quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

A MÚSICA POPULAR NOS ANOS DO SEGUNDO GOVERNO VARGAS

Por Santuza Neves



O início dos anos 1950 foi marcado pela diversidade na criação de sons populares no Brasil. Por um lado, a forte sensibilidade nacionalista, característica de compositores e intérpretes que iniciaram suas carreiras nas décadas de 1920, 30 e 40, como é o caso de Ari Barroso e Araci de Almeida, passou a conviver com o gosto de novos músicos e cantores pelas canções norte-americanas de Cole Porter, George Gershwin e tantos outros, e também pelo estilo interpretativo do brasileiro Dick Farney, que, em sua estada nos Estados Unidos, em 1946, fez contatos e se apresentou com músicos americanos importantes, como Nat "King" Cole, David Brubeck e Bill Evans. O samba, desde o período modernista símbolo de brasilidade por excelência, passou a admitir cada vez mais subcategorizações, que vão do samba-canção surgido nos anos 1920 ao sambablue, denominação pejorativa cunhada por críticos de viés nacionalista para designar uma modalidade de samba que creditavam à influência de baladas norte-americanas e à maneira de cantar de Bing Crosby. Johnny Alf, o principal seguidor desta tendência iniciada por Dick Farney, começou a carreira de pianista em 1952 e integrou em seguida o conjunto formado pelo violonista Fafá Lemos, apresentando-se na boate Monte Carlo. Também nesse ano gravou seu primeiro disco, "De cigarro em cigarro", com Luís Bonfá.



A recepção da música popular tornou-se cada vez mais segmentada, pois se o público do samba considerado tradicional continuou fiel ao estilo, havia audiência também para as diferentes estilizações do samba, e um largo espectro da população absorvia os ritmos regionais, tanto nacionais quanto estrangeiros. O baião, por exemplo, criado por Luís Gonzaga nos anos 1940, foi recriado em 1952 por Humberto Teixeira com a composição "Kalu", interpretada por Dalva de Oliveira. As canções regionais do Centro-Sul, como a moda caipira, mantiveram o seu público cativo, o que não impediu a entrada no país da guarânia paraguaia e do bolero mexicano.

Alguns compositores e intérpretes que mais tarde se tornaram importantes no cenário musical iniciaram suas carreiras no início dos anos 1950. É o caso de Tom Jobim, que começou a trabalhar como pianista de boate, e em 1952, junto com Radamés Gnattali, tornou-se arranjador na Continental. Foi também nesse momento que Tom compôs as suas primeiras músicas, como o samba-canção "Incerteza", com Newton Mendonça. Em 1953, Tom Jobim e Billy Blanco escreveram a "Sinfonia do Rio de Janeiro", de cuja gravação participaram vários músicos. Em 1954, em parceria com Billy Blanco, Tom obteve seu primeiro sucesso, "Teresa da praia", gravada na Continental nesse mesmo ano por Dick Farney e Lúcio Alves, com acompanhamento de Tom e seu conjunto e coro.

Antônio Maria foi figura marcante no cenário carioca desse período. Além de programas de televisão e rádio em que atuava desde 1951, exercia as atividades de compositor, roteirista de shows e espetáculos de revista e principalmente jornalista, pois foi um importante cronista das noites da boate Vogue, que apresentava grandes nomes da música popular e reunia a boemia da Zona Sul. Como compositor, destacou-se com o samba-canção "Ninguém me ama", parceria com Fernando Lobo, interpretado por Nora Ney em 1952. Nora Ney, que criou um estilo sofisticado e dramático de interpretar sambas-canções, lançou seu primeiro disco em 1952, depois de cantar em boates do Rio. Dolores Duran fez um percurso semelhante, embora se destacasse também como compositora.

Outra figura marcante foi Ari Barroso, que, já conhecido como pianista e compositor desde as décadas de 1920 e 30, manteve o seu prestígio na década de 1950. Ari tinha em comum com Antônio Maria a versatilidade, atuando como músico, locutor esportivo e ativista sindical, entre outras atividades. Contraditório, compôs em 1952 o samba-canção "Risque", depois de passar anos atacando esse estilo musical por considerá-lo um estrangeirismo no samba. Em 16 de março de 1953, à frente de uma delegação de dirigentes da SBACEM, teve um encontro com Getúlio Vargas no Palácio do Catete. Nesse ano comemorou seus 50 anos com uma grande festa em sua casa, à qual compareceu, entre outras pessoas conhecidas, o então ministro da Justiça Tancredo Neves.

Algumas cantoras tiveram forte presença no período. Elisete Cardoso, por exemplo, conhecida desde os anos 1940, fez sua estréia na televisão no início da década seguinte em programa de Ari Barroso. Ângela Maria, com um estilo de interpretação diferente do de Elisete, mais operístico, e de início muito influenciada por Dalva de Oliveira, atuava numa pauta mais popular e tornou-se a grande cantora do rádio dos anos 1950. Seu primeiro sucesso foi em 1952 com a gravação do samba "Não tenho você", de Paulo Marques e Ari Monteiro. Foi-lhe conferido o título de Rainha de Rádio em 1954 e, segundo reza a lenda, o presidente Getúlio Vargas a apelidou de Sapoti, em referência à doçura de sua voz e à sua cor.

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