Maestro marcou a cultura do estado durante seis décadas
Por José Teles
O maestro Nelson Ferreira à frente de sua orquestra, 1950
Nelson Heráclito Alves Ferreira, nasceu em 9 de dezembro de 1902, em Bonito, no agreste pernambucano, numa família musical. O pai Luiz Alves Ferreira, comerciário, foi um violonista competente. A irmã mais velha, Laura, por exemplo, deu a Nelson Ferreira as primeiras aulas de piano, seu instrumento ao longo de quase 60 anos de carreira, contados a partir da impressão da primeira composição, aos 14 anos, a valsa Vitória. A música foi uma encomenda da Companhia de Seguros Vitalícia Pernambucana. As irmãs Ladyclaire e Olga Linda formariam, já nos tempos do rádio, a dupla Lady e Linda.
A família mudou-se para o Recife, quando a mãe do compositor, a professora Josefa Torres Ferreira foi transferida para a capital, e foram morar no Bairro de São José, um dos focos do Carnaval recifense. Os genitores o queriam professor, mas o garoto preferia o piano, ou jogar de goleiro nas peladas da campina 13 de Maio. Os estudos, na Escola Normal Oficial, ficavam em terceiro plano. Não terminou o curso, foi arrastado pela música, depois de publicar a primeira composição. Aos 18 anos, os jornais já o tratavam por “maestro”. O sucesso de Nelson Ferreira podia ser medido pelo anúncio, nos jornais, em janeiro de 1920, da sexta edição de sua valsa Milusinha. Na década de 20, o “insigne maestro” Nelson Ferreira dirigia a orquestra que tocava durante a exibição dos filmes no Moderno, o cinema da elite pernambucana (começou a tocar em cinemas em 1917, no Cine Pathé) Era também um dos mais requisitados autores de trilhas de musicais e dramas teatrais.
Nelson Ferreira pairou sobre o show business pernambucano da década de 20 até meados dos anos 70. Uma característica comum a quase todos os grandes compositores, maestros, do frevo, a fidelidade atávica ao Recife. Nelson só se ausentou por mais tempo da cidade duas vezes. Em agosto de 1922, como músico de bordo, do Caxias, viajou para a Alemanha. Passou três meses longe de Pernambuco. Ficou mais cinco meses fora, no Rio, tocando no Cine-Teatro-Central, no Centro da então capital da República (funcionava no mesmo prédio do lendário Café - na verdade Leiteria - Nice).
Ao contrário de seu amigo/rival Lourenço da Fonseca Barbosa, Capiba, que, mesmo que imensamente talentoso, não dependia financeiramente da música, Nelson Ferreira sempre foi um músico profissional. Compunha profusamente, e a inspiração podia vir espontaneamente ou por encomenda. Borboleta Não É Ave, que tem a primazia de ter sido o primeiro frevo gravado, composto para uma agremiação que ajudou a fundar, o Bloco Concórdia. Coincidentemente, o cantor que faria no fim da vida um frevo para a Bahia, foi gravado pela primeira vez por um baiano, Manuel Pedro dos Santos (1870/1944), o Bahiano, um dos primeiros astros do disco no Brasil.
O DONO DA MÚSICA
Nos anos 60, como diretor artístico da Rozenblit, Nelson Ferreira era cognominado “O Dono da Música”, pejorativamente, pelos autores que não conseguiam ter suas músicas selecionadas pelo maestro. Mas ele se “apoderou” da música pernambucana em junho de 1931, quando foi contratado para dirigir a orquestra da Rádio Clube, formada por músicos escolhidos, em sua maioria por ele. Como todo poderoso diretor artístico da emissora, cargo que assumiu em 1934, idealizava programas e sugeria ou definia contratações. Uma de suas decisões foi, em 1947, contratar Claudionor Germano como cantor solo, tirando-o do grupo Azes do Ritmo. Mais tarde, escolheria o cantor para gravar os dois mais emblemáticos LPs de frevo lançados pela Rozenblit, em 1959, para o Carnaval de 1960: Capiba 25 anos de Frevo, e O Que Eu Fiz e Você Gostou, com composições suas.
Mas seu maior sucesso aconteceu há 60 anos, com o frevo de bloco Evocação, gravada com o Coral do Batutas de São José, uma música tão popular em Pernambuco quanto Vassourinhas. Gravada em 1956, para o Carnaval de 1957, Evocação, com uma letra que nem os próprios pernambucanos entendiam bem, estourou no Carnaval Carioca, e daí Brasil afora. Foi o mais bem sucedido frevo gravado na Rozenblit. Ele compôs outras seis evocações (estas numeradas). A sétima delas tem o subtítulo de Ruas da Minha Infâncias.
Famoso pelos frevos canção, Nelson Ferreira, que não achava que dominava o frevo instrumental, é autor de alguns dos mais perfeitos exemplares do gênero. Dois deles, Gostosão e Isquenta Muié, já o colocariam em destaque como compositor de frevo de rua. Mas ele foi também um dos mais inventivos arranjadores da música brasileira. Como diretor da Rádio Clube ou da Rozenblit, criou incontável número de arranjos, que não se preocupava em guardar. Fazia-os com extrema facilidade, e deixava-os sobre o piano, no estúdio, e quase todos jogados no lixo pelo da faxina, testemunham os músicos e cantores que conviveram com ele.
Nelson Ferreira, “O Moreno Bom”, epíteto como também o tratavam na imprensa, foi o dono da música até o final dos anos 60, quando a Rozenblit iniciou seu caminho para a falência, e o rádio passou a tocar todo tipo de sucesso no Carnaval. Nelson Ferreira continuou trabalhado no que mais gostava: animar festas. Com sua sempre azeitada orquestra tocou até o fim. Quando faleceu tinha vários bailes agendados para o Carnaval de 1977.
O progresso teimava em tirar de linha gênios feito ele. E melhor metáfora para esta luta contra a mudança dos tempos aconteceu em 1974, quando foi notificado de que a casa onde morava desde 1937, seria demolida para a abertura da Avenida Mario Melo (inspiração da Evocação nº3). Saiu de lá com a família para um apartamento tão pequeno que não tinha espaço para o piano. Só viveria mais dois anos. sua última composição, feita para mais um LP Capital do Frevo, intitula-se Vamos Aprender a Amar o Recife.
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