RESUMO: Este trabalho pretende discutir a evolução do uso da sigla MPB (Música Popular Brasileira), desde sua popularização, nos anos 60, até os dias de hoje, dando ênfase para sua ramificação recente conhecida como “Nova MPB”. Também se buscou compreender como se dá a recepção por parte do público brasileiro, procurando contrastar as informações obtidas nas pesquisas bibliográficas com a opinião de ouvintes de MPB reunidos através de um fórum da Internet. Palavras-Chave: Música Brasileira – Estudos da Recepção – MPB – Nova MPB
O fim?
Este não é o fim dessa história. Não é o fim da discussão. Embora muitas das questões
levantadas tenham sido respondidas ao longo dos últimos capítulos, muitas novas foram
surgindo, o que nos mostra que ainda há muito para se dizer sobre a MPB. A complexidade do
tema faz com que este se torne um tanto caleidoscópico: de cada ângulo que se olha, se tem
uma visão nova.
A própria conceituação do que a sigla representa não é um ponto pacífico. Ao longo de
sua história, MPB significou várias coisas diferentes. Serviu para nomear a música engajada
do início dos anos 60, aceitou os experimentalismos do tropicalismo, herdando seus artistas
após o fim do movimento. Se ampliou indefinidamente para aceitar os roqueiros-poetas dos
anos 80 até ser tomado cada vez mais como um estilo musical definido, que herda a
brasilidade das tradições musicais antigas, a sofisticação da Bossa Nova, o flerte com o
popular e o pop principiado no tropicalismo... Para cada contexto, há uma resposta, de modo
que algumas vezes parece ser quase impossível dizer com certeza se determinado artista é
MPB. Mais fácil dizer que ele está MPB. É possível dizer isso porque parece que os diversos
significados que a sigla teve ao longo das décadas continuam vigentes, ocupando e
confundindo o imaginário musical brasileiro.
Carlos Sandroni trabalhou recentemente com os gêneros oitocentistas e a dificuldade
de se defini-los. À época, o uso de expressões como “Tango” era diferente do que temos hoje.
O autor chega a dizer:
O que é curioso, no entanto, é que não era apenas a habanera a sofrer desse problema.
No
Brasil, há numerosos exemplos de casos semelhantes: gêneros populares como o lundu,
o
fado, o maxixe e o samba foram todos em um momento ou outro
chamados de “tango”.
(Sandroni, 2005: 180)
Hoje, o tango é um gênero musical reconhecido, facilmente distinguível. Sandroni
salienta que este uso não é fruto de erro:
A recorrência da situação mostra que não se tratava de “erros” ou de “confusões”,
mas do
simples fato do que na segunda metade do século XIX, e até um pouco mais tarde,
a
habanera e os outros gêneros mencionados podiam mesmo ser chamados de tangos,
com
plena consciência, e até mesmo a despeito das intenções do autor (...).
Tango, de acordo
com os testemunhos da época que pude consultar, era um nome
genérico para canção e
dança considerados de influência negra ou mestiça,
no quadro do mundo ibero-americano.
(Sandroni, 2005: 181)
Assim, pode ser que a dificuldade em se definir MPB aconteça por este mesmo
motivo: assim como o Tango, a expressão está deixando de significar uma coisa mais ampla –
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a totalidade da música popular produzida no Brasil – para se tornar algo mais específico – um
gênero musical.
A Nova MPB, que parecia ser mais fácil de ser definida, se mostrou igualmente
profunda. Os aspectos que deveriam diferenciá-la da “Velha MPB” são justamente os que
mais as aproximam. A tentativa de se verificar se o flerte com a pós-modernidade seria uma
novidade, revelou-se que a MPB desde o início tem em sua estrutura um “quê” de pósmoderno,
que ficaria mais evidente em algumas horas e menos em outras. A mistura do velho
com o novo – outro aspecto que é apontado como definidor da Nova MPB – parece até
mesmo preceder sua versão antiga. Afinal, não teria a Bossa Nova sido influenciada
fortemente pelos antigos sambas e músicas eruditas aliados a então novidade do cool jazz?
Assim, muitos acusam a expressão de ser utilizada como mera etiqueta mercadológica, como
uma tentativa de se agrupar e rotular alguns artistas para facilitar a sua entrada no mundo da
indústria cultural e maximizar suas vendas, numa “produtificação” daquilo que deveria ser
arte e cultura. Mas, no entanto, todos conseguem identificar sem muita dificuldade quem se
encontra coberto por sua sombra: sinal de que ou esse processo tautológico foi realmente
eficaz, ou verdadeiramente existe algum elemento distintivo ainda a ser descoberto.
As pesquisas com a recepção foram fundamentais para se compreender o sistema da
música no Brasil de maneira completa. Saber como os diversos pontos teóricos repercutem
junto ao público ajuda a ampliar nossa percepção da importância que determinados fatos na
construção da imagem e do pensamento sobre a música brasileira, e em específico a MPB,
tem para aqueles que a consomem hoje.
Outro ponto importante da pesquisa foi esboçar um perfil do ouvinte típico da MPB.
Notando quem respondeu ao convite de participar da pesquisa, podemos perceber
semelhanças entre eles: geralmente são pessoas bem educadas, que sabem se expressar bem e
respeitam as opiniões dos outros debatedores – ao menos quando estão entre “iguais”. A
grande maioria apresenta um bom conhecimento sobre o assunto, se interessando pela história
dos movimentos e pela biografia dos artistas. No entanto, em pouco tempo percebe-se em
alguns um certo tom de elitismo, um sentimento de superioridade, uma sensação de não
pertencimento àquela massa a qual eles tantas vezes se referem.
Neste aspecto, a pesquisa com a recepção serviu para confirmar o que já se
desconfiava desde o primeiro capítulo: a MPB ocupou o espaço de “alta cultura dentro da
cultura de massa”, como havia previsto Morin(1997a). Como já havia dito Marcos
Napolitano(1999), a MPB se tornou sinônimo de bom gosto, e isso faz com que seus fãs se
julguem acima daqueles que não compartilham seu “gosto musical superior”.
Pudemos constatar que embora o discurso consciente se mostre inclusivo, talvez
devido a pressões do que se considera politicamente correto, para estes ouvintes da MPB ela
continua precisando do “outro” para se definir. Se o papel desse “outro” foi interpretado pela
Jovem Guarda nos anos 60, hoje ele parece caber àquilo que comumente é chamado de
“música mais ‘popular’”. Sob este rótulo se encontram o funk carioca, o pop rock, a axé
music, o pagode romântico, o forró universitário e todas aquelas expressões que não são
imediatamente associadas ao cânone da MPB, mas ocupam lugar de destaque nas listas de
mais vendidos das gravadoras e mais executadas nas estações de rádio e canais de televisão.
Assim, não por acaso, os fãs de MPB elegeram a mídia como principal inimiga. Mesmo
havendo várias rádios dedicadas exclusivamente a ela, na opinião de muitos, a MPB não
estaria tendo o devido espaço nos meios de comunicação massivos. A mídia, contaminada
pelo jabá, estaria impedindo que mais pessoas tivessem acesso àquela música de bom gosto
que eles já possuem.
Ignoram, no entanto, um princípio básico da comunicação que diz que nenhuma
recepção é completamente passiva. Embora o processo de repetição influencie, ele sozinho
não é determinante para se garantir a massificação – se assim fosse, as gravadoras não
precisariam investir em diversidade. É o que diz o modelo teórico de Lazarsfeld:
Suas premissas de base estabeleciam ser característica de todo ser humano a
capacidade
de “fazer escolhas”. Nega, portanto, que um público tido por “massivo” somente “reaja”.
(...) Lazarsfeld não titubeou em afirmar que cada indivíduo é capaz de procurar
e
encontrar um meio de comunicação cujo conteúdo mostre compatibilidade
às suas
convicções e modos de ver. (Polistchuk; Trinta, 2003: 90-91)
García-Canclini (1996) corrobora com essa tese e acredita que o consumo se dá de maneira
consciente, vendo neste uma poderosa ferramenta de construção de identidade. Porém, é dessa
forma que essa parcela elitista dos ouvintes da MPB justifica o afastamento de seus ídolos das
camadas mais populares do gosto, o que lhes é conveniente, por manter “imaculado” o
Olimpo onde se encontram seus ídolos – e de uma certa maneira, eles próprios.
Como podemos ver, cada vez que se encerra uma questão, outra parece se abrir. Por
isso, seria injusto dizer que este é o final dessa jornada. Este foi somente um primeiro passo.
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