quarta-feira, 8 de julho de 2015

O SABOR DE PERNAMBUCO - JOÃO PERNAMBUCO - PARTE 01


Por Joaquim Macedo Júnior


João Pernambuco, Agustin Barrios e Quincas Laranjeiras



Retomo a história de João Pernambuco, por considerar que somente um artigo publicado sobre esse craque da música popular brasileira é pouco. E continuará sendo. Ele ainda é muito desconhecido, em que pese ter sido gravado por quase todos os grandes violonistas do país, como Dilermando Reis, Raphael Rabelo, Yamandu Costa, Turíbio Santos, Baden Powell.

Com o enorme talento que possuía, logo tornou-se amigo de figuras importantes da música popular de seu tempo, como Quincas Laranjeiras, Sátiro Bilhar, Mário Álvares, Patrício Teixeira, Zé Cavaquinho, Veloso.

Frequentava, com assiduidade, os bailes carnavalescos da cidade e a Festa da Penha, tradicional encontro de músicos, realizado no Rio em outubro.

Já autor de choros, canções, toadas sertanejas e profundo conhecedor de gêneros do cancioneiro nordestino, cantou para Catulo da Paixão Cearense algumas dessas cantigas, dentre as quais o coco “Engenho de Humaitá”, que pouco tempo depois iria se transformar na célebre canção “Luar do sertão” e a toada “A cabocla de Caxangá”. Muito ligado a Catulo, passaram a exibir-se em residências ilustres do Rio de Janeiro, como as de Afonso Arinos e Rui Barbosa.

Reza a lenda que o notável Agustín Barrios, numa de suas vindas ao Rio, emocionou-se ao ver João tocar e dedicou-lhe o seu ‘Choro da Saudade’.


Por volta de 1912, fez gravações como solista de violão para a Phoenix de Gustavo Figner, irmão de Fred Figner (proprietário da casa Edison). Organizou o Grupo do Caxangá, conjunto de inspiração nordestina, tanto no repertório como na indumentária, no qual a maioria dos integrantes adotava para si um codinome sertanejo.

Cabocla de Caxangá, de João Pernambuco e Catulo da Paixão Cearense, com Leandro Carvalho, voz de Sandra Pereira – 1997:


Grupo do Caxangá

Em sua primeira formação, o grupo reunia João Pernambuco (Guajurema), Caninha (Mané Riachão), Raul Palmieri, Jacó Palmieri (Zeca Lima), Pixinguinha (Chico Dunga), Henrique Manoel de Souza (Mané Francisco), Manoel da Costa (Zé Porteira), Osmundo Pinto (Inácio da Catingueira), Donga, Bonfíglio de Oliveira, Quincas Laranjeiras, Zé Fragoso, Lulu Cavaquinho, Nelson Alves, José Correia Mesquita, Vidraça e Borboleta.

No carnaval de 1914, o Grupo do Caxangá percorreu os principais pontos da Avenida Rio Branco, e “Cabocla de Caxangá” tornou-se grande sucesso musical. No mesmo ano, Afonso Arinos, tio do jurista e ministro Afonso Arinos de Mello e Franco, tio-avô do diplomata, escritor e acadêmico Afonso Arinos, filho, que organizava um ciclo de palestras sobre temas do folclore brasileiro a ser apresentado no Teatro Municipal de São Paulo, convidou-o a participar do evento ao lado de Otávio Lessa (violão), José Alves de Lima (bandolim) e Luís Pinto da Silva (cavaquinho).

Com o título de “Lendas e Tradições Brasileiras”, a apresentação fez grande sucesso, sendo reprisada posteriormente. Em 1916, Pernambuco organizou a “Trupe sertaneja”, com que se apresentou em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. O Grupo do Caxangá continuou se apresentando e brilhando nos carnavais seguintes até 1919.

Graças a influencia de João Pernambuco, vieram ao Rio de Janeiro na década de vinte do século passado os conjuntos Turunas Pernambucanos, Turunas da Mauricéia e A Voz do Sertão.

Com estes conjuntos vieram músicos maravilhosos que alcançaram grande projeção no Sudeste, como Luperce Miranda, Augusto Calheiros, Jararaca e Ratinho. O cego Manoel de Lima e Jaime Florence (o Meira).

O sucesso destes grupos acabou por influenciar grupos formados no Rio como o Bando dos Tangarás (Integrado por Noel Rosa, Almirante e João de Barro dentre outros), e em São Paulo principalmente, onde a partir de 1927 viveu a canção sertaneja o seu apogeu, que duraria até 1935. Surgiram então os Turunas Paulistas, os Batutas Paulistas, o Conjunto Verde-Amarelo, os Chorões Sertanejos, a Orquestra Colbaz e o Sexteto Bertorino Alma.

Os interpretes mais representativos desta fase foram Paraguassu, Raul Torres, Jaime Redondo, Januário de Oliveira, Stefana de Macedo e Elsie Houston-Péret. Integravam estes grupos músicos do mais alto nível como Gaó, Alberto Marino, Atílio Granny, Zezinho do Banjo (o ‘Zé Carioca’), Jonas Aragão, José Sampaio, Aymoré, Nestor Amaral e Garoto.


Os Oito Batutas


Pouco depois, Pixinguinha formou o conjunto ‘Os Oito Batutas’, e quase todo o Grupo do Caxangá foi requisitado, desfazendo-se.

João Pernambuco não participou da primeira formação. Na época, lecionava violão, tal como Quincas Laranjeiras, na ‘Casa Cavaquinho de Ouro’.

A pedido de Arnaldo Guinle, passou a integrar Os Oito Batutas, que seguiriam em turnê pelo Nordeste, para que este recolhesse material folclórico para uma antologia que Guinle pretendia publicar. Alguns dos admiradores do grupo eram Rui Barbosa e Ernesto Nazareth, que assistiam as apresentações no Cine Odeon, situado defronte ao Palais, ambos na Cinelândia.

No repertório do grupo constavam cantos, toadas, lundus, choros, de João Pernambuco, de Pixinguinha, de Donga.

Em 1920, constituem-se em uma das atrações da opereta sertaneja “Flor tapuia”, de Alberto Deodato e Danton Vampré, apresentada no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro. Em 1921, recebem novamente convite de Arnaldo Guinle para uma nova excursão a Salvador, com apresentação no Cine-Teatro Olímpia e no Recife, no Cine-Teatro Moderno.

De volta ao Rio de Janeiro, os Oito Batutas apresentaram-se no Cine-Teatro América, na revista “O que o rei não viu”, musicada por Pixinguinha e China. O grupo fez ainda várias apresentações e, encerrando a temporada de 1921, exibiu-se no ‘Teatro Lírico’ e no ‘Cabaré Assírio’, onde o violonista encerrou sua participação no grupo.


As polêmicas com Catulo

Em 1924, Catulo da Paixão Cearense, que era nascido no Maranhão, incluiu em seu livro “Mata iluminada”, as letras de “Luar do sertão” e “Cabocla de Caxangá”, sem fazer qualquer referência ao autor das melodias.

Alguns historiadores acreditam que se tratava de temas do folclore musical nordestino, recolhidos por João Pernambuco. O episódio resultou posteriormente numa batalha judicial, que acabou por dar ganho de causa a João Pernambuco, que, passou a ter incluído seu nome ao lado do de Catulo.

Em 1926, fez suas primeiras gravações pela Odeon, registrando os maxixes “Mimoso” e “Lágrimas”, de sua autoria. Com o cavaquinista Nelson Alves, gravou os choros “Magoado” e “Sons de carrilhão”.

No mesmo ano, o cantor Patrício Teixeira gravou também na Odeon a canção sertaneja “Jandaia” e a embolada “Seu Coitinho pegue o boi!”, de sua autoria, Ainda em 1926, foi o patrono das provas de violão do concurso “O que é nosso” promovido no Rio de Janeiro pelo jornal “Correio da Manhã”.

Em 1930, gravou uma série de cinco discos para a Columbia, como solista de violão, interpretando dez de suas obras – os choros “Pó de mico”, “Magoado”; “Reboliço”; “Recordando” e “Dengoso”, os jongos “Sentindo” e “Interrogando”, as valsas “Sonho de magia” e “Suspiro apaixonado” e o foxtrot “Rosa carioca”.

Fez as melodias para a toada “Catirina” e as emboladas “Meu noivado”, “Perigando” e “ABC”, com versos do folclore que o cantor e instrumentista Jararaca gravou na Columbia com seu acompanhamento ao violão.

Na mesma época, a cantora Stefana de Macedo gravou a toada “Maneca dos Geraes”, o coco “Sodade cabocla”, parceria com E. Tourinho, e o baião “Estrela d’alva”, para as quais fez acompanhamentos ao violão.

Ainda em 1930, o cantor Paraguassu gravou sua toada “Amô de caboco” e Januário de Oliveira as canções “A inveja matou Caim” e “Corrupião da lagoa”, parcerias com Junquilho Lourival, sendo que para este último, também fez acompanhamentos ao violão.

Em 1947, João Pernambuco compôs sua última obra, “Canção do Violeiro”, sobre versos de Castro Alves. Sua obra, extremamente rica e significativa, constituiu-se num dos pilares do repertório violonístico brasileiro.


Grandes intérpretes de sua obra

Em 1969, seu choro “Sons de carrilhões” foi gravado pelo violonista Antônio Rago, na Chantecler. Em 1978, Turíbio Santos lançou o LP “Choros do Brasil”, onde revive a obra do violonista e compositor, da qual destacam-se os choros “Sons de carrilhões”, obra que integra o repertório de quase todos os violonistas brasileiros, “Graúna”, “Dengoso”, “Interrogando” e “Pó-de-mico”.

Em 1979, foi lançado pela Continental o LP “O som e a música de João Pernambuco” no qual foram apresentadas 12 composições do violonista sendo que dez em sua própria interpretação ao violão com acompanhamento de Zezinho, também ao violão, e duas interpretações de Dilermando Reis.

Já Dilermando Reis interpretou “Sons de carrilhões” e “Interrogando”, esta última em versão gravada em 1953. Em 1980, teve os tangos “Lágrima” e “Sentindo” e o choro “Brasileirinho” incluídos em show apresentado pelos violonistas Nicanor Teixeira e Sérgio de Pina.

Em comemoração ao centenário de nascimento do compositor, em 1983, a Funarte lançou LP com a participação do pianista Antonio Adolfo e do grupo Nó em Pingo d’Água. Em 1999, o violonista Leandro Carvalho lançou o CD “Descobrindo João Pernambuco”. Em 2000, o violonista Caio Cesar lançou o CD “João Pernambuco” apenas com suas músicas. Ainda naquele ano, foi lançado por Baden Powell o CD “João Pernambuco e o sertão”.

Em 2007, a toada “Luar do Sertão”, com Catulo da Paixão Cearense, foi gravada pelo cantor e compositor Tinoco e pelo violeiro Mazinho Quevedo no CD “Coração caipira – ao vivo” da Som Livre.

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