Por Joaquim Macedo Junior
SÉRIE DOSE DUPLA – CRÔNICAS SÁTIRAS E LETRAS JOCOSAS – “17.700”
Dezessete e Setecentos: que conta difícil prá daná!
Essa é uma das melhores da série. O acontecido é rotina do cotidiano. Questão de troco, aritmética rápida, somar e diminuir em dois tons.
A gente, nossa, lá de cima, adora um presepada, um embaraço, um pergunta charada, para, ‘quebrar o gelo’. Por isso, o dialeto lá do meu Nordeste é recheado de cifras e segredos.
Dia desses, me vi numa enrascada: há quase 40 anos aqui em São Paulo, vez por outra vem um vocábulo que está na memória mais ancestral. Eu disse: “Oh, Eva, tu tens um birilo para eu tentar futucar um buraco aqui e encontrar um pitoco” – Minha mulher, Eva, virou-se e aparvalhada, pediu: “Dá para repetir a frase inteira?. Eu só entendi a palavra buraco”.
É verdade que Evinha tem pequena deficiência auditiva, mas já nos entendemos pelo olhar. Pois bem, parece que o problema não foi nem futucar e nem mesmo pitoco. A questão foi a palavra que biliro, que confesso, não me lembro de pronunciar desde a infância. Minha avó, Maria, usava muito para fazer o cocó no cabelo.
Rápida no gatilho, minha mulher, agora com mania de google para cá, google para acolá, ameaçadora, disse: “Vamos ver se existe essa palavra!”, resmungou.
Ainda fiz um embargo declaratório: “Vá direto ao dicionário, que é o lugar correto de ser aprender o significado das palavras, mesmo os regionalismos”. Ela insistiu no ‘gugo’ e veio o metal berilo, por aproximação.
Insisti no dicionário – Aurélio, Houaiss, até Jânio servia -. O Michaelis resolveu: “birilo – (reg PB-PE) espécie de grampo para amarrar cabelo”.
Se estivesse jogando “forca”, estaria a um pé do cadafalso. Minha amada, então, só se ria. Salvei-mei pela convicção. Questão de memória afetiva, vocês entendem não é! Morrendo de medo…..
Afinal, ela não tinha birilo, nem grampo, não pude futucar, nem achar o pitoco (vernáculo eternizado nacionalmente pelo genial Antônio Nóbrega, que tem entre seus músicos um rapaz com esse singelo apelido).
Hoje, estou aqui para reproduzir aos senhores uma das canções que mais me encantam na série “Dose Dupla” – Crônicas, o humor, o jocoso etc.
Esse introito foi conversa de beira de calçada, ou de mesa de bar, que o encadeamento de ideias me impeliu registrar no papel.
Perdão, pois, se me alonguei. Mas, como diria Chicó, “tudo que disse acima é a pura expressão da verdade, embora não saiba nem dizer o porquê” (Ariano Suassuna).
A história da música “Dezessete e Setecentos” é longa e ensejará a feitura de mais um “Megaphone” que explicará, amiúde, os caminhos, inusitados por onde está canção de Luiz Gonzaga e Miguel Lima fizeram nos anos 1940. Trata-se, como citei acima de uma conta trivial de somar e diminuir, atrapalhada pela semelhança fonética das possibilidades de troco, para quem deu 20 mil réis para pagar 3 mil e 300…O jogo de palavras, a ligeireza, o contraponto de melodia e aliteração chegam as nos “embananar”. Eu já me embanenei….Ouçam com Gonzaga:
Dezessete e Setecentos, de Luiz Gonzaga e Miguel Lima,com Luiz Gonzaga –
Álbum “Chamego”, de 1958
Eu lhe dei vinte mil réis
Prá pagar três e trezentos
Você tem que me voltar
Dezesseis e setecentos!
Dezessete e setecentos!
Dezesseis e setecentos!…
Mas se eu lhe dei vinte mil réis
Prá pagar três e trezentos
Você tem que me voltar
Dezesseis e setecentos!
Mas dezesseis e setecentos?
Dezesseis e setecentos!
Porque dezesseis e setecentos?
Dezesseis e setecentos!…
Sou diplomado
Frequentei academia
Conheço geografia
Sei até multiplicar
Dei vinte mango
Prá pagar três e trezentos
Dezessete e setecentos
Você tem que me voltar…
É dezessete e setecentos!
É dezesseis e setecentos!
É dezessete e setecentos!
É dezesseis e setecentos!
Mas se eu lhe dei vinte mil réis
Prá pagar três e trezentos
Você tem que me voltar
Dezesseis e setecentos!
Mas dezesseis e setecentos?
Dezesseis e setecentos!…
Eu acho bom
Você tirar os nove fora
Evitar que eu vá embora
E deixe a conta sem pagar
Eu já lhe disse
Que essa droga está errada
Vou buscar a tabuada
E volto aqui prá lhe provar…
Você tem que me voltar
Dezesseis e setecentos!
É dezessete e setecentos!
É dezesseis e setecentos!…
Mas se lhe dei vinte mil réis
Prá pagar três e trezentos
Você tem que me voltar
Dezesseis e setecentos!
Porque dezesseis e setecentos?
Dezesseis e setecentos!…
Não, pera aí
Mas se lhe dei vinte mil réis
Prá pagar três e trezentos
Você tem que me voltar
Dezesseis e setecentos!
Mas porque
Dezesseis e setecentos?
Dezesseis e setecentos!…
Mas olha aqui rapá
Dezesseis e setecentos!
Dezesseis e setecentos?
Dezesseis e setecentos!
Mas não é dezessete e setecentos?
Dezesseis e setecentos!
Dezesseis e setecentos?
Dezesseis e setecentos!…
Então deixa
É por isso que não gosto
De discutir com gente ignorante
Por isso é que o Brasil
Não “progrede” nisso…
Aqui uma versão do grande Jackson do Pandeiro, mestre do coco, das emboladas, sambas, dono de grandes sucessos nacionais:
Sobre Miguel Lima, sabe-se que foi o primeiro grande parceiro de Gonzagão, antes mesmo de Humberto Teixeira. Os dois fizeram dezenas de parcerias, entre elas “Chamego”, gravado em 1944, por Carmem Costa.
As informações sobre sua origem e biografia são limitadas. Nem mesmo o “Dicionário de Ricardo Cravo Albin” consegue iluminar seus dados artísticos e biográficos…
Poderia ter recorrido a Abílio Neto, Bruno Negromonte, Xico Bizerra, Pelão e alguns mestres-pesquisadores amigos. Mas não deu tempo….
Semana que vem, tem mais….
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