, bandidos, criminosos, ignorantes, avessos à humanidade, à sociedade. Porque eles não sabiam de nada. Eles vinham do interior e o cara dava para eles autoridade de entrar na sua casa, a qualquer hora e estuprar e queimar a vagina da sua mulher com o charuto. Atrás das armas que eles nem sabiam nem pra quê. Atrás de uma coisa que eles chamavam de comunismo, que nada mais era do que um povo em uma busca de sua liberdade de expressão, de um querer que nós tanto insistimos e até conseguimos da democracia. Tudo, qualquer coisa que neles não entendessem era uma atitude comunista. Qualquer frase que eles não entendessem era obscena. Entendeu? Eles não sabiam nem ler, na maioria.

Como eram os shows naquela época?

Os shows eram censurados da seguinte maneira: tínhamos que mandar as letras em três vias, cantar e não falar nenhuma palavra no palco. Qualquer coisa que você falasse e não tivesse mandado para a Polícia Federal, era subversão. Você tinha obrigação de dar um camarote no teatro para a Polícia Federal, que estava lá pra lhe prender. Eu fui preso não sei quantas vezes. Eu fui preso de uma maneira que o relações públicas da Polícia Federal disse: Lula, pelo amor de Deus, você falou isso mesmo? (risos). Eu estou rindo aqui agora, mas eu não tenho motivo nenhum para rir. Pelo contrário, ver pessoas próximas a mim serem extremamente torturadas, que nunca mais vão esquecer essas marcas.

Voltando a sua cronologia artística, literariamente falando, houve um hiato entre o Livro das Transformações e este O Lobo e a Lagoa? Ou escrever as letras das músicas é uma forma de literatura?

É sim. Porque sempre as músicas vem de um bloco de escritos. Nunca é assim: escrever uma letra para a música. Hoje, eu estava trabalhando numa música aqui à tarde, com Rico e Érick. Eu fiz uma limpeza na minha gaveta e resolvi pensar sobre tudo o que tinha feito na minha vida, o que tinha deixado de fazer, como eu conduzi a minha vida. Uma coisa intimista minha. Quando Rico chegou aqui, para acertar umas coisas do show que eu fiz com o Bluestamontes, no Vapor 48. Então eu disse: - “Rico, estou pensando umas coisas tão fortes, tão absurdas sobre mim, sobre minha pessoa. Eu falo essa coisa toda. Parece que eu tenho até uma força qualquer, sabe, para falar isso? Mas não. Eu estou dizendo para você: eu sou uma pessoa extremamente frágil por conta disso. Entendeu?”.

Por conta de quê?

De tudo isso que aconteceu. Eu fico sempre na defesa. Porque até hoje eu tenho medo. Às vezes. Não todo dia. Às vezes as sombras do passado me atordoam de uma tal maneira que quando toca a campainha da minha casa eu me sobressalto, tenho taquicardia.

Você se refere ao regime militar?

Exatamente. Até hoje.

Você musica as letras ou você faz as letras para a música?

Eu, às vezes faço, as letras para a música, como foi com Gracinha Teles na Paraíba, recentemente. Gracinha é uma amiga minha, produtora fantástica. Eu escrevo o que dá na cabeça na hora. Escrevo compulsivamente todos os dias da minha vida. Às vezes pego um texto que me interessa, aquele assunto aí eu pego aquele texto e musico ele. Eu dou um compasso, uma métrica pra ele para que ele caiba numa harmonia. Entendeu? E isso vira música. Às vezes. Não sempre. Por exemplo, Tarja Preta é um tratado sociológico sobre a situação atual. Então ele é um trabalho diário. Ele é sobre o crack, sobre o crime, sobre o homossexualismo, sobre o emo. Tem Emocrise, que eu estou escrevendo (cantarola um trecho). Eu tenho seis filhos, todos adultos, e essa minha relação intensa com eles me faz ficar sempre próximo com tudo o que está acontecendo. Inda mais porque eu toco à noite. Eu cutuco as pessoas o tempo inteiro. Toco para todas as tribos. Eu toco com eles, escrevo pra eles, eu ouço as músicas deles, eu dou opinião, eu faço capas. Entendeu? Eu nunca parei isso, desde o começo da minha vida.Então se você for ver os discos todos que eu tenho participação são cinqüenta. Tá entendendo? Até agora, eu canto Heavy Metal com Canibal. E componho Bossa Nova com Gracinha, faço forró com Dominguinhos. Gravei com Vates e Viola, Guadalupe, Teca Calazans, Elba Ramalho, Alceu Valença, Zé Ramalho.

Houve um hiato musical entre 1974 de livros e de discos até 80?

Não, porque nos anos 80 eu gravei Rosa de Sangue.

Aí você tinha gravado em 74, Paebirú?

Eu gravei em 74, Paebirú. Depois, eu fiz o Festival com Alceu, Molhada de Suor, o Tema dos Coronéis, daquela novela Gabriela Cravo e Canela, da Rede Globo. Foi muito instrumental, muita coisa experimental.

Você acompanhava a banda de Zé Ramalho, tocando tricórdio?

Não, não. Acompanhei a banda de Zé Ramalho não. Ao contrário, Zé Ramalho tocava comigo. Eu nunca toquei na banda de Zé Ramalho não. O trabalho que eu fiz com Zé foi ele trabalhando comigo. Depois Zé conheceu Alceu através de mim. E nós dois fomos tocar com Alceu no Trem de Catende. Está entendendo? Nós dois fomos tocar na banda de Alceu Valença, o Trem de Catende que tem no Festival Abertura. Então esse foi o tempo, o tempo que passou sem disco.

Aquele tricórdio de Chão de Giz,foi uma partipação que você fez?

Não. É uma composição minha com ele. Nós tocávamos muito juntos viola e tricórdio. Então aquela música é a única do disco que é só viola e tricórdio. Entendeu? Depois quando ele foi gravar na CBS aí se colocou mais arranjos. Mas, basicamente, ele é tricórdio e viola. Nós fizemos muitas composições, baseadas no tricórdio e viola. Depois ficamos tocando muito ainda. Ele fazendo o trabalho dele e eu o meu. Depois eu toquei no disco dele. Tive no primeiro disco de Alceu (Valença), no Molhada de Suor. Depois é que veio o de Zé Ramalho, que foi depois do Rosa de Sangue, que eu fiz o disco Avôhai, que tem Chão de Giz, Noite Preta.

Para o disco Rosa de Sangue, você foi contratado?

Não. Rosa de Sangue foi o meu último disco independente. Depois de Rosa de Sangue, eu fui contratado pela Ariola. Então eu fiz LP O Gosto Novo da Vida. Eu tive um problema com a Ariola, porque a Rozemblit (antiga gravadora recifense de discos) disse que eu tinha gravado Desengano com eles. É como eu sempre digo: Recife. Eu nunca vi um movimento mais bonito do que o mangue. Porque eles são exatamente caranguejos. Andam para trás, puxam os outros e acaba todo mundo no buraco, na lama. É a cara de Pernambuco.

Mas voltando ao foco da literatura, vamos falar um pouco de poemas?

Eu estou dizendo assim: é que depois que eu fiz o meu disco na Ariola, vendi 32 mil cópias num mês. Eles (os donos da Rozemblit) detestaram aquilo. Então eles tinham que inventar alguma merda para atrapalhar o fluxo natural da história. Então o que eles disseram? Eles disseram que eu já tinha gravado aquilo. Eles brigaram três anos com Ariola, perderam a causa, logicamente, e eu fiquei prejudicado por esses três anos. Paralelo a isso, eu fiz o Oxigênio com Lazzarini (maestro), o Terreno Baldio (banda). Um disco interessantíssimo, que foi uma produção independente, mas gravado no estúdio maravilhoso da Transamérica, em São Paulo. Um arranjo maravilhoso com um naipe de metal, mais o trabalho do Terreno Baldio e mais o maestro Lazzarini. Depois disso, eu fiz vários trabalhos, fiz Bom Shankar Bolenath, com Jarbas Mariz (1988). Antes, fiz Nordeste, Cordel e Canção. Gravei 60 horas com Zé Ramalho, quando registramos , pela primeira vez, a dupla Caju e Castanha, lá em Apipucos. É o que tem na abertura do primeiro disco de Lenine. Aquele Caju e Castanha que tem lá, ele tirou exatamente do nosso disco, embora não faça nenhuma alusão a isso. Também fiz a trilha do filme de Sérgio Ricardo (A Noite do Espantalho), interessantíssimo. Fiz o cenário, Kátia (Mesel) o vestiário. E eu, Robertinho do Recife, e o pessoal fizemos a trilha (Alceu e Geraldo Azavedo estavam como atores). O filme foi todo filmado em Fazenda Nova. Eu acho que nunca teve hiato. Eu acho que houve um momento que não estava publicando, mas sempre produzindo. Eu estou fazendo agora um documentário de Ana Patrícia, super interessante. Fiz a trilha sonora do filme de Kátia, O Rochedo e a Estrela. A trilha foi dividida em três partes. Um filme que trata da fundação de Manhatan, da expulsão dos holandeses daqui de Pernambuco. No final, uma coisa dos judeus atuais em Mannhatan. Houve uma pré-estreia com a trilha sonora. É um filme muito interessante para quem gosta de história.

Você fez trabalhos com Zé da Flauta?

Zé da Flauta participa de duas ou três faixas. Na verdade, são 46 temas gravados no estúdio de Zé da Flauta. Então, Zé é uma pessoa cooperativa, paciente, criativa. Um grande criador. Eu conto com ele para tudo. A trilha do meu livro O Lobo e a Lagoa foi gravada paralelamente à do Rochedo e a Estrela.

Voltando a falar em O Lobo e a Lagoa, faz tempo que você tinha o livro preparado. Como foi possível uma tiragem de apenas 300 exemplares numa qualidade gráfica tão elevada?

Todo o trabalho de criação gráfica é de Patrícia Lima. Todas as ilustrações (em aquarela) são minhas, da capa e do miolo, mas a idéia do formato nós tivemos juntos. Patrícia Lima é uma artista gráfica fantástica. Mas eu estou pensando em lançar o livro mais surpreendente que o Brasil já viu, o Livro da Luz.

Como é este livro tão surpreendente?

É o primeiro catálogo do Sexo das Plantas (série de quadros que Lula pinta há anos sobre os aparelhos reprodutores das flores, sementes e frutos). Acompanha texto e toda a história dessa vertente dos Atípicos (outra denominação para o Sexo das Plantas).

Sua pintura se intercala entre muitas escolas, mas tem sempre uma coisa muito de plantas, desde a capa que você desenhou para o álbum LP de Marconi Notaro, No Sub Reino dos Metazoários.

Desde Juiz de Fora (Lula morou com os avós mineiros quando perdeu os pais), eu já tinha feito uma apresentação toda de óleo, só de atípicos, psicodeslimo puro. Mas a primeira manifestação, Página dos Sonhos, foi em 1977. Eu morei sozinho. Eu sempre tive uma coisa de pintar paisagens. Depois veio a coisa do surreal. Os atípicos tiveram vários momentos. Veio a Página dos Sonhos, depois Organismos de uma Natureza Inexistente, depois Sexo das Plantas 1, 2, 3 que é uma pintura independente.

Pintas uma média de quantos quadros, quantas telas?

Eu pinto todos os dias. Eu escrevo todos os dias. Eu estou lançando o meu outro livro Aparição (permanece inédito). O que eu estou escrevendo agora é o Retorno ao Jardim do Éden. Mas, estou escrevendo ainda...

O livro A Casa da Praia conta a história de um psicopata...

Inclusive o pósfácio foi escrito pela minha co-terapeuta, quando eu estava internado e tive o acompanhamento dessa mulher maravilhosa, doutora Mônica. Ela escreveu um estudo sobre o estado patológico dos personagens. Muito interessante, como se eles existissem de verdade.

Você pode contar um pouco da história?

É a história de um cara que é um caseiro de um escritor e cuida dos barcos dele. Então ele se apaixona pela mulher do cara e quer matar o cara. Então ele arma uma trama de afrouxar umas tábuas e tal e sabotar o barco. Ele sabe pelo rádio que vai ter uma tempestade e propõe ao cara para sair e experimentar as velas, pois sabia que as tábuas iriam se soltar e ele naufragaria lá no meio da tempestade.

O resto não conta.

Aí o caseiro chama o patrão, que estava com a mulher, a irmã da mulher e com os filhos. Ele queria que apenas o patrão fosse velejar, mas eis que foi a família inteira. O escritor fazia questão que todos fossem. Não havia como o caseiro dizer que não. Todos confiavam muito nele. Ele era uma pessoa maravilhosa, embora fosse esquizofrênico. Todo mundo foi para barco e todos morrem, menos o escritor, que sabia nadar muito, e é recolhido por uma escuna pesqueira de bacalhau, que tem que fazer o roteiro previsto para depois levar o sobrevivente para casa. Neste tempo em que o escritor estava no mar, o caseiro estava na casa dele, vivendo como ele. E é provocado pela esquizofrenia dele e pela máquina de escrever para contar a história, que estava perturbando ele. Então, ele sempre se vê entre uma máquina de escrever, cujo teclado é o mar, e mergulha as mãos no mar e confessa tudo aquilo que fez. Mas, paralelo a isso, ele vai vivendo como o cara e começa uma série de assassinatos absurdos. Aí eu não posso chegar ao fim. Sei que as coisas começam a partir daí (risos).

Influência literária. Qual a leitura que você tem como referência?

Edgar Alan Poe, Mister Ibidem, Stephen King.

Mas essas referências não influenciam diretamente nas letras das suas músicas.

No conteúdo não, mas na forma de construir sim. Não nas letras de música, mas nos livros, nos contos.

Você estudou Realismo Fantástico, também não foi?

Eu dei uma pincelada sobre tudo. Eu leio sobre tudo. Eu estudo sobre tudo até hoje.

Dizer uma escola (estética) para Lula Côrtes é complicado?

Eu acho que fico bebendo de todas as fontes. Eu consigo fazer uma mescla desse misticismo absurdo, da alta magia, com a coisa da magia sertaneja, e o fato de ter morado lá me dá essa facilidade de descrever as paisagens, de pintar as minhas histórias. Eu acho que eu pinto o agreste muito bem. Eu conheço muito o agreste, vivi muito lá. Eu gosto muito de andar à cavalo, de criar gado, entendo tudo de bode, entendo de cerca, de bicho.

Entre o Livro das Transformações (1972) e o Lobo e a Lagoa (2008), existem outros livros?

Entre o Livro das Transformações e o Lobo e a Lagoa...

Ou você se dedicou muito mais às artes plásticas?

Às artes plásticas e à música. Eu escrevi muita coisa, mas não publiquei. Eu ganhei prêmio em São Paulo com o Tratados da Solidão.

1 comentários:

Daniel Bednarski disse...

Muito boa essa entrevista... é um absurdo que lancem qualquer trabalho do Lula no exterior e que você entre num site de compras e encontre versões em CD do Paêbirú, por exemplo, somente importadas, a pagar R$140,00 num disco que poderia ser uns 20 e poucos se fosse lançado no Brasil. Como é que as gravadoras, gráficas, e qualquer empresa assim do Brasil ignoram gente que quer faz um trabalho de qualidade? Só querem ganhar dinheiro em cima de tudo.

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