Em 2012 passaram-se 40 anos desde o lançamento de um dos discos mais expressivos da carreira de Gilberto Gil.
Gilberto Gil / Expresso 2222 (1972) (Philips)
Por Tárik de Souza
Quando começou a circular o Expresso 2222, em 1972, a luz no fim do túnel era a locomotiva da ditadura vindo em sentido contrário. Como Caetano, Gilberto Gil voltava de um exílio de dois anos em Londres, após uma prisão arbitrária, e recomeçava a carreira a todo o vapor unindo as duas pontas básicas do ideário tropicalista. De um lado, o regionalismo fundador da tosca e revolucionária Banda de Pífanos de Caruaru ("Pipoca Moderna"). De outro, uma canção do exílio universalista, "Back in Bahia", que ao invés de palmeiras e sabiás, planta Celly Campelo e um velho baú de prata.
Entre os extremos dessa arqueologia há espaço para o nordeste agreste de João do Vale (mais Ayres Viana e Alventino Cavalcanti), turbinado por guitarras em "O Canto da Ema", e a parábola da contaminação cultural, do repertório de Jackson do Pandeiro, "Chiclete com Banana". A que fala em samba/rock antes de Lobão nascer e mistura Miami com Copacabana, quando a Era Collor ainda era um brilho fugidio nos olhos psicopatas de seus genitores. Com anos-luz de antecedência, o forró-core e o maguebit já pulsavam nos hormônios ferventes da sucinta "Sai do Sereno" (Onildo de Almeida), em duo com Gal Costa, edificada numa única estrofe poética.
Antes da trilogia Re do autor (o ruralista/macrô Refazenda de 1975, o funkado Refavela de 1977 e o popRealce de 1979), este expresso para depois do ano 2000 já falava em estrada do tempo pré-infovias de Bill Gates. A clássica faixa-título foi repaginada no recente Acústico de Gil com uma acentuação de sua pisada de xaxado implícita na versão original.
O disco de 72 também faz um inventário ideológico da geração do desbunde com palavras de ordem com "O Sonho Acabou". Ao mote de John Lennon, Gil acrescenta pitadas tropicalistas ("dissolvendo a pílula de vida do Dr Ross / na barriga de Maria") e um atestado de que os caretas perderam o bonde da história. "Quem não dormiu no sleeping bag / nem sequer sonhou / e foi pesado o sono pra quem não sonhou". Além de uma distinção de perfis com o xifópago estético Caetano em "Ele e Eu" ("Ele vive calmo / e na hora do Porto da Barra / fica elétrico"), Gil manda o editorial do disco obra-prima em "Oriente": "Se oriente rapaz / pela constatação de que a aranha / vive do que tece / vê se não se esquece".
De tão sólida, a teia do Expresso 2222 sobreviveu ao vírus do tempo.
Faixas:
01 - Pipoca Moderna (Caetano Veloso e Sebastiano C. Biano) (com Banda De Pífanos De Caruaru) (2:00)
02 - Back In Bahia (Gilberto Gil) (4:36)
03 - O Canto De Ema (Ayres Viana, Alventino Cavalcante e João Do Vale) (6:23)
04 - Chiclete Com Banana (Gordurinha e Almira Castilho) (3:21)
05 - Ele E Eu (Gilberto Gil) (2:15)
06 - Sai Do Sereno (Onildo Almeida) (com Gal Costa) (3:20)
07 - Espresso 2222 (Gilberto Gil) (2:39)
08 - O Sonho Acabou (Gilberto Gil) (3:33)
09 - Oriente (Gilberto Gil) (6:00)
LP original
Direção de produção: Guilherme Araújo
Coordenação de produção: Roberto Menescal
Direção musical: Gilberto Gil
Técnicos de som e engenheiros: Christopher Barton/ Marcos Vinícius
Gravado em 16 canais no estúdio Eldorado em abril de 1972
Voz e violão: Gilberto Gil
Guitarra e baixo: Lanny Gordin
Baixo: Bruce Henry
Piano e celesta: Antônio Perna
Bateria e percurssão: Tutty Moreno
Participação especial: Gal Costa na faixa " Sai do Sereno"
Capa: Edinízio Ribeiro Pimo
Planejamento gráfico: Aldo Luiz
Fotos: (Pedrinho) Edson Santos, (Gil) Eduardo Clark, (músicos) Silvinha Tinoco
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