Maestro Edson Rodrigues completa 60 carnavais
Para o maestro Carnaval do Recife perdeu seu diferencial
Por José Teles
Edson Rodrigues, maestro de duas épocas
“Um certo ar de erudição sem perder com isto as características de frevo de rua, indispensáveis à classificação no gênero”, o elogio, do maestro Mário Câncio, presidente da comissão julgadora do concurso de músicas carnavalescas, promovido pela prefeitura do Recife em 1965. Ele se referia ao frevo de rua Duas Épocas, que levou o primeiro lugar no certame, composto pelo saxofonista Edson Rodrigues, então com 23 anos, integrante da Banda de Música Municipal do Recife. 49 anos depois ele seria um dos sete maestros do frevo que protagonizam o elogiado documentário Sete Corações, de Déa Ferraz (2014).
Duas épocas tornou-se um dos clássicos do repertório do frevo instrumental, uma composição inovadora: “Devo a inspiração desta música à minha vó. Ela gostava de carnaval, minha família era muito festeira. Meu pai também gostava, e me levava pra cidade para ver o Carnaval. Minha vó falava dos carnavais do tempo dela, quando jogavam serpentina, getone. Comecei a pensar no carnaval dela, e veio a melodia meio valsa. A primeira parte do frevo é saudosa, lírica, fiz o carnaval da minha vó. A segunda parte é o carnaval que eu estava vivendo. É um frevo mais solto, pro passista pular. Clóvis Pereira fez um arranjo que Antonio Nóbrega gravou. Um amigo meu, que está em Portugal, me mandou esta gravação, com um arranjo meio erudito, de Clóvis”, conta o maestro.
Formado em jornalismo, e Geografia, Edson Rodrigues é também um estudioso do frevo, já assinou muitos artigos sobre o tema, e como quase todos os seus contemporâneos critica o modelo adotado para o Carnaval da capital pernambucana: “Sempre achei o Carnaval do Recife ímpar, porque a gente só fazia frevo, e dava uma colher de chá pras marchinhas cariocas e o samba. Hoje em dia estamos fazendo aqui o que fazem na Bahia, até pior. Aqui nós temos DJ, forró até uma tenda high-tech no Carnaval. Acho que o Carnaval está perdido. Estamos perdendo o diferencial, está um carnaval sem graça. O cara sai do Rio de Janeiro para vir curtir no Recife um carnaval baiano. Dona Ivone Lara veio fazer o Carnaval aqui. Eu vi, às duas horas da manhã, ela cantando para dez pessoas diante do palco. Quando saiu que eu subi com a orquestra só tinha a gente da orquestra e o pessoal que trabalhava no palco”.
Recifense, de Campo Grande, Edson Carlos Rodrigues completa em 2017, 60 carnavais. Mal entrando na adolescência, já animava a folia na rua: “Meu primeiro carnaval foi em 1957, tocando com João Santiago, o Mestre Joca, nas ruas de Peixinhos e Bairro Novo, no Marim dos Caetés, e em Peixinho na troça Carnavalesca Realce, de Celestino Rosas. Comendo muita poeira, com 15 anos. Como músico comecei na banda da escola industrial, da Encruzilhada, que tocava na parada da juventude, no dia 5 de setembro. O maestro preparava dois dobrados para a gente tocar neste dia. Foi assim que começamos eu, Ademir Araújo, Zé amaro e tantos outros”. relembra Edson.
Ele é citado pelo maestro Ademir Araújo como seu professor, na recém-lançada biografia Maestro Formiga - Frevo na Tempestade, de Carlos Eduardo Amaral: “Quando começamos a estudar música, começou a se falar na criação de uma banda municipal, era uma possibilidade de emprego, e todo mundo queria entrar, mas precisávamos estudar mais teoria. Quando veio este concurso, fomos procurar um músico, o tenente José dos Prazeres, ele foi nosso professor de música. Nos ensinava por uma quantia irrisória, foi com a preparação que ele fez que passamos. Ademir tinha um problema de solfejo, e eu de intervalo. Ensinei solfejo a ele, e ele me ensinou intervalo. Então se ele diz que eu sou professor dele, e eu digo que ele foi meu professor”. E também parceiros, concorreram, em 1966, no concurso de músicas carnavalescas com Maracatu de Saída.
Até Claudionor Germano criar a figura do cantor de frevo, o autor era o que importava. Um frevo gravado era de tal compositor, não do cantor, como acontece já tem muitos anos. Músico, quase obrigatoriamente, tornava-se compositor. Edson Rodrigues cita, meio cabreiro, suas primeiras tentativas na composição: “A primeira música foi uma coisa maluca, besta, falava numa fantasia de papel azul (cantarola), ‘Este ano vou fazer uma fantasia de papel azul/tomara que não chova/ nem no norte nem no sul”. Uma coisa tão pueril que até hoje me lembro dela”.
Com Duas Épocas ele delimitou seu espaço na geração de novos autores de frevo e maracatu, com direito a participação no disputado catálogo carnavalesco da Rozenblit: “Lá eu entrei mais como saxofonista, mas fazia alguns arranjos quando acontecia de um compositor, menos famoso, e não poder pagar a Nelson Ferreira para fazer. Mas eram trabalhos esporádicos. passei a fazer mais depois do Frevança. Quem me deu muito apoio foi Clóvis Pereira no Canal 2 (TV Jornal) e Zé Menezes no Canal 6 (TV Rádio Clube), viajei com ele para São Paulo quando fez a antologia do frevo. Com Clóvis Pereira trabalhei em alguns discos do Baile da Saudade.
Rozenblit trabalhei lá com Clóvis pereira, quando ele fez Baile da Saudade, fiz alguns arranjos quando acontecia de um compositor menos famoso furara fila e não poder pagara Nelson Ferreira para fazer arranjos, Lá em Rozenblit eu entrei mais como saxofonista, e fazendo arranjos esporádicos. O cara que me deu muito apoio no início foi Clóvis Pereira no canal 2, e Zé Menezes no Canal 6, quando ele fez a antologia do frevo”, conta Edson Rodrigues, que entrou no suplemento do selo Mocambo, da Rozenblit, em 1967, com o frevo de rua Recordando Palmares, faixa do álbum Ouvindo a Banda Frevar.
O “banda” no título do LP é referência óbvia ao sucesso do momento, A Banda, de Chico Buarque. Há 50 anos, bandas de músicas ainda eram bastante prestigiadas, o maestro aproveita a citação às bandas para um comentário: “O frevo e o choro são as duas únicas musicas puramente instrumentais no Brasil. As bandas de música tocavam o frevo, e os arranjos eram feitos pelos seus maestros. O ensino de música foi sendo deixado de lado nas escolas, e as bandas de música de hoje não tem mais aquela força, aquele vigor, de antigamente, de Zuzinha, de Garrafinha, no Rio. Passamos a não ter uma boa formação musical”.
Mas aponta exceções na obrigatoriedade do frevo ser uma música que exige ao autor que leia música, e que entenda de arranjos e orquestração. Cita como exemplo, o compositor olindense Lídio Macacão (Lídio Francisco da Silva, 1892/1961), autor de um clássico do frevo instrumental, Três da Tarde. Analfabeto, Lídio Macacão, segundo Edson Rodrigues, solicitou que o maestro Zé Menezes passasse a música para a partitura. Menezes foi também o autor do arranjo, e mandou a música para o Rio, onde foi gravada pelo maestro Zacarias, e lançada em um 78rpm, em 1950.
RODA E AVISA
Com o frevo canção cada vez mais se impondo no Carnaval pernambucano, não apenas da Rozenblit, mas dos muitos selos independentes (ou particulares, como se dizia então), forma poucos os frevos instrumentais que fizeram sucesso depois dos anos 60. O maior sucesso da carreira de Edson Rodrigues só aconteceria em 1989, com Roda e Avisa, um dos maiores sucessos carnavalescos da obra gravada por Alceu Valença, uma composição que geralmente é atribuída apenas ao parceiro J.Michiles, autor da segunda parte do frevo.
O maestro conta que era fã de Abelardo “Chacrinha” Barbosa que, para ele, carnavalizava as tardes do sábado no Brasil: “Eu tinha o hábito de ver o programa de Chacrinha. Já falava dele na década de 70, numa música minha. Eu estava em casa no sábado à tarde, quando anunciaram a morte de Chacrinha, na hora fiz a primeira parte (canta um trecho da música). Fiz letra e música. Na outra semana, Michiles passou lá em casa, mostrei a ele a parte que tinha. E pedi pra ele completar. Ele foi muito feliz a segunda parte. Inscrevemos no Frevança, e a música nem sequer foi classificada. Como Michiles é um furão danado foi até Alceu, que ouviu a música, era doido por Chacrinha, e disse que queria gravar”.
A introdução de Roda e Avisa, aponta Edson Rodrigues, aproveita o tema da Discoteca do Chacrinha (do maestro pernambucano Guio de Moraes): “Peguei os dois primeiros compassos, e mudei. Pra não ficar caracterizado o plágio, fiz uma citação. Digo sempre que a introdução é a impressão digital da música. Se a introdução marca, onde quer que você a ouça vai lembrar da música. Duda fez um arranjo arretado. Roda e Avisa pipocou. Foi a música que mais me deu dinheiro”, diz o maestro, que poderia continuar faturando com um dos mais tocados frevos do Carnaval pernambucano, mas que lhe rende uma ninharia, pelo descaso que se tem no Norte e Nordeste ao pagamento de direitos ao autor:
“De vez em quando me chega uma mixaria. De três em três meses, ganho 80 reais. Vem até de 17 reais. Antes havia um cara da UBC que fazia um rol das músicas executadas, e mandava pro Ecad. Hoje em dia o Ecad manda quanto quer mandar”
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