Este ano o emblemático álbum do cantor e compositor maranhense completa 35 anos
Por Luiz Américo Lisboa Junior
João do Vale (1981)
Muito já se falou sobre a preservação de nossos costumes a fim de que eles não sejam engolidos pela modernidade caindo no esquecimento ou sofrendo mutações que os descaracterizem, por isso que sempre há eventos e campanhas no sentido de manter as nossas raízes culturais mais legitimas dando-lhes apoio para que continuem afirmando nossa pluralidade cultural e consolidando-as cada vez mais. Disseminado em grupos folclóricos, duplas de cantadores e sociedades recreativas, todos os agrupamentos ou organizações que compõem as nossas mais diversas manifestações culturais têm um único objetivo que é não deixar morrer nossas tradições. Alguns compositores populares também sempre manifestaram sua preocupação nesse sentido e fizeram de suas obras uma verdadeira coletânea de referencias e permanências de suas raízes calcadas na tradição de um patrimônio do qual foram expectadores, realizadores e mantenedores. Um exemplo claro dessa missão preservacionista é a obra de Luiz Gonzaga que mapeia o Nordeste de tal modo que nos faz adentrar em suas mais intimas e soberbas manifestações.
Um outro aspecto a ser levado em consideração é a capacidade de alguns compositores de cantarem seu chão e ao mesmo tempo se colocar como personagens históricos contribuindo de maneira substancial para a realização de uma biografia cantada, ou seja, expressar em versos e melodia a sua trajetória e com ela carregar a suas raízes e tradições mais próximas. Esses compositores acabam por atribuir-se uma dupla responsabilidade, pois fazem um tipo de musica que se transforma em um libelo de conduta social representativa das dificuldades e vivencias da gente simples de nossa pátria. Seus exemplos de vida aliados a uma cultura popular autentica o fazem porta vozes de uma parcela da nossa sociedade que com eles se identificam e vibram com seu sucesso, ao mesmo tempo em que se vêem como parceiros de uma história da qual todos são protagonistas.
Essas trajetórias de lutas e conquistas árduas é que fazem do mapa musical brasileiro um corolário de representações cujas identidades tornam-se um espelho de nossas mazelas e de nossas conquistas sociais, heróis de um povo sofrido que se supera a cada dia com lutas e otimismo num futuro que lhes dê um pouco mais de dignidade. Por isso que quando vemos diversos agrupamentos de pessoas cantando, dançando e chorando de emoção em ver-se representado nessa ou naquela musica ou na figura de um determinado artista percebemos que a grandeza de nossa gente esta na sua capacidade de sensibilizar-se pelo belo ou por aquilo que ela representa enquanto mantenedora de sua identidade, porque ali ele se vê por inteiro e se sente mais valorizado enquanto ser.
Quantos foram os artistas que fizeram de suas vida exemplo e a representaram em suas canções, vários, e a cada dia novos vão surgindo, contudo, existem aqueles cujo talento se sobressai e passam então a ser referencia e motivo de admiração por seus pares e por uma parcela letrada da sociedade que identifica ali signos de uma matriz cultural fortíssima rendendo-se a eles em reverencia. Esse foi o caso do maranhense de Pedreiras, João do Vale, nascido em 11 de outubro de 1934 e falecido em 6 de dezembro de 1996. Menino pobre e com pouca escolarização fez de tudo um pouco para sobreviver, em 1947 foi para São Luiz, capital de seu estado onde participou de um grupo de bumba meu boi, não vendo ali maiores perspectivas, resolveu dois anos depois empreender uma viagem ao sul do país, chegando ao Rio de Janeiro em 1950 iniciando sua vida na capital federal como ajudante de pedreiro. Resolvido a tentar a vida de compositor passou a freqüentar rádios e logo teve algumas de suas musicas gravadas. Começou a fazer sucesso e passou a ser requisitado por grandes intérpretes como Marlene, Dolores Duran e Luiz Vieira. Em 1964 participou do show Opinião ao lado de Nara Leão e Zé Kéti e em 1965 Maria Bethânia estourou nas paradas de sucesso com a musica Carcará.
Autobiográfico em grande parte de suas canções, João do Vale torna-se uma referencia e um símbolo do artista pobre, semi-analfabeto, negro, nordestino que deu certo. Sua obra ganha uma dimensão que o coloca entre os grandes nomes da música popular brasileira ajudando também a consolidar o Nordeste no mapa cultural do país, seguindo a trajetória de outros conterrâneos de sua geração.
Em 1965 lança seu primeiro LP O poeta do povo e em 1981 tem sua obra revista em um magnífico disco intitulado João do Vale convida, onde canta ao lado de Tom Jobim, Amelinha, Fagner, Jackson do Pandeiro, Chico Buarque, Zé Ramalho, Clara Nunes, Gonzaguinha, Nara Leão e Alceu Valença, seus maiores sucessos, destacando-se Na asa do vento, Estrela miúda, O canto da ema, Carcará, Uricuri, Pisa na fulô, Pé de lajeiro, Menina do grotão e Minha história. Em todas as faixas sentimos pulsar a força de uma musica que saiu das profundezas do sertão, percorreu os mais árduos caminhos e desaguou nos braços de quem tem sensibilidade para apreciar o que é belo. Desse modo ouvir Tom Jobim e Chico Buarque, cariocas e unanimidades legitimas cantar ao lado do nordestino pobre e retirante, é render-se ao obvio, que é a beleza de nossa canção e de artistas como João do Vale cuja obra supera todas as diferenças e se impõe pela qualidade. Assim criador e criatura tornam-se símbolos de um país que se redescobre e se reinventa em sua infinita capacidade de fazer arte e unificá-la como um fator de consolidação da nacionalidade, ajudando a preservar e aglutinar diferenças moldando-os com um único nome: Brasil.
O menino pobre de Pedreiras chegou lá! Fez-se grande, imortalizou-se e deixou seu nome na história!
Faixas:
01 - Na asa do vento (João do Vale - Luiz Vieira)
02 - Pé do lajero (João do Vale - Jose Cândido) (Com Tom Jobim)
03 - Estrela miúda (Luiz Vieira - João do Vale) (Com Amelinha)
04 - Bom vaqueiro (João do Vale - Luiz Guimarães) (Com Fagner)
05 - O canto da ema (João do Vale - Alventino Cavalcante - Ayres Vianna) (Com Jackson do Pandeiro)
06 - Carcará (João do Vale - Jose Cândido) (Com Chico Buarque)
07 - Morceguinho (O rei da natureza) – (João do Vale) (Com Zé Ramalho)
08 - Morena do grotão (João do Vale - Jose Cândido)
09 - Uricuri (Segredo do sertanejo) – (João do Vale - Jose Cândido) (Com Clara Nunes)
10 - Fogo no Paraná (João do Vale - Helena Gonzaga) (Com Luiz Gonzaga Junior)
11 - Pipira (João do Vale - Jose Batista) (Com Nara Leão)
12 - Pisa na fulô (João do Vale - Ernesto Pires - Silveira Jr.) (Com Alceu Valença)
13 - Minha história (Raimundo Evangelista - João do Vale)
Ficha Técnica
Produtor fonográfico: Discos CBS
Direção de produção: Chico Buarque de Holanda/Raimundo Fagner/ Fernando Faro
Direção de estúdio: Fernando Faro
Arranjos e regências: Jose Briamonte
Assistente de produção artística: Bete Villela
Técnicos de gravação: Luiz Paulo Loureiro/Rafael Azulay/Reinaldo Mazzieiro/Wanderlei
Mixagem: Reinaldo Mazzieiro/Claudinho
Gravação: Estúdios Sigla e Transamérica – Rio de Janeiro e Reunidos – São Paulo
Capa: Elifas Andreato
Fotos da capa: Iolanda Huzak
Arte final: Alexandre Huzak
Fotos do envelope e encarte: Frederico Mendes
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