PROFÍCUAS PARCERIAS

Gabaritados colunistas e colaboradores, de domingo a domingo, sempre com novos temas.

ENTREVISTAS EXCLUSIVAS

Um bate-papo com alguns dos maiores nomes da MPB e outros artistas em ascensão.

HANGOUT MUSICARIA BRASIL

Em novo canal no Youtube, Bruno Negromonte apresenta em informais conversas os mais distintos temas musicais.

sexta-feira, 31 de maio de 2019

CANÇÕES DE XICO


DOR DE FLOR


Um amigo meu disse sofrer de árvore. Ele sempre acorda com pássaros pousados nos cabelos desgrenhados solfejando ventos, declamando brisas e cantando tempestades. Disse-lhe que essa dor eu quero ter. Sofrer de árvore é tão doce como padecer de flor, coisa que bem conheço por comigo acontecer sempre. E desperto cantando aromas e cheirando amores, misturado com sorrisos alegres. Outro dia senti dores de mar. Ondas e marés suaves e ternas embalaram meu despertar e ensolararam meus pés ansiosos por andar, de areia em areia, até o paraíso de uma floresta verde enfeitada por rios e riachos, árvores e frutos, borboletas e pirilampos. E fui ao encontro do padecimento que só encontro na flor. E se me aparece um analgésico, eu o enterro no primeiro jardim, perto da roseira mais bonita. Deixem-me a dor de flor …

DVD DE NORMAL JÁ BASTA OS OUTROS (MARIA ALCINA)

quinta-feira, 30 de maio de 2019

GRAMOPHONE DO HORTÊNCIO

Por Luciano Hortêncio*





Canção: Imperatriz

Composição: Estanislau Silva - Jaime Florence (Meira)

Intérprete - Gilberto Alves

Ano - 1941

Álbum - Odeon 12.043-A



* Luciano Hortêncio é titular de um canal homônimo ao seu nome no Youtube onde estão mais de 10.000 pessoas inscritas. O mesmo é alimentado constantemente por vídeos musicais de excelente qualidade sem fins lucrativos).

MEMÓRIA MUSICAL BRASILEIRA

Fátima Guedes (EMI-Odeon) (1979)

Resultado de imagem para Fátima Guedes (EMI-Odeon) (1979)



FÁTIMA GUEDES – EMI-Odeon – 1979 / Arranjos: Gilson Peranzzetta e Oscar Castro Neves Faixas: ONZE FITAS / ESSE SOL / PREVISÃO DE AMOR / MENINAS DA CIDADE / CARA A MÁSCARA / CACHORRO MAGRO / FULANO, BELTRANO E SICRANO / PASSIONAL / MADAME / NOTÍCIAS DE MIM Músicas e letras de autoria de Fátima Guedes


quarta-feira, 29 de maio de 2019

ELOQUÊNCIA, ESTILO E BOM GOSTO DESTACAM “GROOVES IN THE EDEN", O MAIS RECENTE TRABALHO DE JORGE PESCARA

Musico paulista volta ao mercado fonográfico com um álbum uníssono em sua proposta de combinar distintos elementos e gêneros que englobam do jazz ao pop, do r&b (entre outros gêneros) à música brasileira.

Por Bruno Negromonte



É público e notório que o contrabaixo é o mais grave dos instrumentos de cordas existente. Surgido ao longo do século XV, a partir da evolução de outros instrumentos, e objetivando atender a necessidade de reproduzir as partes graves das músicas de uma forma mais nítida e perceptível, o instrumento nessa época, digamos, mais "rudimentar", possuía apenas três cordas (a adoção de quatro cordas só se deu a partir do século XIX). No entanto, devido as suas proporções e a dificuldade de locomovê-lo, o instrumento não caiu no gosto dos músicos da época, sendo restrito e pouco convencional a sua utilização. Só na metade do século XX, na década de 1950, o luthier Leo Fender resolveu o problema criando o famoso baixo elétrico, o que acabou facilitando não apenas o transporte deles, mas também a popularização de estilos musicais que o absorveram de modo bastante orgânico. Em nosso país a coisa não é diferente, o Brasil é detentor de alguns dos maiores nomes da música instrumental, dentre eles alguns baixistas que souberam deixar como legado não apenas métodos e técnicas, mas acima de tudo o respeito no universo da música. E quem afirma isso não sou eu, mas alguns dos maiores especialistas em música do planeta. Nomes como o do já saudoso Arthur Maia (falecido precocemente aos 56 anos em Niterói ao fim do ano passado), o do seu tio Luizão Maia, que ao longo de sua carreira acompanhou, em shows e gravações, relevantes nomes não apenas da música popular brasileira como também conceituados artistas internacionais a exemplo de Janis JoplinLee RitenourToots ThielemansGeorge Benson entre outros. Outro exemplo, Nico Assumpção, que também faleceu precocemente aos 46 anos, talvez seja o outro elemento que forma a tríade mais popular quando nos referimos a este tipo de instrumento em nosso país. 



Contemporâneo desses nomes mais populares, Jorge Pescara sedimentou a sua carreira no cenário contemporâneo do jazz e do rock progressivo e hoje é considerado um dos baixistas brasileiros de maior expressividade no cenário musical não apenas do país, mas também do Exterior. Atualmente, integrante do grupo da cantora Ithamara Koorax com quem já gravou diversos discos (a exemplo do “Brazilian Butterfly”, do “Got To Be Real” e do “Love Dance”) e excursionou pelo mundo em países como Finlândia, Portugal, França e Coreia do Sul. Baixista, compositor e arranjador, Jorge Pescara traz em sua biografia o compartilhamento do palco com expressivos nomes a exemplo de Eumir Deodato, Paulo MouraCelso FonsecaDom Um RomãoJosé Roberto BertramiMario Castro Neves, Luiz Bonfáo guitarrista japonês Mamoru Morishita, os compositores portugueses Fernando Girão e Paco Bandeira, a banda prog metal norte-americana The Unified One, dentre vários outros. Essas experiências não apenas embasaram a sua arte, mas também contribuíram de modo decisivo para entroncar e substanciar aquilo que hoje podemos ouvir a exemplo dos aclamados Grooves In The Temple” (que lançado em 2005 pela  Voiceprint Records traz releituras para canções como "Power of Soul" do Jimi Hendrix "Kashmir" do Led Zeppelin; além de uma ode a alguns nomes da música instrumental brasileira a exemplo de Arthur Maia ("Funchal"), Deodato ("Black Widow") e Luiz Bonfá ("Sofisticada")) e Knight Without Armour”, álbum batizado com o mesmo título de um drama histórico britânico de 1937 estrelado por Marlene Dietrich e Robert Donat.

O mais recente trabalho, "Grooves in the Éden", terceiro em sua discografia solo, mesmo confluindo com outros elementos sonoros não deixa de ser, digamos, orgânico. A força e a expressividade do instrumento se faz presente e assim, como nos projetos anteriores, o músico apresenta um misto de releituras e canções inéditas. Presente no álbum recriações para sucessos de nomes como Brecker Brothers (“Song For Barry”), Deep Purple (“Smoke On The Water”), Earth Wind & Fire (“Brazilian Rhyme”), The Beatles (“Come Together”) e Freddie Hubbard (“Povo”). Dentre as faixas inéditas estão algumas da lavra do músico como "Ao Cósmico", "Azymuth Men" (homenagem ao trio Azymuthem especial a seu saudoso fundador José Roberto Bertrami que faleceu em 2012 e com quem Pescara tocou por mais de 10 anos), "Plato's Dialogue: Critias" e "Plato's Dialogue: Timaeus" (ambas em parceria com o saudoso multi-instrumentista Gaudencio Thiago de Mello), uma parceria com o não menos saudoso percussionista Laudir de Oliveira ("Macumbass") e a faixa que batiza o álbum, "Grooves in the Éden", escrita em homenagem ao maestro Bob James, trata-se de outra parceria do baixista, desta vez com Glauton Campellorequisitado músico de estúdio e de requintada musicalidade falecido em fevereiro de 2018. Na tecitura sonora deixam, cada um ao seu modo, a sua assinatura musical nomes como Claudio Infante, o baterista franco/português David JeronimèAndré SachsRoberto SallaberryPaulinho Blacko celista italiano Davide Zaccaria dentre outros.

Em síntese é isso: Jorge Pescara mostra-se um verdadeiro alquimista sonoro ao saber fazer dos seus projetos fonográficos um belo cartão-postal musical, onde as peculiaridades que marcam a nossa música popular brasileira fazem-se presente em cada faixa, onde gêneros confluem de modo positivo a favor do estilo e bom gosto ao mesclar-se com distintos elementos ora na sonoridade inebriante do jazz, ora na força do rock, do pop, do funk, ou do r&b. Assim como seus discos anteriores, Grooves In The Eden” transcende rótulos e estilos e, apresentando uma fusão única e inovadora, reitera a prova inconteste de que os pioneiros baixistas da música popular brasileira fizeram escola e deixaram pomposos frutos para música brasileira contemporânea com reconhecimento mundial como é o caso de Pescara e os seus álbuns, que chegam ao Brasil via Tratore, mas tem por propósito atender a ânsia do público internacional. Tanto que o mais recente trabalho saiu a princípio pela gravadora Jazz Station Records, de Los Angeles.



MPB - MÚSICA EM PRETO E BRANCO

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Maria Bethânia

terça-feira, 28 de maio de 2019

LENDO A CANÇÃO

Por Leonardo Davino*


O mergulho

No texto “Experiência e pobreza” (1933), Walter Benjamin questiona “qual o valor de todo o nosso patrimônio cultural (e da riqueza sufocante de ideias) quando a experiência já não o vincula a nós?”. É do lugar dessa barbárie que surge a voz de Lira. Sem crença em redenção messiânica, essa voz interrompe o curso do mundo mercantil individualista, solitário e mimado pelo fetiche de inovação.
Desde sempre, essa voz assumiu o papel de mediador entre a lama e o beat (bit), entre o cantador (rural) e o cantor (urbano), entre o passado (tradição) e o contemporâneo (tradução). Lira enfrenta com coragem de verdade o processo de depauperação (empobrecimento) da experiência, ao fazer emergir de dentro da produção industrial de música, ecos de sonoridades que resistem ao tempo. Nega-se a pobreza, afirmando a experiência dessa existência sequestrada da cultura.
A palavra cantada em Lira sempre roçou a entonação da voz dos cantadores de feiras livres, repentistas, cordelistas. A palavra cantada em Lira é palavra forjada numa cena que (re)vitalizou uma cultura, apresentando essa cultura essencialmente oral a uma geração que, essencialmente video-cêntrica, na certa não atentaria para essa beleza. Mas aqui não há uma “sobrevalorização do arcaico”, como denunciou Adorno leitor de Benjamin a respeito das rememorizações na Modernidade. Há, sim, uma devoração do arcaico, em Lira.
A voz de Lira – palavra falada em ritmo de canto-declamação, nunca um canto educado no gosto do mercado – avança contra o movimento domesticador dos corpos. A voz de Lira não se adaptou aos procedimentos autômatos da indústria, apontando para uns brasis que existem e merecem escuta, com seus sotaques distintivos, seus jeitos de corpos agregadores. E, o mais importante, o olhar lançado por Lira para esse interior não é de piedade (pelas perdas), e sim de devoração, de incorporação dessas experiências em processo de perdas. Vem daí o vigor de suas apresentações ao vivo: da coragem de enfrentar esse patrimônio silenciado pela cultura escrita, ora estigmatizadas como inferiores, ora folclorizadas como objeto exótico de antigo museu. “Nós vamos pela margem da cidade / A linha de montagem desligada / Silêncio”, canta.
A carnavalização bakhtiniana que Lira promove nos extratos sonoros que ele manipula revela sua intenção de apropriação da experiência como integração do “novo” com a “tradição”: tudo fica suspenso. Isso está sugerido na letra de “O Mergulho” (Lira): “Andar nos fios que ligam as estrelas / Capacidade de mudar as coisas / Ouvir do velho como faz o novo / e cantar”. Eis a síntese do trabalho que Lira vem desempenhando na canção brasileira.
Nesse sentido, o disco O labirinto e o desmantelo (2015) surge como ápice de um projeto estético gestado e desenvolvido desde sempre. Equilibrando a potência da poesia falada com as experimentações melódicas dos instrumentos, Lira reforça sua verve de declamador vigoroso de paixões. A maioria das letras canta um querer urgente baseado em memórias coletivas (“Afinal chega o tempo de atacar a paz”) e privadas (“Agora o plano é te fazer feliz / Correr nos tubos do teu coração”). Em Lira, a primeira pessoa do singular é, na maioria das vezes, primeira pessoa do plural. O eu é nós. A lírica de Lira evoca sentimentos comuns, gera comunidade: “a forma secreta vibra como o mar / em ondas caladas”.
Lira é um ouvidor dessas ondas. E um leitor de poesia: os versos “Eu moro dentro de um relógio / Na torre no alto / Movendo o ponteiro das horas” estabelecem diálogo com “Sem ti é como olhar para um relógio / Só com o ponteiro dos minutos”, do “Monólogo de Orfeu”, de Vinicius de Moraes. Orfeu e Lira. Lira de Orfeu. Lira como um Orfeu que encanta as montanhas do Jabitacá.
O artista avança, pesquisa. A contenção no uso do verbo, o lapidar das palavras é característica que diferencia o Lira de O labirinto e o desmantelo do Lirinha que pinçou da poesia cerebral de João Cabral de Melo Neto a profusão verbal de “Os três mal-amados”: “(...) O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato (...)”.
Por outro lado, é esse amor à palavra que faz Lira declamar “A fábrica do poema” (outrora musicado por Adriana Calcanhotto), de Waly Salomão, nos espetáculos da turnê do disco: “Sonho o poema de arquitetura ideal / Cuja própria nata de cimento / Encaixa palavra por palavra (...) Acordo / E o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo”. Em harmonia com essa imagem, Lira cantará: “Eu sou o homem que te conheceu / e nesse dia mergulhou num sonho (...) verdade, eu nunca acordei”.
“Eu voltei pra replantar a tua memória”, Lira já cantou. Tenho cá pra mim a impressão de que Benjamin aqueceria as ideias ouvindo Lira cantar esses sujeitos líricos repletos de “lembranças desiguais”, vindas de um recanto íntimo e público: “Faço uma nova lembrança no mesmo lugar”.As memórias que a voz de Lira carrega filtram saberes. E “todo filtro é santo”, assim como o canto de Lira é ritual de imersão num tempo preservado na memória (“cercada de poeira”) do canto do povo de um lugar: mesmo retirante – transplantado do rural para o urbano. “A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorreram todos os narradores”, anotou Benjamin (“O narrador”, 1936). Creio que é isso que Lira reafirma ao cantar que “quem sabe é pra sempre”.


***

O Mergulho
(Lira)

Eu quero
Eu quero você

Eu sou o homem que te conheceu
e nesse dia mergulhou num sonho
Nadava, passava em você
Paisagem clara que se desmontava
Passagem rara por canais brilhantes
Verdade, eu nunca acordei

Quero soprar teu calor

Agora o plano é te fazer feliz
Correr os tubos do teu coração
Tocar além, cicatrizar o chão
e sonhar

Andar nos fios que ligam as estrelas
Capacidade de mudar as coisas
Ouvir do velho como faz o novo
e cantar







* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".

ATAÚLFO ALVES, 110 ANOS

segunda-feira, 27 de maio de 2019

PAUTA MUSICAL: SAMBA 100% - ATAULFO ALVES E ISMAEL SILVA

Por Laura Macedo



Ataulfo Alves (1909-1969) e Ismael Silva (1905-1978) considerados ícones do samba são as estrelas deste raro álbum da gravadora Sinter, lançado em 1959. Eles interpretam suas próprias composições em 14 faixas, uma face do disco para cada artista. Confiram algumas: “Meu lamento” (Ataulfo/Jacob do Bandolim) / “Saudade dela” (Ataulfo Alves) / “Se você jurar” (Ismael Silva/Nilton Bastos/Francisco Alves) / “Novo amor” (Ismael Silva).

FABIANA COZZA DESABAFA SOBRE POLÊMICA QUE A TIROU DE ELENCO DE MUSICAL

Cantora traz a BH show de seu disco em homenagem a dona Ivone Lara e diz que "erraram o alvo" quando a atacaram por ser "branca demais" para interpretar a sambista em espetáculo biográfico

Por Ana Clara Brant 



Marcos Hermes/Divulgação (foto: Marcos Hermes/Divulgação)


Discos-tributo não são uma novidade no mercado fonográfico. Somente neste ano já foram lançadas as homenagens de Nando Reis para Roberto Carlos, Roberta Sá para Gilberto Gil, Nana Caymmi para Tito Madi, e Mart’nália para Vinicius de Moraes. Embora sejam todos álbuns de qualidade, talvez nenhum deles tenha a propriedade de Canto da noite na boca do vento (Biscoito Fino), que Fabiana Cozza dedica a Dona Ivone Lara (1922-2018).

Além de ter tido a Rainha do Samba como sua principal influência, a cantora paulista conviveu com Dona Ivone, dividiu com ela palco e estúdio e teve o aval da mestra para interpretar seu papel num outro tributo, um musical biográfico. No próximo sábado (3), Fabiana traz a Belo Horizonte o show do disco, no qual tem a companhia de Alessandro Penezzi (violão), Henrique Araújo (cavaquinho e bandolim) e Douglas Alonso (percussão).

Das 14 faixas do álbum, apenas uma inédita é inédita e não leva a assinatura da homenageada. A dama dourada, parceria de Vidal Assis e Hermínio Bello de Carvalho, é também o nome de um show que Fabiana Cozza, de 43 anos, fez pouco antes da morte de Dona Ivone Lara. “Pedi para que eles fizessem essa composição que fala sobre ela e da minha relação com Dona Ivone também”, conta. A canção ganhou o charme adicional do sax alto de Nailor Proveta.

O nome do CD foi uma sugestão do escritor Marcelino Freire, amigo da cantora, e é um verso tirado de Sonho meu, sucesso de Dona Ivone Lara não incluído no repertório do álbum. Não que os hits não estejam no disco, mas Fabiana Cozza também quis privilegiar um lado B da dama do samba. “Alessandro Penezzi e eu nos debruçamos sobre várias obras. A gente ouvia e ia se apaixonando pelo repertório. Eu quis trazer algumas parcerias importantes da vida dela, com Délcio Carvalho, Ney Lopes, Paulo César Pinheiro, Mano Décio, o próprio Hermínio, Jorge Aragão, Arlindo Cruz, por exemplo, e também composições que ela fez sozinha”, comenta.

Não faltaram clássicos como Alguém me avisou (Dona Ivone Lara) e seus versos “Eu vim de lá/ eu vim de lá pequenininho”, que contou com a participação especial de Maria Bethânia. “Não teria ninguém melhor pra cantar essa música. Bethânia imortalizou essa canção. Ela, carinhosamente, escreveu o texto de apresentação do meu disco Partir (2015) e, desde então, nos aproximamos. Maria Bethânia é uma pessoa que me inspira diariamente. Eu me dei de presente essa participação (risos)”, diz.

Outro convidado do disco é Péricles, que faz dueto com Fabiana em Adeus timidez (parceria de Dona Ivone Lara com Arlindo Cruz). “Eu queria alguém de São Paulo, pelo fato de eu ser daqui também. Péricles tem uma qualidade rara, porque ele é um artista que consegue cantar de tudo e muito bem.”

Estão ainda no repertório canções mais do que atuais, como Liberdade (feita com Délcio Carvalho) – “Liberdade, desfrutei. Conheci quando na minha mocidade/ A ternura de um amor sem falsidade/E confiante sempre na felicidade/E eu cantava, sentia tudo que sonhei”.

“Como eu não iria cantar essa música, ainda mais neste contexto que estamos vivendo? Dona Ivone colocou o amor na frente de tudo; ela e esses outros compositores que estamos interpretando defendem não só a liberdade, mas a delicadeza, acenam para o amor. Não tem ódio nem maldade; só beleza.”



INSTRUMENTOS

Ouvir o outro Na faixa que abre o disco, Meu samba é luz, é céu, é mar (Dona Ivone Lara e Délcio Carvalho), Fabiana Cozza canta praticamente a capella. Ao fundo, só se ouve o reco de Douglas Alonso. E é assim em praticamente todo o disco. Os instrumentos atuam como coadjuvantes e os arranjos são simples, o que ressalta a potência e o timbre da voz da cantora.

A cantora diz que sua intenção era colocar uma lupa sobre as melodias de Dona Ivone Lara. “Queria essa coisa acústica, quase ao pé do ouvido. É um trabalho para valorizar a voz, a melodia e a letra. Na roda de samba, tem tanta coisa acontecendo que muita coisa se perde. Neste momento social em que ninguém ouve ninguém, não só no sentido da audiologia, mas do ponto de vista metafísico e filosófico, eu propus escutar o outro. E a gente precisa de um ouvinte amoroso”, afirma.

Em relação à ausência de diálogo e compreensão, Fabiana Cozza admite ter ficado chocada com a polêmica em que se viu envolvida no ano passado, quando foi anunciada como intérprete de Dona Ivone Lara no musical sobre a sambista. Filha de pai negro e mãe branca e neta de avós negros, aliás, mineiros de Conquista, no Triângulo, Fabiana recebeu duras críticas por ser “clara demais” para o papel.

“Levantar essa questão do colorismo (termo que correlaciona a quantidade de melanina da pele ao preconceito que se sofre) é importante, sim, e algumas pessoas debateram de uma forma muito adulta. Mas algumas coisas me assustaram muito e me deixaram triste. Elegeram um alvo para aniquilar e tentaram destituir essa pessoa do lugar de reconhecimento e de existência dela. Eu me assumir como mulher negra não foi um modismo, foi uma construção. Quiseram simplesmente destituir o lugar e o território do qual o indivíduo se reconhece e se afirma”, diz.

Outro ponto que a incomodou foi o tom raivoso e cheio de ódio de várias pessoas que se manifestaram sobre o assunto. Muitas passaram a atacá-la, mesmo sem saber de quem se tratava. “O que mais tinha era gente que não conhecia a minha trajetória, o meu trabalho e a minha ligação com o samba e Dona Ivone e saiu me criticando. Infelizmente, isso é fruto de um momento em que os ânimos estão muito alterados, onde existe uma polarização e uma radicalização dos discursos. As pessoas estabelecem suas ideias como verdades de uma maneira muito autoritária”, diz.

Em meio à polêmica, Fabiana Cozza decidiu renunciar ao papel, para o qual tinha tido o aval da própria Dona Ivone Lara. “Renuncio por ter dormido negra numa terça-feira e, numa quarta, após o anúncio do meu nome como protagonista do musical, acordar ‘branca’ aos olhos de tantos irmãos”, desabafou em uma longa carta. Ela diz ter desistido do projeto acreditando que o episódio poderia gerar uma discussão sobre essa questão do multicolorido.

“Eu esperava que essa história fosse servir para nos unir em torno de uma mesa, cara a cara, para pensarmos juntos espaços de representatividade para todos nós. Mas, quando renunciei, a coisa morreu. Sou uma artista independente, que paga seus discos, que batalha para gravar Dona Ivone Lara, Wilson Moreira. Não estou me fazendo nem me fiz de vítima, mas o alvo foi errado e estamos dando munição ao inimigo. Se não nos unirmos, vamos perder o Brasil, porque estamos virando algozes de nós mesmos. Por isso, a única coisa que posso fazer é responder com arte. Este é o meu lugar.”


A FALA E O SORRISO

Antes mesmo de pensar no nome do disco, Fabiana Cozza recebeu a ideia da capa idealizada pelo artista gráfico Elifas Andreato, que traz uma boca vermelha num fundo escuro. “Ele me mandou e disse que eu não ia gostar. Mas achei que aquela imagem tem um poder de síntese tão grande e acabou se casando tão bem com o nome do projeto, Canto da noite na boca do vento. Ela representa o negro da noite, a negritude e a boca que canta; é o lugar da fala, do sorriso, o vermelho do sangue. Elifas é um gênio”, diz.

domingo, 26 de maio de 2019

NO RITMO DO SAMBA, JARDS MACALÉ INDAGA O TEMPO DA 'BESTA FERA'

Cantor e compositor lança nesta sexta (8) seu primeiro álbum de inéditas em 20 anos e diz que disco traz 'faixas que fazem barulho, mas foi construído no silêncio'

Por Mariana Peixoto 



“A ignorância dos homens destas eras/Sisudos faz ser uns, outros prudentes/Que a mudez canoniza bestas feras.” É sob o som do cavaquinho de Rodrigo Campos (Passo Torto) e do saxofone de Thiago França (Metá Metá) que Jards Macalé, de 75 anos, entoa os versos de Gregório de Matos. Na adaptação de Macalé, o poema Aos vícios, do maior poeta barroco que o Brasil já teve, se tornou Besta fera. É esse também o título de seu novo álbum, o primeiro de canções inéditas em 20 anos.

Com lançamento nesta sexta-feira (8) em todas as plataformas digitais – e com edição em CD e vinil – pela Natura Musical, Besta fera é um disco primordialmente de samba. Mas um samba torto, ao sabor de Macalé e da trupe que ele reuniu para o projeto. O álbum, com 12 faixas, teve direção do próprio compositor carioca, produção musical de Kiko Dinucci (também do Metá Metá) e Thomas Harres e direção artística de Rômulo Fróes.

No intervalo das duas décadas entre O q faço é música (1998), até então seu mais recente trabalho com canções inéditas, e Besta fera, Macalé continuou na ativa. De três em três anos, em média, lançou discos – com registros como intérprete, ou discos ao vivo, ou ainda projetos coletivos. Também foi visto constantemente nos palcos.

Nos últimos dois anos, encontrou-se em festivais Brasil afora com alguns dos músicos e produtores envolvidos na realização do disco – boa parte deles, por sinal, atuou nos discos Mulher do fim do mundo (2015) e Deus é mulher (2018), de Elza Soares. Thomas Harres, baterista de sua banda, convidou-o para um show experimental no Rio, ao lado de Kiko Dinucci. O terreno estava montado, conta Macalé, para fazer um novo trabalho com um grupo “paulioca”. A maioria dos envolvidos é de São Paulo; Macalé, carioquíssimo da Tijuca.

BARULHO “Este disco traz faixas que fazem barulho, mas ele foi construído no silêncio”, conta o compositor. Dono de um sítio em Penedo, na Serra da Mantiqueira, Macalé convidou Dinucci e Harres para uma imersão no local. A maneira de trabalhar foi semelhante à que experimentou, em 1998, com o pianista Cristóvão Bastos, arranjador de O q faço é música. E voltando ainda mais no tempo, para seu primeiro álbum solo, Jards Macalé (1972), reuniu-se durante três semanas com o baterista Tutty Moreno e o guitarrista Lanny Gordin no porão do Teatro Opinião, no Rio.

“A ideia é sempre chegar no estúdio com o trabalho semipronto”, comenta. Para Besta fera, houve um convite para que compositores enviassem letras. Dessa maneira, o trabalho traz parcerias de Macalé com Ava Rocha (Limite) e Tim Bernardes (Buraco da Consolação). Do encontro no sítio em Penedo saíram Vampiro de Copacabana (com Kiko Dinucci), Meu amor e meu cansaço (com Harres, Dinucci e Fróes) e Peixe (com Dinucci e Rodrigo Campos).

“Ainda fui pesquisando no meu baú. Algumas músicas estavam nele, como Obstáculos, Tempo e contratempo, Valor e Pacto de sangue (esta com letra de Capinam). Na verdade, a composição foi toda conjunta”, diz Macalé.


SAMBA

Besta fera encontra parentesco com o disco de 1972, já que os arranjos foram todos coletivos. Foi no estúdio – Red Bull, em São Paulo – que a sonoridade ganhou forma. Dos muitos sambas do disco, destacam-se Vampiro de Copacabana, com a participação de cantoras da Velha- Guarda da Nenê de Vila Matilde; Longo caminho do sol, um samba com sotaque paulista – “É meio Nelson Cavaquinho, meio Adoniran Barbosa” –; De tempo e contratempo, um encontro do samba com o maxixe; Buraco da Consolação, voltado para o samba-canção. Mas nem só samba, diz Macalé. Meu amor e meu cansaço tem um clima de bolero.

Nome essencial da música brasileira, Macalé esteve ligado desde o primeiro momento ao Tropicalismo. Como arranjador e violonista, atuou, entre as décadas de 1960 e 1970, com Maria Bethânia, Gal Costa, Elizeth Cardoso, Caetano Veloso (arranjou o clássico Transa). Sua porção ator pode ser vista em filmes de Nelson Pereira dos Santos, Amuleto de Ogum (1974) e Tenda dos milagres (1977), em que participa também da trilha sonora. Mais recentemente, foi o personagem tema do documentário Jards (2013), de Eryk Rocha, e ainda viveu uma figura mística em Big jato (2016), de Cláudio Assis.

Artista completo, Macalé é conhecido por não fazer concessões ao mercado. Tanto por isso, sua produção autoral é quase bissexta. “Mesmo que eu nunca faça a mesma coisa igual, já estava cansado, havia chegado a hora de vitalizar o meu trabalho”, diz ele a respeito do material inédito.

No palco, Besta fera chega em março, com os músicos que acompanharam Macalé no registro fonográfico. “Acho que meu cantar está mais maduro. Quanto mais velho, mais pessoal fico”, conclui.


CAPA DE CAFI

A capa de Besta fera registra uma imagem de Macalé em contraluz, em que são destacados os cabelos e os óculos do compositor. Foi o último trabalho do fotógrafo Cafi, que fez o registro em 28 de dezembro. Na madrugada de 1º de janeiro, Cafi morreu de infarto, aos 68 anos, no Rio de Janeiro. Mais conhecido fotógrafo da música brasileira, ele realizou cerca de 300 capas de discos. Além de álbuns anteriores do próprio Macalé, Cafi fez história com trabalhos antológicos do Clube da Esquina – são dele as fotos que ilustram Clube da esquina (1972, o álbum de Milton Nascimento e Lô Borges com os dois garotos na capa), Milagre dos peixes (1973), Minas (1975) e Geraes (1976), todos de Milton, além do chamado “disco do tênis”, como ficou conhecido o LP que Lô lançou em 1972.


Besta fera
>> Artista: Jards Macalé
>> Natura Musical (12 faixas)
>> sugerido: R$ 25

ALUÍSIO PIMENTEL, 90 ANOS


Aluísio Pimentel nasceu no estado de Pernambuco, na cidade de Pau D’Alho, em 11 de maio de 1929. Mudou-se logo para Recife, a capital, onde estudou. Fez o ginasial e o científico no Colégio Padre Félix, antigo Ginásio de Recife.

Antes, porém de terminar o curso científico, teve que parar de estudar, pois estava trabalhando já em rádio. Era cantor da Rádio Clube de Pernambuco e lá ficou de 1946 a 1948. No último ano fez um teste , para se tornar profissional e entre muitos candidatos, foi o único que passou. Conseguiu assim um contrato com a Rádio Jornal do Comércio. De 1951 a 1953, foi o apresentador do “Repórter Esso”, do Recife.

Em 1954, depois de ter enviado várias gravações suas para a Rádio Record de São Paulo, foi chamado por ela. Antes, porém, de chegar a São Paulo, passou pelo Rio de Janeiro e foi se encontrar com César de Alencar,que já o conhecia, e este o convidou para cantar no programa “César de Alencar”. Foi um sucesso, pois Aluísio tinha uma voz bonita e possante. Isso lhe valeu um convite do diretor artístico da emissora, Paulo Tapajós, para que desistisse da Record em São Paulo, e assinasse com a Rádio Nacional. Aluísio ficou na Nacional como cantor e locutor.

Era o ano de 1955, e o locutor e cantor, além de ter assinado com a Rádio Nacional, foi contratado pela gravadora Mocambo e gravou: “Natal Glorioso” e “A Valsa das Valsas”. Ainda gravou “Depois dos 40” e “Todo Só”. Em 56 gravou “No País do Samba”, que inclui as músicas “Isto É Brasil” , “Faixa de Cetim”, “Forasteiro”, e “Sinfonia Popular”. E gravou ainda o tango “Prisioneira”. No mesmo ano o cantor viajou pela América do Sul, cantou em Montevidéu, na Rádio Carve e na Argentina, na Rádio Sunset.

Em 1957, gravou “Promessa” e “Seringueiro”. Em 1964, gravou pela gravadora Belacap: “Quem Ama Perdoa” e “Devolva-me”. Sua carreira como locutor , porém, foi se desenvolvendo , e Aluísio não gravou mais.

Como apresentador ele estava na bancada do primeiro jornal da TV Globo, o “Tele Globo”.



Fonte: Museu da TV

sábado, 25 de maio de 2019

VERDADE TROPICAL (CAETANO VELOSO)*

Verdade Tropical - Caetano Veloso



Agora, eu absorvia com grande presteza o sentido do trabalho deles. Gostava de reconhecer nos poemas a complexidade que, muitas vezes, à primeira vista eles não pareciam ter. Pequenos ovos de Colombo, eles poderiam parecer ao mesmo tempo demasiado óbvios e demasiado artificiosos, mas em muitos deles tinha-se de fato a experiência, defendida teoricamente pelo grupo (segundo Mallarmé), de "subdivisão prismática de uma idéia". E em todos a aventura de abandonar radicalmente a sintaxe discursiva. Além disso, o arsenal critico de que eles muniam o jovem leitor de suas publicações, as traduções (que Haroldo prefere chamar de "transcrições") de autores e obras que lhes parecessem essenciais (alguns Cantos de Pound, poemas de Mallarmé, os "meta físicos" ingleses, os trovadores provençais, trechos escolhidos do Finnegans Wake, cummings, poesia japonesa etc.), e sobretudo uma alternativa crítica à visão da história da literatura brasileira que a tem como inevitavelmente periférica e desimportante - tudo isso fazia dos números da revista Invenção, dos livros que eles nos davam e das conversas com eles algo instigante e animador.
Haroldo e Décio não transmitiam a mesma impressão de distância que Augusto sempre me deu. Décio sobretudo - com seu sotaque paulistano italianado (isso, em São Paulo, significa popular: mesmo os negros e os judeus - e até alguns nisseis - de São Paulo têm sotaque italiano), seu brilhantismo agressivo e sua vivência entre publicitários e estudantes de comunicação - era alguém naturalmente próximo. Magro e narigudo, bigode e cabelos encrespados, ele tinha um ar de sátiro. E uma esperteza mundana no falar que me deixava totalmente à vontade. O que eu disse sobre seu texto na revista Invenção serve para seu convívio pessoal. Suspeito que as mesmas idéias defendidas por Augusto no artigo que Alex pôs em minhas mãos se expostas por Décio e no seu estilo, teriam me conquistado imediatamente, como Bethânia conquistou minha atenção para a Jovem Guarda com um simples comentário.
Haroldo, gordo e de voz metálica, sem italianismos que manchassem a pureza de seu sotaque paulistano, animava a sala com seu exuberante misto de rigor e bonomia. Ele não deixava a conversa cair e exibia seu domínio da língua e sua imensa erudição sem parecer pedante ou deixar os ouvintes - por menos cultos que fossem - de fora. Augusto, tendo ido mais longe do que qualquer outro sem sair do seu tom isento e comedido, tinha me levado a pensar que o brilhantismo de Rogério, de Glauber, de Waly - o meu próprio, que eu tendia à eloquência se o interlocutor não me intimidava - talvez se devesse a um narcisismo que antes dificultava do que iluminava o acesso a idéias pertinentes e descobertas substanciais. Eis que seus dois companheiros sofriam do mesmo mal. Mas bem cedo vi que as coisas não são simples assim. Augusto sem dúvida - como Capinan, como Cacá Diegues - parecia desprovido desse prazer narcísico no conceber as idéias e no proferir as palavras. (A bem dizer, era como se em nenhum momento de sua formação ele tivesse ouvido o canto de sereia contido na palavra romântica gênio; ao contrário de Glauber, ele não fazia pensar no verso horroroso de Castro Alves: "Eu sinto em mim o borbulhar do gênio"). E há inegável indulgência na fruição do próprio ego no elenco em que me incluí. Mas a excelência dos resultados - e mesmo a confiabilidade dos propósitos - não pode ser aferida dessa tipologia, porque não se dá na razão direta dessas diferenças. Augusto simplesmente - o que afinal é mais coerente com o programa concretista – não tinha gosto pela retórica. Não deixava de ser curioso, contudo, que, desse grupo de poetas de vanguarda que nos procurou, o mais próximo de mim fosse justamente o mais distante.
Passei a freqüentar também a casa de Augusto. Ele, a mulher Ly gia e o filho Cid, então ainda um menino (Roland, o filho mais velho do casal, era arredio e nunca participava das conversas na sala - hoje é astrofísico e realiza pesquisas na Universidade de Brasília), quase sempre Haroldo, acompanhado de sua mulher Carmen, e, mais raramente, Décio, nem sempre com sua mulher Lila, mais Torquato ou Gil ou algum dos músicos de vanguarda (Rogério Duprat era o mais assíduo), além de mim e de Dedé, formávamos um grupo conversador na sala visualmente limpa do apartamento nas Perdizes. Alguns poemas visuais em grandes tipos "futura" enquadrados nas paredes, uma boa reprodução da Grande Jatte de Seurat e um quadro de Volpi, além de alguma coisa dos pintores "concretos" de São Paulo, davam a sensação de uma sensibilidade a um tempo aberta e meticulosa. O gosto pelas formas geométricas e pelo acabamento definido refletiam antes delicadeza de espírito do que contração neurótica: sendo uma sala viva e aconchegante, porosa e arejada, era uma prova singela de que Mondrian e Bauhaus, formalismo russo e tipografismo americano não
desembocam necessariamente em escritórios de executivos e agências de publicidade.
Ali ouvíamos Charles Ives, Lupicínio, Webern e Cage, e falávamos da situação da música brasileira e dos festivais. Nós os jovens tropicalistas, ouvíamos muitas histórias de personagens do movimento dadá, do modernismo anglo-americano, da Semana de Arte Moderna brasileira e da fase heróica da poesia concreta. Trocávamos opiniões com naturalidade, sem que a grande diferença de volume de conhecimentos (e de aptidão mental para lidar com eles) fosse motivo para constrangimentos. É uma experiência brasileira que representa motivo de orgulho, pois a confusão da alta cultura com a cultura de massas, tão característica dos anos 60, pôde, nesse caso, produzir frutos substanciais, e, no refluxo da onda – quando todo o mundo sentiu necessidade de voltar às antigas classificações -, os sujeitos envolvidos conseguiram, apesar de alguns episódios dolorosos, manter o diálogo, e as amizades essenciais foram poupadas. Meu entendimento com Augusto de Campos, sobretudo, talvez por ser o potencialmente mais difícil, tem mostrado uma resistência considerável. O tom com que escrevo as palavras deste livro deve revelar ao leitor atento um
misto de respeito - quase reverência - e sem-cerimônia em face dos assuntos sérios, dos temas nobres e dos estilos superiores. Essa mesma mescla – em dosagens as vezes desequilibradas - já era um traço meu quando, adiando estudos e uma carreira de cineasta, eu cumpria (com prazer) o papel de ídolo de TV, em nome da paixão pela "linha evolutiva" da nossa música popular. Minhas opiniões sobre autores célebres, expressas de modo às vezes desabusado, eram acolhidas com benevolência por esses professores: eles estavam excitados por ver em nós a encarnação de tantos dos seus argumentos. Mas eles nunca agiram de forma condescendente, e os erros que eu (mais que todos) cometia por ignorância afoita eram sempre apontados com delicadeza mas com decisão. De todo modo, eu era sempre mais extrovertido e opinioso se Décio e Haroldo e toda a turma de baianos e tropicalistas estivessem presentes do que se me visse só com Augusto.
A espantosa concordância de nossas posições com as idéias deles - e a natural união contra os ataques inimigos - retardavam o confronto das diferenças e eventuais discordâncias. Ou mesmo o esclarecimento de dúvidas. Darei um exemplo que à época já se me apresentava como tal: a semelhança apontada por Augusto, em conversas e, depois, num artigo escrito em 69, entre o nosso trabalho e a poesia dos trovadores provençais. A ênfase caía sobre a adequação das palavras à música. Ora, eu vinha sendo, continuaria a ser e ainda sou um caymmiano na ótica de João Gilberto. Achava que em Caymmi a palavra cantada recebia o tratamento mais alto que se pode conceber: sempre espontânea, revelava, não obstante, ter passado por um crivo severo. As canções de Caymmi parecem existir por conta própria, mas a perfeição de sua simplicidade, alcançada pela precisão na escolha das palavras e das notas, indica um autor rigoroso. São o que as canções devem ser, o que as boas canções sempre foram e sempre serão. Um canto tuva, um Lied de Schumann, uma balada de Gershwin, a "Dy ing eagle" de Ives, têm que se confrontar com "Sargaço mar", "Lá vem a baiana" e "Você já foi à Bahia": são todas incursões no essencial da realidade da canção. Foi assim que João Gilberto entendeu a "Rosa morena" de Caymmi, por ele eleita como tema para a construção do estilo que veio a se chamar de bossa nova. Foi assim que o grande esforço de modernização de João se apoiou na modernização sem esforço de Caymmi. A um tempo impressionista e primitivo, mas também o maior dos inventores do samba urbano-moderno, Ca mmi tem pelo menos tanto peso na formação da bossa nova joão- gilbertiana quanto Orlando Silva, Ciro Monteiro, a canção americana dos anos 30 e o cool jazz. E, mais do que peso equivalente, Caymmi tem, acima desses outros componentes, o caráter normativo geral, a hegemonia estética do estilo de João.
Tudo em João presta contas a ele: do senso de estrutura à dicção. Esse cultivo da palavra cantada que encontra excelência em Cay mmi tal como ele foi ouvido por João é o filtro seletivo da bossa nova: produziu a guinada na música de Tom e na poesia de Vinícius. E era tudo o que de mais exigente eu podia conceber em termos da "arte de combinar palavra & som", como explicava Augusto o "motz el som" provençal de Pound. Era também o que Chico Buarque buscava (e frequentemente encontrava) na perseguição da beleza que ele adivinhou nas letras de Vinicius: diferentemente do que fazia Edu Lobo ou Marcos Valle – e
diferentemente do que fariam Milton Nascimento e os mineiros alguns anos depois -, Chico se agarrava à pureza dessa linha, sem mostrar receptividade às exterioridades falsamente modernizantes vindas, fosse do Beco das Garrafas, fosse dos espetáculos do Arena. Ele trabalhava exclusivamente com os elementos que eu tentara (quase sempre em vão) preservar intactos em nossa produção, desde o LP de Bethânia. Por trás da rivalidade entre mim e Chico, deve-se procurar ver a grande identificação. O tropicalismo veio para acabar com os resguardos, mas, se havia alguma coisa que eu próprio tinha querido resguardar, era exatamente o que Chico continuaria cultivando e polindo. Assim, era-me difícil aceitar sem perguntas a afirmação de que em nossas ruidosas letras tropicalistas e que se produziam equivalentes do "trobar ric" do "miglior fabro" Arnaut Daniel. As primeiras leituras dos provençais traduzidos por Augusto, embora revelassem uma beleza e uma engenhosidade impressionantes, não esclareciam por que, por
um lado, eles eram o ápice da história da palavra cantada, nem, por outro, por que, entre nós, não era Cay mmi (ou Chico) quem mais se aproximava deles, e sim Gil e eu. Ou por outra: os exemplos dados por Augusto eram de todo convincentes do nosso parentesco com esses poetas, mas não de que as nossas canções e as deles subissem mais alto que as de Cay mmi no item "motz el som". 
Relendo a entrevista que Augusto fez comigo em 68, fiquei chocado com a observação feita por ele de que minha canção "Clara" - cujo parentesco com os procedimentos dos provençais é nítido - tinha "uma limpeza, uma enxutez, que não há em Caymmi": essas virtudes sempre me pareceram virtudes caymmianas por excelência. A limpeza e a enxutez de João Gilberto foram aprendidas com Caymmi, vêm dele. Não posso negar que, com o passar dos anos, a releitura dos provençais - mais as muitas outras leituras e audições de coisas muito outras - me levou a perceber melhor o sentido das apreciações de Augusto. Entendi cada vez mais claramente que ele, dedicado a estar sempre avaliando um vasto mundo diversificado de experiências com palavras e sons, desenvolvera um ouvido com exigências por vezes de natureza diferente da natureza daquelas que eu mesmo alimentava. Mas minha opinião sobre Caymmi não mudou.
E considero significativo que, tal como acontecera com Boal, e embora no caso dos concretos não tenha havido discórdia, Caymmi tenha sido o ponto em que as diferenças de visão não puderam mais deixar de se perceber. Um dos meus escrúpulos mais resistentes tem sido, desde esses tempos referidos como heróicos, o de submeter todas as minhas pretensões à pergunta: em que medida a oportunidade que se me ofereceu de brilhar como grande figura na história recente da MPB se deve à queda de nível de exigência promovida pela mesma onda de ostensiva massificação que eu contribuí para criar? Augusto – ao contrário dos meus colegas compositores, que temiam uma regressão ao primarismo - via no que fazíamos uma super sofisticação. E apontava isso em duas frentes: no aspecto paródico-carnavalesco e no aspecto inventivoconstrutivista. Eu achava que, mais do que atentado para os meus conseguimentos, ele tinha lido meus sonhos. E eu não tinha dúvida de que os sonhos de Carnaval estavam mais reconhecíveis nas realizações do que os de sólida construção formal. Havia um vazio entre o resgate por Augusto e a rejeição pelos colegas que não podia ser preenchido pelo sucesso popular nem pela notoriedade culturalmente escandalosa. Augusto por vezes contava que Erik Satie, sem poder competir com Debussy em invenção harmônica, optara pelo avesso da música. E concluía que, do mesmo modo, os tropicalistas tinham optado pelo avesso da bossa nova.
O elo perdido se apresentou como que miraculosamente. Augusto, tendo ido a Nova Iorque para algum evento ligado à sua produção poética, falou pessoalmente com João Gilberto e este não só demonstrou total ausência de preconceito contra os tropicalistas como carinho e interesse pelo grupo e seus planos. A narração desse encontro, aliás, resultou numa reportagem que é a única aventura de Augusto na prosa narrativa. Uma verdadeira pequena obra-prima de concisão em que João aparece retratado como nunca antes ou depois. Esse belo texto veio a integrar o livro Balanço da bossa, cuja capa - uma montagem de fotografias em que João parece estar me olhando do alto, enquanto estou sentado no chão do palco - ecoa o recado que Augusto traria dele para mim: "Diga a Caetano que eu vou ficar olhando para ele". Na defesa ostensiva dos tropicalistas, Augusto deixava ver não apenas como se desenvolvera sua combatividade mas também como esta mesma combatividade criara- lhe limitações. Muitas dessas limitações eram assumidas como uma escolha lúcida. Assim, ele dizia com freqüência que não era, não podia e não queria ser "imparcial". Ao contrário, aprendera desde a fase heróica do concretismo que tinha de ser parcialíssimo. A impermeabilidade a nuances que o ideário concretista exibia sua decisão de bater na mesma tecla de valorização das atitudes de vanguarda, em detrimento de uma exibição mais auto-complacente da abrangência e do refinamento da inteligência de seus lideres, rendeu-lhes a censura de "monológicos" por parte de seus detratores. Li de algum desses últimos a observação de que o pensamento dos concretos levava a conclusões esdrúxulas como, por exemplo, a de que "Lewis Carroll é melhor do que "Dostoievski". Augusto, Haroldo ou Décio nunca se deixaram impressionar por argumentos desse tipo, sempre mantendo a ênfase no experimentalismo como um contrapeso do conformismo mediocrizante. Havia, no entanto, alguma coisa nas argumentações de Augusto que eu cria apontarem para um problema para
mim não resolvido - talvez insolúvel - em toda vanguarda. Esse problema diz respeito ao progresso nas artes. Não que os concretistas parecessem não atentar para ele. Haroldo de Campos sempre procurou deixar bem claro, em seus textos teóricos, que a poesia concreta se lança a uma "superação crítica" relacionada a um "vetor" que tem tudo a ver com as exigências do tempo e nada a ver com juízo de valor. Mas nem por isso estava para mim dada a questão por encerrada. O que me parecia uma fraqueza nas observações tanto de Augusto quanto de seus amigos músicos de vanguarda era a inserção de João Gilberto na linhagem de Mário Reis, cantor de sucesso nos anos 30, cuja voz pequena ficou de moda com o advento dos microfones modernos. Mário cantava quase falando, em staccato, às vezes separando as sílabas das palavras, numa relação regular com as barras rítmicas, sem usar adornos de espécie alguma. É claro que eu reconhecia a identificação exterior com João, na desdramatização e no pouco volume. Mas João é um cantor de grandes legati, de fraseado flutuante e de incríveis jogos rítmicos. Seu estilo vem de Orlando Silva, o grande modernizador do canto brasileiro. A voz potente (mas sempre usada com natural suavidade) e os ornamentos de Orlando levam muitos ouvintes a andar em erro julgando que João está afastado dele. Sem dúvida, João revaloriza também Mário Reis, e há (como me lembrou o cineasta Júlio Bressane), nos dois casos, a obsessiva fidelidade a um mesmo repertório sempre revisitado e que cresce a conta-gotas. Há um "minimalismo" que os aproxima. Mas num certo sentido João é o anti-Mário: fazendo de sua voz um instrumento entre outros, ele é, como Orlando, um supercantor, enquanto Mário, com sua recusa de entregar-se às melodias, tira seu charme de ser um subcantor ou anticantor. Dava-me a impressão de que algo do modo como esses vanguardistas de São Paulo ouviam a bossa nova era superficial. A seleção mesma que Augusto fazia dos exemplos no repertório da bossa nova indicava uma discrepância entre nossos gostos. Sempre mais apaixonado pela religação feita por João Gilberto entre a ponta da modernidade e a melhor tradição brasileira - que foi o que fez a grande diferença da bossa nova em comparação à americanização algo tola dos seus predecessores dos anos 40 e 50 (e de alguns de seus supostos seguidores dos 60 em diante) -, eu via em "Chega de saudade" a canção-manifesto e a obra mestra do movimento: a navemãe. Um samba com algumas características de choro, riquíssimo em motivos melódicos, de aparência tão brasileira quanto uma gravação de Silvio Caldas dos anos 30 (e com uma introdução de flauta inspirada numa gravação de Orlando Silva), "Chega de saudade" era ao mesmo tempo uma canção moderna com ousadias harmônicas e rítmicas que atrairiam qualquer jazzista bop ou cool (como de fato vieram a fazer).
Por outro lado, o titulo e a letra sugeriam uma rejeição/reinvenção da saudade, essa palavra que é um lugar-comum na lírica luso-brasileira e um emblema da língua portuguesa, pois, além de ser um acidente etimológico inexplicado, cobre um campo semântico revelador de algo peculiar em nosso modo de ser. Uma luxuriante composição cheia de lugares-comuns incomuns (para usar uma expressão do próprio Augusto - ou talvez seja de Décio -, extraída de outro contexto) e de novidades que soavam como atavismos - ou experimentações que pareciam lembranças -, essa canção era o exemplo generoso daquilo que Tom, João, Vinicius e Cia. queriam oferecer, e continha todos os elementos que estariam dispersos nas outras. Ela era o regime geral da bossa nova, o mapa, o roteiro, a constituição. Pois Augusto, ao comentá-la brevemente, destaca apenas a paronomásia "colado assim, calado assim , como sendo o que havia de interessante numa canção de outro modo convencional. Na verdade, esse momento em que a melodia de Jobim se lança mais a intervalos inusitados, e a
letra de Vinícius também se mostra formalmente "inventiva" (conscientemente inventiva), contém em si o "Desafinado" e o "Samba de uma nota só". Mas, tanto para Augusto como para os músicos de vanguarda paulistas, estas duas últimas é que eram as "canções-manifestos do movimento, as que mais abrangentemente o representavam. É preciso notar, no entanto, que Augusto não se dedicou a escrever sobre a bossa nova: O breve comentário de "Chega de saudade" está relatado num artigo de Brasil Rocha Brito como trecho de uma entrevista. Ele escreveu sobre pós-bossa nova: Jovem Guarda, Fino da Bossa, tropicalismo. E o fez de modo tão lúcido e oportuno que é de se crer que se ele tivesse parado para escrever sobre bossa nova nenhum dos seus aspectos essenciais lhe teriam escapado. Mesmo porque, até o engano em relação à questão Mário Reis ou Orlando Silva tinha sido superado por José Lino Grunewald, o braço carioca da poesia concreta, poeta, tradutor dos Cantos (completos) de Pound e amante da música popular dos anos 30. Augusto certamente o ouviria e reouviria Orlando, Mário, Silvio Caldas e muitos mais, antes de sentar-se para escrever. "O velado de João Gilberto", escreveu Grunewald, "vem de Orlando Silva, não de Mário Reis."
Augusto formulou, anos depois, no prefácio a um livro de traduções de Ovídio a Rimbaud, a idéia da poesia como "uma família dispersa de náufragos bracejando no tempo e no espaço". Apesar de, nesse mesmo texto, Augusto dizer que "o antigo que foi novo é tão novo quanto o mais novo novo", como que a indicar apenas que ele se filia a uma milenar linhagem de vanguardistas, sempre senti que, subjacente ao critério do avanço, está a visão sincrônica. Isto não é nenhuma descoberta: em textos tão claros e tão entusiasmados quanto os que apontam para uma estética do "novo", os concretistas (sobretudo Haroldo) defenderam uma crítica de mirada sincrônica, trans-histórica. O que eu quero dizer é que esse aspecto do aparato teórico deles me atraiu mais e me pareceu mais profundo neles mesmos do que a paixão da novidade. É como se a campanha do novo não fosse senão uma estratégia de manutenção da altura do nível de exigência. As rupturas modernistas podem ser explicadas de diversos ângulos, mas é inegável o caráter de revitalização do acervo amado embutido em muitas atitudes aparentemente destrutivas.
Stravinski e Schönberg parecem empenhados em que ouçamos Bach com melhores ouvidos e não em que deixemos de ouvir Bach para passar a ouvi-los apenas a eles. Se arriscarmos olhar bem fundo, talvez cheguemos à conclusão de que os modernismos representaram antes uma luta contra a iminente obsolescência de um passado belo em vias de banalizar-se; de que nunca, como no modernismo, a arte foi tão profundamente conservadora. A luta era, foi, é sobretudo contra o academicismo. O artista, aristocrata supremo, não poderia submeter-se à vulgarização burguesa que queria distribuir fórmulas prontas, usáveis por qualquer um, para se consumir e produzir arte. Era preciso mostrar que a arte é terrível e que é difícil: você não pode passar incólume por Velásquez, por Mozart ou por Dante. Mas a tensão entre esse aristocratismo (que no limite terminaria por negar o próprio trabalho do grande artista moderno) e a necessidade de afirmar-se o modernista como um produtor novo de objetos artísticos de primeira linha (o que, em última instância, levaria à defesa do futuro burguês e popular e da disparada tecnológica) é que produziu toda a gama de movimentos do final do século XIX ao início do século XX, dos impressionistas aos expressionistas, dos construtivistas aos surrealistas, de Marinetti a dadá, de Duchamp a Mondrian. Como quer que seja, eu, um mero cantor de rádio, mimado (mas não muito, que eles são realmente responsáveis e consequentes) por esse bando de eruditos, via- me metido numa guerra que exigia definição quanto a essas questões tão abrangentes, e isso me excitava. Parecia-me que eu estava realizando aquele programa de ser poeta por outras vias que não as do poema impresso. Aliás, não estava longe de confirmar essa ilusão Augusto ao dizer que o que havia de interessante em poesia brasileira - a "informação nova" - tinha migrado das páginas dos livros para as vozes da canção popular. E, mais provocadoramente ainda, que Villa-Lobos era um "diluidor" em sua seara, enquanto Gil e eu éramos "inventores" na nossa.






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