sexta-feira, 15 de abril de 2011

A ODISSEIA MUSICAL DE RICARDO MACHADO

A constante renovação da boa música brasileira vai gerando gratas surpresas aos nossos ouvidos; e vem, paradoxalmente, batendo de frente com toda o modismo imposto pela mídia de um modo geral.

Por Bruno Negromonte


Nas gratas estradas vicinais de nossa música popular sempre houve pessoas de extremo talento, mas que geralmente ficam à margem do conhecimento de grande parte de nossa população porque as gravadoras juntamente com os grandes meios de comunicação quase não procuram mais investir ou arriscar em qualidade. A dicotomia entre vendagem e qualidade está cada vez mais acentuada, e a qualidade está perdendo feio. O que consola aquele que é ávido por boa música é que o talento resiste e não se deixa esmorecer diante das adversidades impostas pelo mercado e mesmo nos mais recônditos lugares de nosso país a boa música ainda floresce. E isso é maravilhoso porque em todas as regiões do Brasil descobrem-se diariamente novos talentos. Falo isso com conhecimento de causa e por conta da proposta que defendo neste espaço que aqui escrevo, pois a principal proposta do Musicaria Brasil é ir além do convencional, difundindo além dos grandes nomes de nossa música, os novos talentos.


Dentre esses novos nomes da MPB alguns são merecedores dos mais sinceros elogios por nos trazer trabalhos de extremo bom gosto. Por tal razão gostaria de trazer aos frequentadores desse nosso lugar o álbum de um carioca que vem apresentando um trabalho lindíssimo que enaltece não só o que há de mais requintado em nossa música mas também procurando nos trazer relevantes compositores, permeando diversas épocas dentro de nosso cancioneiro. É tanta diversidade, talento e bom gosto no trabalho do Ricardo Machado que chego a vicejar em meus olhos o dia em que o verdadeiro talento sobressairá as imposições vigentes no mercado da música.

Ricardo Machado tem em sua bagagem dois trabalhos anteriores a este que em minhas mãos chegou. São eles Corra e olhe o céu e Ricardo Machado Volume 02 que apesar de não ser trabalhos autorais são compostos por um repertório de primeira linha; procurando mostrar para o que veio este novo talento de nossa música popular brasileira. São trabalhos de repertórios extremamente abrangentes e que abordam compositores como Cartola, Haroldo Barbosa, Heitor Villa-lobos, Cassiano, João Bosco, Caetano Veloso entre outros.

Ricardo tem como ofício a profissão de dentista, mas aos 19 anos já participava do Coral da Universidade Gama-Filho. O coral e o prazer de cantar, fez com que Machado se deixasse levar pela fácil destreza que a música de boa qualidade tem em nos fazer apaixonar-se por ela, o fazendo gravar esses dois álbuns anteriores de músicas predominantemente brasileira e de inquestionável qualidade.

Neste terceiro álbum intitulado "A sombra confia ao vento" (título este extraído de uma das canções presentes no disco: Melodia Sentimental), Ricardo nos presenteia com um disco que procura adotar a mesma linha que vem desde o seu trabalho incipiente: a ênfase por belos arranjos e pela qualidade na escolha do repertório. Além de celebrar mais uma vez o seu encontro com o músico Ricardo Calafate. Este vem em parceria com Machado desde o lançamento do seu primeiro álbum, e neste mais recente trabalho Calafate assumiu diferentes etapas do processo de produção: produção artística, direção musical, arranjos, mixagem, masterização e regência, trazendo como resultado desta profícua parceria mais um excelente CD. Vale ressaltar que além de Calafate, há também a participação de gabaritados músicos como o mestre dos sopros Dirceu Leite, o baixista Augusto Mattoso, Rodrigo Jesus e Maria Clara Valle trazendo como característica um belo passeio por mais de 100 anos de música popular brasileira e trazendo compositores do gabarito de Cartola, Villa-lobos, Dolores Duran, Nelson Cavaquinho, Carlos Gomes, Chiquinha Gonzaga entre outros.

Procurando seguir uma ordem cronológica a primeira canção do álbum trata-se da modinha do século XIX intitulada "Se essa rua fosse minha", canção de autoria desconhecida (coisa comum na época) e que acabou ganhando o gosto popular ao longo dos anos até hoje. Uma curiosidade interessante sobre essa canção é que ela trata-se de uma declaração de amor explícita, o que, para os padrões morais do século de sua criação, era algo considerado indelicado. Para cair no gosto das classes mais altas do século XIX levou um tempo considerável. Em seguida, ainda no século XIX, vem uma composição de Carlos Gomes e Francisco Sampaio datada de 1859 intitulada "Quem sabe?". O álbum fecha o século XIX com a canção de Chiquinha Gonzaga "Menina Faceira", canção classificada como tango e datada de 1885.


Do século XX o álbum começa com outra modinha tradicional, lançada em disco pela primeira vez por Mário Pinheiro em 1906 chamada "A casinha pequenina" e de autoria desconhecida apesar de ser atribuída a três pessoas: Leopoldo Fróes, Pedro Augusto e Bernardino Belém apesar de nenhum deles jamais reivindicar a autoria da canção. O álbum segue com a composição parte integrante da peça Bachianas Brasileiras nº 2 de Villa-Lobos intitulada "Tocata" (popularmente conhecida como "O Trenzinho Caipira", de 1930). Esta melodia recebeu letra de Ferreira Gullar exatamente 45 anos depois.

Seguimos nossa viagem pelos trilhos de nossa história musical com o samba-canção "Serra da Boa Esperança" de 1937 e de autoria de Lamartine Babo e seguimos rumo a década de 50. Chegando nos anos 50 nos deparamos com o popular chorinho "Pedacinho do Céu" (Waldir Azevedo e Miguel Lima) (1951); a toada "Prece ao Vento" (1954); o conhecido samba composto por Nelson Cavaquinho, Alcides Caminha e Guilherme de Brito "A flor e o espinho" (1957); e dois clássicos de nosso cancioeiro datados de 1958: "Melodia Sentimental" (Dora Vasconcelos e Villa-Lobos) e "Castigo" (Dolores Duran).

O passeio musical de Ricardo Machado em "A sombra confia ao vento" termina na década de 70, onde depois de decorrer boa parte da história de nossa MPB ele entoa três grandes canções: "Sábado" (1970), composição de Fredera, integrante do extinto Som Imaginário; o clássico samba do Cartola intitulado "O Mundo é Um Moinho" (1976) e por fim "Toada" (Zé Renato, Cláudio Nucci e Juca Filho) de 1979.

O canto límpido, definido e pungente de Machado e seus conhecimentos em técnicas vocais o faz ficar a vontade diante desta gama de gêneros e ritmos presentes no álbum. Seguro de si e dos requintados arranjos de Ricardo Calafate este lhano trabalho sacramenta a ideia de que a música de qualidade e bem feita é atemporal. Dá prazer ao ouvir o disco. Como o próprio Ricardo define, o álbum é aquele que ele sempre quis gravar.

Enfim, Ricardo Machado é uma prova de que na nova geração da música brasileira ainda existe pessoas cujo o talento é inexorável. E para contextualizar com o conselho que gostaria de deixar para todos trago os versos do poeta português Fernando Pessoa que escreveu: "Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos". Procuremos sair da mesmice e ouvir novos talentos de nossa música, pois há muita coisa requintada nessa lavra de artista que vem surgindo ao longo desses últimos anos.


Conheça também:
http://ricardomachadosantos.blogspot.com
http://www.youtube.com/user/machadorick69

Contatos para aquisição do álbum e informações adicionais:

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