MPB4 - Deixa Estar (1970)
Se perguntarmos hoje a qualquer jovem o que ele sabe sobre o ano de 1970 muito provavelmente ouviremos que foi o ano em que o Brasil ganhou o tri campeonato de futebol no México. Essa resposta por si só demonstra duas coisas, a primeira que o futebol é uma paixão tão grande que seus feitos ao longo da história não são esquecidos e a outra é o profundo desconhecimento sobre a história pátria, ou seja, ao mesmo tempo em que o futebol é uma coisa presente, as torturas, o milagre brasileiro, o presidente Médici, a Transamazônica, soam como referencias bem distantes, so lembradas no colégio ou em algumas reportagens televisivas.
É claro que os pais dos jovens que viveram esse período e tinham noção dos acontecimentos os relatam para seus filhos de acordo com seu ponto de vista, outros não estavam nem um pouco preocupados com o que ocorria e nesse aspecto vivenciaram a época mas dela não guardam a mínima recordação histórica, apenas o trivial de seu dia a dia.
Contudo, é importante ressaltar que nesses trinta e seis anos muitas coisas mudaram, o país redemocratizou-se, a juventude perdeu o vigor participativo nas causas sociais, ou seja não é mais tão engajada como antes, a nossa educação publica foi destruída restando dela so escombros do que um dia já foi, os valores seguiram em outra direção, pois se antes era importante ter umas referencia ideológica seja ela qual for para compreender o mundo e relacionar-se com ele, nos dias que correm o que importa é ganhar dinheiro suificiente para ir as compras já que o mercado de consumo e seus apelos sedutores são a representação do que se almeja como felicidade e realização.
Em 1970 não existia a Internet, as pessoas comunicavam-se através do telefone, comercialmente pelo telex, ou via Embratel, inaugurando a fase dos registros em tempo real, foi assim com a copa do México a primeira a ser transmitida ao vivo. O noticiário era através da televisão ou dos jornais, não se falava em aldeia global, mas tínhamos já as informações precisas ainda no calor dos acontecimentos, não havia o chamado tempo real, mas sim o tempo ideal para a informação não ficar velha, era esse em grosso modo as formas de percebermos as coisas em nosso redor e assim tentar conviver com elas. Mas, aqui no Brasil a imprensa estava sob um rigoroso esquema de censura e por mais criativos que fossem seus profissionais para nos mostrar a verdade dos fatos essa so era veiculada de acordo com as conveniências governamentais. Porem nos restava uma válvula de escape, ou seja, um outro meio de demonstrar e revelar as nossas idéias e não nos deixarmos sucumbir pela repressão do pensamento, esse meio era a musica popular que vivia, apesar de tudo o que lhe ocorria como o exílio de artistas, um certo esvasiamento intelectual e censuras de toda ordem, um período glorioso já que o essencial era a mensagem e a qualidade artística do produto apresentado a população, pois ainda não estávamos contaminados pela musica camisinha que ocorre em sua maioria nos dias de hoje, usa-se, usufrui-se um pouco do prazer momentâneo e depois joga-se fora, claro que esse é um conceito genérico, pois sei que ainda há casos de amores permanentes em que a qualidade do sentimento ainda perdura e nossos heróis ainda continuam por aí.
Mas em 1970 o sonho acabou, foi-se embora os The Beatles e aqui em terras abaixo da linha do Equador um grupo vocal de Niterói, o MPB 4 um dos maiores e mais longevos que já tivemos, estavam em plena atuação produzindo discos memoráveis e dentre eles, neste ano um denominado Deixa estar... que é a tradução de let it be titulo de uma música e do último disco dos Beatles. No centro da capa do LP do grupo inglês estão quatro fotos de seus integrantes formando um quadrado, no disco do MPB 4 a idéia foi reaproveitada com uma colagem de parte do rosto de seus componentes, Magro, Aquiles, Miltinho e Ruy, mas se a referencia é explicita a mensagem nele contida nada tem a ver com rock e sim com musica popular brasileira da melhor qualidade revelando um painel heterogêneo de nossa canção, com seu toque de engajamento característico daqueles tempos, era a musica popular usando toda a criatividade de seus artífices a serviço da preservação e da conscientização social necessária em tempos de guerra de idéias, onde o politicamente correto era incorreto para alguns, mas não para maioria, portanto, criatividade literária aliada a uma bela melodia era a melhor receita para se dizer a verdade e sentir-se um pouco mais livre.
Esse disco do MPB 4 surge neste cenário e traz canções que refletem esse período de contestação misturando um repertório tradicional com musicas também assinadas por compositores que renovavam o nosso cancioneiro, por isso nele desfilam ao mesmo tempo, Pelo telefone, de Donga e Mauro de Almeida; Gago apaixonado, de Noel Rosa e Derramaro o gai, de Luiz Gonzaga e Zé Dantas; Deixa estar, de Mauricio Tapajós e Hermínio Bello de Carvalho; Candeias, de Edu Lobo; Yara bela, de Toninho Horta; Liana verde bandeira, de Ronaldo Pereira e Toninho Horta; Beco do Mota, de Milton Nascimento e Fernando Brant; Lamento, de Tom Jobim, e as politicamente corretas, O crime, de Macalé e Capinam, o antológico samba, Amigo é pra essas coisas, assinado por Aldir Blanc e Mar da tranqüilidade, de Ruy, Cynara e Aquiles.
Eis aí um trabalho que nos da uma dimensão que apesar de vivermos entre a realidade e a fantasia de um ano difícil, o Brasil conseguia produzir momentos mágicos e atemporais, o resultado desses conflitos entre o bem e o mal não esmaeceram o talento e a beleza de nossa canção e o MPB 4 soube muito bem captar esses sentimentos dispares realizando um disco fundamental para historia musical recente de nosso país. Alias o MPB 4 não é apenas mais um grupo vocal surgido nos anos sessenta mas sim e com certeza, duvido quem há de me contestar, o maior e mais importante dentre todos que apareceram na cena musical brasileira nos últimos 40 anos, sua obra é um referencial de uma época que já adentra a três gerações e o seu repertório ao longo dos anos nos revela a fina flor da musica brasileira, continuando atual e vigoroso. Vida longa, pois!
Itabuna, 2 de março de 2006.
MÚSICAS:
01) Deixa estar (Mauricio Tapajós/Hermínio Bello de Carvalho)
02) Liana verde bandeira (Toninho Horta/Ronaldo Pereira)
03) Gago apaixonado (Noel Rosa)
04) Candeias (Edu Lobo)
05) Beco do Mota (Milton Nascimento/Fernando Brant)
06) Derramaro o gai (Luiz Gonzaga/Zé Dantas)
07) O crime (Macalé/Capinam)
08) Pelo Telefone (Donga/Mauro de Almeida)
09) Mar da tranqüilidade (Ruy/Cynara/Aquiles)
10) Lamento (Tom Jobim)
11) Yara bela (Toninho Horta)
12) Amigo é pra essas coisas (Aldir Blanc)