quinta-feira, 25 de junho de 2009

GAITA NO SUL = SANFONA NO NORDESTE

Por Fabio Gomes

A sanfona foi criada na Europa por C. Buffet em 1827 e chegou ao Brasil entre 1836 e 1851, através dos imigrantes alemães do Rio Grande do Sul. Na época, o instrumento já era chamado "gaita" no Sul, como até hoje. A gaita passou a ser considerada o instrumento ideal para acompanhar bailes, substituindo o violão e a rabeca, de pouco volume sonoro, e dispensando até cantor. Os italianos, a partir de 1875, além de trazerem mais gaitas, também começaram a fabricá-las aqui. A primeira fábrica de gaitas no Brasil foi criada pelo casal Cesare Arpini e Maria Savoia no final do século 19 no atual município de Santa Tereza, na Serra gaúcha. Outras fábricas aparecem em seguida em Garibaldi, Caxias do Sul e Bento Gonçalves.
O surgimento da primeira gravadora gaúcha, a Casa A Elétrica, em 1913, em Porto Alegre, possibilita a gravação dos primeiros solos de gaiteiros como Moisés Mondadori (que usava o nome artístico Cavaleiro Moisé) e Lúcio de Souza.
Em 1939, o catarinense Pedro Raymundo (1906-73) forma em Porto Alegre o Quarteto dos Tauras, com o qual se apresenta no rádio e excursiona pelos estados do Sul em 1943. Desfeito o conjunto, Raymundo segue para o Rio de Janeiro, onde se destaca em programas de calouros e emplaca o primeiro sucesso: "Adeus Mariana". Raymundo projeta no país a figura de gaiteiro gaúcho e influencia o pernambucano Luiz Gonzaga (1912-1989) a valorizar a cultura nordestina, lançando o baião em 1946.
Gonzaga é o maior fruto da difusão da gaita pelo Norte do país, onde é chamada sanfona, depois da Guerra do Paraguai (1864-1870). A integração do instrumento às festas populares no Norte foi idêntica à do Sul. Havia bailes de quinta a domingo todas as semanas, com sanfoneiros requisitados como Januário dos Santos, pai de Luiz Gonzaga. Além de tocar, Januário consertava e afinava sanfonas, tendo sempre diversos instrumentos em casa. Luiz começou a tocar escondido quando o pai saía para os bailes; Januário descobriu mas acabou aprovando: ao ver que o menino levava jeito para a música, pediu que ele o auxiliasse na afinação e em seguida, com apenas 12 anos, Luiz passou a viajar com o pai para animar bailes.
O lançamento do baião nos anos 1940 gera uma moda de sanfona pelo país, com a criação de diversas academias de acordeom mantidas pelo gaiteiro (e fabricante) Mário Mascarenhas em várias capitais brasileiras. A sanfona figurou até na gravação do primeiro rock brasileiro, "Enrolando o Rock" (Betinho - Heitor Carrillo), por Betinho e Seu Conjunto (1957). A sanfona só entrou em declínio como instrumento preferido da música popular a partir da bossa nova, em 1958, substituída pelo violão.
Curiosamente, enquanto nas outras regiões do país a sanfona era muito admirada, no Sul acontecia o inverso. Os costumes típicos do interior não eram considerados válidos pelos habitantes da capital gaúcha, que buscavam alinhar seu gosto pelo das metrópoles mundiais. Foi portanto com muita dificuldade que se conseguiu realizar um Baile Gauchesco no Teresópolis Tenis Club, em Porto Alegre, a 20 de setembro de 1947, durante a Ronda Crioula que marcou o nascimento do Movimento Tradicionalista Gaúcho. Também não foi fácil encontrar músicos que tocassem músicas típicas gaúchas. A solução foi contratar a bandinha do maestro Ernani Mendes e reforçá-la com o acordeom do taxista Pedroso.
A gaita não tardou a retomar seu posto de instrumento preferido do povo gaúcho, a partir da criação dos primeiros CTGs (Centros de Tradições Gaúchas), em 1948, e do surgimento de diversos festivais nativistas (o primeiro, em 1971, sendo a Califórnia da Canção Nativa, de Uruguaiana). Em 1977, o compositor gaúcho Radamés Gnattali escreveu um "Concerto para Acordeão, Tamboras e Orquestra de Cordas", especialmente para seu conterrâneo Chiquinho do Acordeão, promovendo assim a entrada desse instrumento eminentemente popular nas salas de concerto.
Sendo a sanfona uma criação do século XIX, fica a dúvida a que instrumento exatamente se referia o escrivão da esquadra de Pedro Álvares Cabral que chegou à costa brasileira em 1500. Pero Vaz de Caminha cita duas vezes o termo "gaita" em sua carta, mas o mais provável é que se tratasse de um tipo de uma flauta doce, parecida com um pífaro, que em Portugal é chamada, justamente, de "gaita" (por sinal, uma palavra árabe).
Existem dois tipos básicos de sanfona: a com teclado de piano - chamada acordeom, acordeona, acordeão ou cordeona; e a gaita-ponto, com botões no lugar das teclas, também denominada gaita-de-botão. O instrumento também tem diversos outros nomes, como concertina, harmônia, harmônica, fole (ou gaita-de-foles) e realejo.

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