O ano de 2007 deve passar para a história da indústria fonográfica brasileira como o momento em que as gravadoras, finalmente, caíram na real. A movimentação nas cúpulas dirigentes dos selos multinacionais (que vem sendo acompanhada de perto pela imprensa nas últimas semanas) é apenas a ponta de um iceberg que ainda prevê ajustes ainda mais profundos e mudanças radicais nas estratégias de negócios. Tudo para tentar recuperar o tempo perdido na luta contra os predadores (pirataria, downloads ilegais de música, preços altos) do mercado – um mercado que movimentava R$ 1 bilhão e 200 milhões em 1995 e em 2006, bateu no fundo do poço, chegando a R$ 250 milhões, um retração de quase 80% em uma década. Substituições de executivos em postos-chave, cortes de elenco e de investimentos estão na pauta do dia das gravadoras, que já colocam a venda de música pela internet como prioridade imediata.
Na verdade, a dança das cadeiras nas filiais brasileiras das multinacionais do disco começou ainda no ano passado, com o afastamento de Marcos Maynard da direção da EMI. A própria sede inglesa da gravadora revelou, em outubro último, que a filial brasileira manipulava seus balanços – contabilizando CDs e DVDs passados às lojas como títulos realmente vendidos ao público, ignorando os discos devolvidos ao estoque. A fraude afetou as avaliações do mercado brasileiro em 2005 e teve reflexos nos números de 2006. “Essa brincadeira da EMI deu uma estragada boa no mercado”, confirma o diretor de um importante selo independente, que já passou por várias gravadoras grandes antes de se firmar por conta própria.
Maynard, substituído por Marcelo Castello Branco, foi apenas o primeiro eliminado. A Universal demitiu seu diretor artístico, Max Pierre, no começo do mês, resultado de uma auditoria promovida pela matriz da companhia na filial local. Cláudio Condé, presidente da Warner brasileira, perdeu para Sérgio Affonso o cargo, em meados de março. Apenas a Sony & BMG não mexeu em sua cúpula – em time que está ganhando, não se mexe. Segundo o principal executivo da companhia, Alexandre Schiavo, pelo segundo ano consecutivo a gravadora manteve a posição de primeiro lugar no ranking nacional. “Nosso market share passou de 25,05%, em 2005, para 26,14%. Depois de dez anos seguidos de dominação da Universal, consolidamos nossa posição”, adianta Schiavo, com a confiança de quem está por cima – números como esses são usualmente mantidos a sete chaves pelas gravadoras, especialmente em hora de crise e de troca de comando. A manutenção da Sony & BMG no primeiro lugar do mercado já era prevista desde a divulgação, em março, da lista dos lançamentos mais vendidos em 2006. Oito títulos da gravadora de Schiavo (incluindo o campeão, Minha benção, do Padre Marcelo Rossi) integram a lista dos 20 CDs mais vendidos do ano. A estimativa é que não haja mudanças no ranking em relação a 2005, com a Sony & BMG em primeiro, Universal em segundo, EMI em terceiro e Warner em quarto lugar.
Os números oficiais do mercado no ano passado ainda não foram divulgados pela ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Disco). Tradicionalmente, a associação (que congrega as cinco maiores gravadoras do país: as multinacionais Sony & BMG, Warner, Universal e EMI e a brasileira Som Livre) segue o calendário da IFPI (International Federation of the Phonograph Industry) para anunciar seu balanço anual. Sabe-se, entretanto, que 2006 representou mais um degrau – para baixo – no agravamento da crise da indústria. “Nosso último ano bom foi mesmo em 2004. A indústria está de ressaca”, analisa Paulo Rosa, diretor geral da ABPD. Ele fala, sem citar números, em “uma redução bastante significativa” no tamanho do mercado em 2006. “Em 2004 não houve queda nas vendas de produtos de áudio. Já em 2005 tivemos uma redução de cerca de 13% em relação a 2004. E em 2006 a queda foi ainda maior”.
Rosa diz que o momento difícil do negócio do disco é mundial. Mas no Brasil a coisa é pior por fatores já bastante conhecidos. “Pirataria existe em qualquer lugar. Mas aqui o negócio é muito acima do tolerável. Houve avanços no combate aos piratas, o índice de mercado dominado pelos piratas vem caindo – de 52% em 2003 para cerca 40% em 2005. Só que esse efeito ainda não foi sentido pela indústria”. O diretor da ABPD também aponta que o número de downloads ilegais de MP3 (via programas de compartilhamento de arquivos como Kazaa e Soulseek) está aumentando, por conta da crescente inclusão digital no país, mas que este potencial mercado para venda legalizada de música ainda não desabrochou. “No exterior a venda de música online já começa a compensar as perdas com a pirataria e o peer-to-peer, o que não acontece no Brasil”.
Para além das conjunturas do mercado, Rosa não deixa de creditar às próprias gravadoras uma boa parcela da culpa pela crise. “No ano passado, tivemos poucos lançamentos importantes, poucos sucessos e poucas novidades. É sintomático: por anos seguidos, as gravadoras só vêm cortando, reduzindo investimentos, funcionários e seus elencos de artistas. Tenho sentido a falta de produtos fortes, que possam resgatar os grandes sucessos de outrora”. Sem citar nomes, o representante da ABPD diz que 2006 foi um ano de balanços “atípicos” por conta do alto número de devoluções de CDs às gravadoras – referência indireta ao escândalo que derrubou Marcos Maynard.
Schiavo classifica 2006 como um ano “complicado e deprimido” para o mercado, mas ressalta que sua gravadora foi “na direção contrária da crise”. “Tivemos um ano excelente, com o primeiro registro de lucro operacional depois de cinco anos no vermelho”, narra o diretor da Sony & BMG. O resultado é fruto de um plano de reestruturação em curso há quatro anos, durante os quais, segundo Schiavo, a companhia tratou de “enxergar a realidade no tamanho certo”. Ainda assim, toda essa antecipação não blindou completamente a gravadora, que detém o passe de grandes vendedores como Roberto Carlos, Ana Carolina, Zezé Di Camargo & Luciano e Bruno & Marrone. “Estamos quase no limite do achatamento de nossa margem de lucro; nos últimos anos, reduzimos o preço do CD em quase 16%. E não temos tido apoio do governo na luta contra a pirataria”, afirma Schiavo.
No meio desse tiroteio, os selos independentes seriam tropas de guerrilha, em comparação à artilharia pesada das multinacionais. Pequenos e sem muitos recursos, compensariam com a agilidade que falta às poderosas multis. Paulo Rosa acha que a crise não escolhe vítimas, grandes ou pequenas: “O mercado é um só. Os independentes têm uma mentalidade diferente, mas acabam enfrentando as mesmas dificuldades”. O presidente da ABMI (Associação Brasileira da Música Independente), Carlos de Andrade, tem uma visão diferente. “Aumentamos nossa participação no mercado em 2006 e ocupamos mais espaço, principalmente nos nichos onde as grandes gravadoras não entram”, diz Carlos, ele mesmo dono de um selo independente (a Visom). Ele cita casos vitoriosos em que os selos pequenos correram por fora e destronaram as grandes: “O Nordeste, por exemplo, é quase todo independente. A cena musical do Pará também. O caso da Banda Calypso é só um exemplo. No Rio Grande do Sul temos gravadoras gigantes, como a Orbeat ou a Acit”.
O termo “gigantes”, entretanto, deve ser contextualizado no caso das indies. As multinacionais ainda dominam mais de 90% do mercado. “Sabemos que nunca vamos ver a Ivete Sangalo em uma gravadora independente. Mas mais e mais grandes nomes estão saindo dos grandes selos. Com o encolhimento do mercado, gente como Alceu Valença, Chico Buarque, Djavan – ou seja, artistas já preparados para a indústria, que vendem bem e são reconhecidos – foram para a independência”. Quem se destaca no meio das independentes – em particular a Indie Records e a Deckdisc – está tentando o pulo do gato: serem reconhecidas como selos pequenos, mas capazes de abocanhar público das grandes. “A vantagem das independentes é saber que tipo de disco estão fazendo e para quem vão vender, uma noção que as multinacionais às vezes não têm”, diz, reconhecendo que, volta e meia, selos pequenos emplacam grandes sucessos. “A Deck é a major das independentes”, afirma Andrade sobre o selo carioca, que ainda cita como selos representativos a Biscoito Fino, Trama, Atração, MZA, Azul Music, Rob Digital e Dubas, dentro de um universo que abriga mais de 500 selos (cerca de 100 desses associados à ABMI).
A citada Deckdisc merece realmente o crédito do presidente da ABMI. Dominando 3,28% do mercado (números de 2005), o selo carioca tem um catálogo vasto, que vai do pop-rock ao sertanejo, e já emplacou legítimos sucessos populares como os grupos Falamansa (dois milhões de CDs vendidos) e Revelação (cerca de um milhão e meio de CDs). Foi a gravadora que mais cresceu nos últimos dez anos. Ainda assim, o presidente da companhia, João Augusto, adota um discurso cauteloso ao avaliar sua posição atual. “Tivemos um ano muito difícil, talvez o pior de nossa história”, afirma. “Nossa queda foi ainda maior que a da média do mercado, porque ativamos um plano de contingência para baixar os custos e garantir o negócio”. Ao mesmo tempo que enquadra na devida perspectiva a ascensão das independentes (“Hoje em dia não há vencedores, todos perderam alguma coisa, grandes e pequenos”), João não deixa de fazer suas apostas. “Não deixaremos de trazer novos artistas e projetos para o mercado. Temos pelo menos um sentimento de vitória por termos passado pelas tormentas sem mexer na estrutura e sem cancelar projetos”, diz.
Passado o primeiro trimestre, o ano de 2007 configura-se sombrio. “Houve uma queda de 50% nas vendas em comparação com o mesmo período do ano passado”, testemunha Alexandre Schiavo. “Para a venda de CDs, 2007 deverá ser mesmo um ano difícil”, confirma Paulo Rosa. O único consenso a que os figurões do mercado conseguem chegar é que a sobrevivência passa pela internet. “É ilusão achar que a música digital vai repor as perdas que já tivemos. Mas o segmento é importantíssimo”, resume o presidente da Sony & BMG. Em 2006, houve a chegada de duas novas megastores virtuais de música, o UOL Música e o Sonora (do portal Terra), juntando-se à pioneira iMúsica. Em 2007 entrou no ar o BaixaHits (mantido pelo grupo Jovem Pan) e o provedor de internet IG também prepara sua loja de música. Gravadoras independentes como a Deckdisc e a Rob Digital e multinacionais como a Warner também já vendem seu catálogo por meio do download pago.
Neste contexto, seria de se esperar que os principais players de venda de música online estejam animados com a expansão, certo? Mais ou menos. O download pago representa apenas 2% das receitas das gravadoras brasileiras (enquanto nos EUA, Europa e Japão chega a 10% do total). O iMúsica teve em 2006 uma média de 30 mil faixas comercializadas por mês, número irrisório diante do mais de um bilhão de canções que os internautas brasileiros baixaram sem pagar no ano passado (segundo a ABPD). “Nossa perspectiva para 2007 é positiva por um único motivo: nosso mercado ainda não existe, na prática. Então, só podemos olhar para cima”, afirma Felipe Llerena, um dos fundadores do iMúsica, primeiro site a vender (já em 2000) música pela internet no Brasil. No entanto, diferente do resto da indústria, Llerena tem motivos para comemorar pelo ano que passou. “Passamos finalmente, com a adesão da Sony & BMG e da Universal, a oferecer músicas das quatro gravadoras multinacionais. Hoje temos o maior banco digital de música brasileira à venda na internet, o que é interessantíssimo para o mercado exterior”. A animação é ainda maior quando se fala em download para telefones celulares. “Já em 2007 passaremos a vender canções full-track (músicas inteiras, em MP3 estéreo) de várias gravadoras, para todas as operadores de telefonia. Temos 100 milhões de celulares no Brasil, é um mercado que cresce a cada dia e o que é melhor – sem pirataria”, afirma Llerena.
“Estamos, como sempre, otimistas. Esperamos que as gravadoras consigam reagir em 2007”, resume, em nome da ABPD, Paulo Rosa. Multinacionais e independentes preparam suas armas, em movimentos baseados na cautela. A líder do mercado vai batalhar por mais apoio do governo. “Queremos discutir a sério a questão da isenção de impostos para CDs e DVDs, a exemplo do que ocorre com os livros. Isso possibilitaria baixar muito os preços para o consumidor”, diz Alexandre Schiavo, da Sony & BMG, ressaltando que as conversas com o governo nesse sentido ainda não deram em “nada de concreto”. Schiavo também cita a execução, em 2007, de um “plano estratégico” que, segundo ele “vai garantir o futuro da companhia” e que inclui revisão minuciosa de contratos de alto a baixo – e também a dispensa de artistas, que já abateu nomes (outrora) bons de venda como Gabriel o Pensador e o grupo Cidade Negra. João Araújo segue apostando em variados segmentos musicais (punk rock, música eletrônica, MPB instrumental), mas seguirá escorando-se no sucesso de seus nomes mais populares. “Projetávamos um crescimento para 2007. Mas vendo como o ano começou, já considero que se conseguirmos empatar nossos custos ao fim do ano, terá sido uma vitória”, diz o dono da Deckdisc. Representante do futuro do comercio musical, Felipe Llerena joga uma metáfora no debate: “Para a música digital, 2007 será um bom ano. Estamos ainda na infância: jogando bola na rua, levando topada, caindo mas sempre sorrindo, dispostos. As gravadoras tradicionais são como velhinhos que acordam cansados, com artrite, dores nas costas. Mas ainda estão aí, firmes, e ainda estarão por um bom tempo”.
Na verdade, a dança das cadeiras nas filiais brasileiras das multinacionais do disco começou ainda no ano passado, com o afastamento de Marcos Maynard da direção da EMI. A própria sede inglesa da gravadora revelou, em outubro último, que a filial brasileira manipulava seus balanços – contabilizando CDs e DVDs passados às lojas como títulos realmente vendidos ao público, ignorando os discos devolvidos ao estoque. A fraude afetou as avaliações do mercado brasileiro em 2005 e teve reflexos nos números de 2006. “Essa brincadeira da EMI deu uma estragada boa no mercado”, confirma o diretor de um importante selo independente, que já passou por várias gravadoras grandes antes de se firmar por conta própria.
Maynard, substituído por Marcelo Castello Branco, foi apenas o primeiro eliminado. A Universal demitiu seu diretor artístico, Max Pierre, no começo do mês, resultado de uma auditoria promovida pela matriz da companhia na filial local. Cláudio Condé, presidente da Warner brasileira, perdeu para Sérgio Affonso o cargo, em meados de março. Apenas a Sony & BMG não mexeu em sua cúpula – em time que está ganhando, não se mexe. Segundo o principal executivo da companhia, Alexandre Schiavo, pelo segundo ano consecutivo a gravadora manteve a posição de primeiro lugar no ranking nacional. “Nosso market share passou de 25,05%, em 2005, para 26,14%. Depois de dez anos seguidos de dominação da Universal, consolidamos nossa posição”, adianta Schiavo, com a confiança de quem está por cima – números como esses são usualmente mantidos a sete chaves pelas gravadoras, especialmente em hora de crise e de troca de comando. A manutenção da Sony & BMG no primeiro lugar do mercado já era prevista desde a divulgação, em março, da lista dos lançamentos mais vendidos em 2006. Oito títulos da gravadora de Schiavo (incluindo o campeão, Minha benção, do Padre Marcelo Rossi) integram a lista dos 20 CDs mais vendidos do ano. A estimativa é que não haja mudanças no ranking em relação a 2005, com a Sony & BMG em primeiro, Universal em segundo, EMI em terceiro e Warner em quarto lugar.
Os números oficiais do mercado no ano passado ainda não foram divulgados pela ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Disco). Tradicionalmente, a associação (que congrega as cinco maiores gravadoras do país: as multinacionais Sony & BMG, Warner, Universal e EMI e a brasileira Som Livre) segue o calendário da IFPI (International Federation of the Phonograph Industry) para anunciar seu balanço anual. Sabe-se, entretanto, que 2006 representou mais um degrau – para baixo – no agravamento da crise da indústria. “Nosso último ano bom foi mesmo em 2004. A indústria está de ressaca”, analisa Paulo Rosa, diretor geral da ABPD. Ele fala, sem citar números, em “uma redução bastante significativa” no tamanho do mercado em 2006. “Em 2004 não houve queda nas vendas de produtos de áudio. Já em 2005 tivemos uma redução de cerca de 13% em relação a 2004. E em 2006 a queda foi ainda maior”.
Rosa diz que o momento difícil do negócio do disco é mundial. Mas no Brasil a coisa é pior por fatores já bastante conhecidos. “Pirataria existe em qualquer lugar. Mas aqui o negócio é muito acima do tolerável. Houve avanços no combate aos piratas, o índice de mercado dominado pelos piratas vem caindo – de 52% em 2003 para cerca 40% em 2005. Só que esse efeito ainda não foi sentido pela indústria”. O diretor da ABPD também aponta que o número de downloads ilegais de MP3 (via programas de compartilhamento de arquivos como Kazaa e Soulseek) está aumentando, por conta da crescente inclusão digital no país, mas que este potencial mercado para venda legalizada de música ainda não desabrochou. “No exterior a venda de música online já começa a compensar as perdas com a pirataria e o peer-to-peer, o que não acontece no Brasil”.
Para além das conjunturas do mercado, Rosa não deixa de creditar às próprias gravadoras uma boa parcela da culpa pela crise. “No ano passado, tivemos poucos lançamentos importantes, poucos sucessos e poucas novidades. É sintomático: por anos seguidos, as gravadoras só vêm cortando, reduzindo investimentos, funcionários e seus elencos de artistas. Tenho sentido a falta de produtos fortes, que possam resgatar os grandes sucessos de outrora”. Sem citar nomes, o representante da ABPD diz que 2006 foi um ano de balanços “atípicos” por conta do alto número de devoluções de CDs às gravadoras – referência indireta ao escândalo que derrubou Marcos Maynard.
Schiavo classifica 2006 como um ano “complicado e deprimido” para o mercado, mas ressalta que sua gravadora foi “na direção contrária da crise”. “Tivemos um ano excelente, com o primeiro registro de lucro operacional depois de cinco anos no vermelho”, narra o diretor da Sony & BMG. O resultado é fruto de um plano de reestruturação em curso há quatro anos, durante os quais, segundo Schiavo, a companhia tratou de “enxergar a realidade no tamanho certo”. Ainda assim, toda essa antecipação não blindou completamente a gravadora, que detém o passe de grandes vendedores como Roberto Carlos, Ana Carolina, Zezé Di Camargo & Luciano e Bruno & Marrone. “Estamos quase no limite do achatamento de nossa margem de lucro; nos últimos anos, reduzimos o preço do CD em quase 16%. E não temos tido apoio do governo na luta contra a pirataria”, afirma Schiavo.
No meio desse tiroteio, os selos independentes seriam tropas de guerrilha, em comparação à artilharia pesada das multinacionais. Pequenos e sem muitos recursos, compensariam com a agilidade que falta às poderosas multis. Paulo Rosa acha que a crise não escolhe vítimas, grandes ou pequenas: “O mercado é um só. Os independentes têm uma mentalidade diferente, mas acabam enfrentando as mesmas dificuldades”. O presidente da ABMI (Associação Brasileira da Música Independente), Carlos de Andrade, tem uma visão diferente. “Aumentamos nossa participação no mercado em 2006 e ocupamos mais espaço, principalmente nos nichos onde as grandes gravadoras não entram”, diz Carlos, ele mesmo dono de um selo independente (a Visom). Ele cita casos vitoriosos em que os selos pequenos correram por fora e destronaram as grandes: “O Nordeste, por exemplo, é quase todo independente. A cena musical do Pará também. O caso da Banda Calypso é só um exemplo. No Rio Grande do Sul temos gravadoras gigantes, como a Orbeat ou a Acit”.
O termo “gigantes”, entretanto, deve ser contextualizado no caso das indies. As multinacionais ainda dominam mais de 90% do mercado. “Sabemos que nunca vamos ver a Ivete Sangalo em uma gravadora independente. Mas mais e mais grandes nomes estão saindo dos grandes selos. Com o encolhimento do mercado, gente como Alceu Valença, Chico Buarque, Djavan – ou seja, artistas já preparados para a indústria, que vendem bem e são reconhecidos – foram para a independência”. Quem se destaca no meio das independentes – em particular a Indie Records e a Deckdisc – está tentando o pulo do gato: serem reconhecidas como selos pequenos, mas capazes de abocanhar público das grandes. “A vantagem das independentes é saber que tipo de disco estão fazendo e para quem vão vender, uma noção que as multinacionais às vezes não têm”, diz, reconhecendo que, volta e meia, selos pequenos emplacam grandes sucessos. “A Deck é a major das independentes”, afirma Andrade sobre o selo carioca, que ainda cita como selos representativos a Biscoito Fino, Trama, Atração, MZA, Azul Music, Rob Digital e Dubas, dentro de um universo que abriga mais de 500 selos (cerca de 100 desses associados à ABMI).
A citada Deckdisc merece realmente o crédito do presidente da ABMI. Dominando 3,28% do mercado (números de 2005), o selo carioca tem um catálogo vasto, que vai do pop-rock ao sertanejo, e já emplacou legítimos sucessos populares como os grupos Falamansa (dois milhões de CDs vendidos) e Revelação (cerca de um milhão e meio de CDs). Foi a gravadora que mais cresceu nos últimos dez anos. Ainda assim, o presidente da companhia, João Augusto, adota um discurso cauteloso ao avaliar sua posição atual. “Tivemos um ano muito difícil, talvez o pior de nossa história”, afirma. “Nossa queda foi ainda maior que a da média do mercado, porque ativamos um plano de contingência para baixar os custos e garantir o negócio”. Ao mesmo tempo que enquadra na devida perspectiva a ascensão das independentes (“Hoje em dia não há vencedores, todos perderam alguma coisa, grandes e pequenos”), João não deixa de fazer suas apostas. “Não deixaremos de trazer novos artistas e projetos para o mercado. Temos pelo menos um sentimento de vitória por termos passado pelas tormentas sem mexer na estrutura e sem cancelar projetos”, diz.
Passado o primeiro trimestre, o ano de 2007 configura-se sombrio. “Houve uma queda de 50% nas vendas em comparação com o mesmo período do ano passado”, testemunha Alexandre Schiavo. “Para a venda de CDs, 2007 deverá ser mesmo um ano difícil”, confirma Paulo Rosa. O único consenso a que os figurões do mercado conseguem chegar é que a sobrevivência passa pela internet. “É ilusão achar que a música digital vai repor as perdas que já tivemos. Mas o segmento é importantíssimo”, resume o presidente da Sony & BMG. Em 2006, houve a chegada de duas novas megastores virtuais de música, o UOL Música e o Sonora (do portal Terra), juntando-se à pioneira iMúsica. Em 2007 entrou no ar o BaixaHits (mantido pelo grupo Jovem Pan) e o provedor de internet IG também prepara sua loja de música. Gravadoras independentes como a Deckdisc e a Rob Digital e multinacionais como a Warner também já vendem seu catálogo por meio do download pago.
Neste contexto, seria de se esperar que os principais players de venda de música online estejam animados com a expansão, certo? Mais ou menos. O download pago representa apenas 2% das receitas das gravadoras brasileiras (enquanto nos EUA, Europa e Japão chega a 10% do total). O iMúsica teve em 2006 uma média de 30 mil faixas comercializadas por mês, número irrisório diante do mais de um bilhão de canções que os internautas brasileiros baixaram sem pagar no ano passado (segundo a ABPD). “Nossa perspectiva para 2007 é positiva por um único motivo: nosso mercado ainda não existe, na prática. Então, só podemos olhar para cima”, afirma Felipe Llerena, um dos fundadores do iMúsica, primeiro site a vender (já em 2000) música pela internet no Brasil. No entanto, diferente do resto da indústria, Llerena tem motivos para comemorar pelo ano que passou. “Passamos finalmente, com a adesão da Sony & BMG e da Universal, a oferecer músicas das quatro gravadoras multinacionais. Hoje temos o maior banco digital de música brasileira à venda na internet, o que é interessantíssimo para o mercado exterior”. A animação é ainda maior quando se fala em download para telefones celulares. “Já em 2007 passaremos a vender canções full-track (músicas inteiras, em MP3 estéreo) de várias gravadoras, para todas as operadores de telefonia. Temos 100 milhões de celulares no Brasil, é um mercado que cresce a cada dia e o que é melhor – sem pirataria”, afirma Llerena.
“Estamos, como sempre, otimistas. Esperamos que as gravadoras consigam reagir em 2007”, resume, em nome da ABPD, Paulo Rosa. Multinacionais e independentes preparam suas armas, em movimentos baseados na cautela. A líder do mercado vai batalhar por mais apoio do governo. “Queremos discutir a sério a questão da isenção de impostos para CDs e DVDs, a exemplo do que ocorre com os livros. Isso possibilitaria baixar muito os preços para o consumidor”, diz Alexandre Schiavo, da Sony & BMG, ressaltando que as conversas com o governo nesse sentido ainda não deram em “nada de concreto”. Schiavo também cita a execução, em 2007, de um “plano estratégico” que, segundo ele “vai garantir o futuro da companhia” e que inclui revisão minuciosa de contratos de alto a baixo – e também a dispensa de artistas, que já abateu nomes (outrora) bons de venda como Gabriel o Pensador e o grupo Cidade Negra. João Araújo segue apostando em variados segmentos musicais (punk rock, música eletrônica, MPB instrumental), mas seguirá escorando-se no sucesso de seus nomes mais populares. “Projetávamos um crescimento para 2007. Mas vendo como o ano começou, já considero que se conseguirmos empatar nossos custos ao fim do ano, terá sido uma vitória”, diz o dono da Deckdisc. Representante do futuro do comercio musical, Felipe Llerena joga uma metáfora no debate: “Para a música digital, 2007 será um bom ano. Estamos ainda na infância: jogando bola na rua, levando topada, caindo mas sempre sorrindo, dispostos. As gravadoras tradicionais são como velhinhos que acordam cansados, com artrite, dores nas costas. Mas ainda estão aí, firmes, e ainda estarão por um bom tempo”.
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