segunda-feira, 13 de julho de 2015

60 ANOS SEM GAROTO

Ao longo deste ano completa-se seis décadas que perdemos um dos mais exímios instrumentistas da primeira metade do século XX


Filho dos portugueses Antônio Augusto Sardinha e Adosinha dos Anjos Sardinha, o pai tocava guitarra portuguesa e violão, e o irmão, Batista, tinha um conjunto em que tocava banjo e outros instrumentos. Começou a tocar sozinho, de ouvido e, ganhando um banjo do irmão, integrou em 1926, com apenas 11 anos, o Regional Irmãos Armani, ficando conhecido então como Moleque do Banjo, por sua pouca idade. No ano seguinte passou a tocar no Conjunto dos Sócios, pertencente ao irmão Inocêncio, cantor e violonista, apresentando-se em reuniões e festas. Em 1930, com o violonista Serelepe (D. Montezano), apresentou-se ao diretor artístico da Parlophon, maestro Mignone e, depois de um teste, foram convidados no mesmo dia para gravar. Lançaram então em disco Bichinho de queijo, maxixe-choro, e Driblando, maxixe, duas composições suas, em duo de banjo e violão (no selo do disco consta o nome de Aníbal da Cruz como autor, que é ele próprio). Na porta da gravadora travou relações com Zezinho, mais tarde conhecido como Aimoré, com quem passou a tocar, fazendo serenatas todas as noites no bairro da Luz, na capital paulista. Depois, substituiu Derbagno no conjunto Chorões Sertanejos, com o qual viajou pelo interior de São Paulo. De volta à capital do Estado, trabalhou no Teatro Moulin Rouge e no Circo Piolin, do Largo do Paissandu.

Em 1931 passou a atuar profissionalmente na Rádio Educadora Paulista (depois Gazeta), tocando cavaquinho e bandolim no Conjunto Regional, em substituição a Zé Carioca, então Zezinho do Banjo. Deixou a emissora no mesmo ano, passando a tocar no Jazz da Cruz Azul. Em fins de 1934 foi convidado por Jaime Redondo, da Rádio Cosmos, de São Paulo, para integrar, ao lado de Aimoré, Atílio Grani, Pingo e Petit (Hudson Gaia), o Conjunto Regional, liderado por este último. Na época, por sugestão do próprio Redondo, mudou seu apelido de Moleque do Banjo para Garoto, e compôs, no mesmo ano, a música Quinze de Julho (com Aimoré). No ano seguinte organizou, com Petit e Aimoré, um trio que se apresentou no salão nobre do Edifício Martinelli, em São Paulo. Com o fechamento da Rádio Cosmos, ficou algum tempo sem trabalho, sendo depois convidado a participar da Quarta Caravana Artística com temporada em Curitiba, no Cassino Rodoviário do Paraná. De lá, com Aimoré, foi para Porto Alegre RS, atuando no Cassino Farroupilha, e para Buenos Aires, Argentina, onde acompanharam Carlos Gardel em alguns números. Retornando a São Paulo, apresentou-se, com Aimoré e Sílvio Caldas, em Santos, quando obteve grande sucesso tocando violão-tenor.



Em 1936, com Aimoré no acompanhamento, gravou pela Columbia dois 78 rpm, com suas músicas Dolente, choro, Moreninha e Sobre o mar, valsas com solo de guitarra havaiana pelo autor, e Quinze de Julho, com solo de violão-tenor. No mesmo ano, a convite de Sílvio Caldas, foi com Aimoré para o Rio de Janeiro, chegando a estrear na Rádio Mayrink Veiga. Contudo, por problemas de saúde, voltou a São Paulo, onde foi convidado, em 1937, pelo maestro Gaó, para integrar o conjunto regional da Rádio Cruzeiro do Sul. Dois anos depois casou e desfez a dupla com Aimoré, seguindo para o Rio de Janeiro, onde passou a tocar com Laurindo de Almeida. Com a saída do violonista Ivo Astolfi do Bando da Lua, Carmen Miranda chamou-o para substituí-lo. Permaneceu oito meses nos E.U.A. com o conjunto. De volta ao Brasil, formou o conjunto Garoto e seus Garotos, integrado por Valdemar Reis, Poli e Almeida ao violão, e Russo do Pandeiro. Mais tarde, quando o conjunto se desfez, foi para a Rádio Nacional, participando de vários programas com Carolina Cardoso de Meneses e atuando na Orquestra da Rádio Nacional, regida por Radamés Gnattali. De 1942 a 1946 gravou, na Victor, seis 78 rpm com Carolina Cardoso de Meneses, sob o título Garoto e Carolina, e, cinco anos depois, formou dupla com José Meneses, participando do programa Nada Além de Dois Minutos, de Paulo Roberto, na Rádio Nacional.

Ali, trocava de instrumentos sem perder a seqüência das músicas, alternando violão, guitarra, violão-tenor e cavaquinho. Ainda com José Meneses atuou em outros programas, como Ao Som da Viola e Um Milhão de Melodias, em que eram solistas da Orquestra da Rádio Nacional, além de terem gravado vários discos. Em 1952 surgiu o Trio Surdina, produzido por Paulo Tapajós, então diretor artístico da Rádio Nacional. Formado por Fafá Lemos (violino e solos de assobio), Chiquinho (acordeom) e ele próprio (violão), o trio gravou dois LPs de 10 polegadas, a convite de Nilo Sérgio, pela Musidisc. Realizadas no próprio estúdio da Rádio Nacional, nessas gravações foram incluídos mais dois elementos no grupo, o contrabaixista Vidal e o ritmista Bicalho. Lançado em 1953, o primeiro LP, Trio Surdina, trazia, entre outras, suas músicas O relógio da vovó (com Fafá Lemos e Chiquinho do Acordeom) e Duas contas, e ainda Na madrugada (Nilo Sérgio).

No mesmo ano, com a Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal, do Rio de Janeiro, regida pelo maestro Eleazar de Carvalho, tocou o Concerto nº 2, para violão e orquestra, da Radamés Gnattali, que lhe era dedicado. Ainda em 1953 compôs, com Chiquinho do Acordeom, São Paulo quatrocentão (com letra de Avaré), para o IV Centenário de São Paulo, que vendeu 700 mil discos. Foi ainda naquele ano que gravou seu primeiro disco como violonista, pela Odeon, com Abismo de rosas (Canhoto) e Tristezas de um violão (de sua autoria). Ao longo de sua carreira, estudou música com Atílio Bernardini e composição com João Sepe, cursando matérias afins com Radamés Gnattali.



Como compositor, além de São Paulo quatrocentão, obteve grande sucesso com Amoroso (com Luís Bittencourt), Estranha amor (com Davi Nasser), Sorriu para mim (com Iraci de Abreu de Medeiros Rosa), Duas contas e Gente humilde, cuja letra foi escrita mais tarde por Chico Buarque e Vinícius de Morais. Gravou ainda, como instrumentista de corda, sambas, choros, prelúdios, valsas, além de composições de músicos eruditos. Morreu em 1955, de um ataque cardíaco, quando planejava excursão à Europa. Em 1914 foi homenageado por Poli no LP Músicos maravilhosos, lançado pela Chantecler, em que está o choro Quinze de Julho, primeira gravação da dupla Garoto e Aimoré.

Falar de Aníbal Augusto Sardinha, compositor e instrumentista, conhecido artisticamente pelo nome de Garoto, é retratar o surgimento da Bossa Nova, bem antes do advento de João Gilberto em 1958, interpretando a música “Chega de Saudade”, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Dominava com técnica invulgar quase todos os instrumentos de corda, especialmente o violão acústico, violão elétrico, violão tenor, banjo, contrabaixo, violoncelo, guitarra havaiana, guitarra portuguesa, cavaquinho, bandolim e até piano. Era um autêntico “festival de cordas”.

Nascido em São Paulo, a 28 de junho de 1915 e falecido no Rio de Janeiro, a 3 de maio de 1955, Garoto fez da música o sentido maior de sua vida, e da perfeição, o objetivo a ser alcançado. Foi um dos pioneiros a incorporar, principalmente ao samba, ao choro e à valsa, elementos “jazzísticos” e eruditos. Essa síntese é bem perceptível no dissonante “Nosso Choro”, composto em 1937 e gravado em 1950 para o arquivo particular do prof. Ronoel Simões, seu amigo particular. A partir de 1946, Garoto passa a integrar, sob a regência do maestro Radamés Gnatalli, uma pequena orquestra composta por Chiquinho do Acordeon, José Meneses, Luís Bonfá, Ari Ferreira, Luciano Perrone e Vidal. Em 1950, compões dois choros antológicos: “Sinal dos Tempos” e “Jorge do Fusa”. 

Desse encontro com o maestro Radamés, novas concepções de arranjo são introduzidas nas gravações de Dick Farney, principalmente no samba-canção “Nick Bar” (Garoto e José Vasconcelos), de 1951; Garoto sola com violão tenor um improvisado choro, antecipando-se à entrada de Dick Farney. Na seqüência, troca o violão tenor pelo violão acústico para timbrar novos sons e acordes. Só a psicoacústica poderia explicar tantas nuances sonoras.

Em 1952, com a formação do trio Surdina, integrado por Garoto ao violão, Chiquinho ao acordeon e Fafá Lemos ao violino, começa a se sedimentar o período embrionário da Bossa Nova. O nome do trio se deve ao fato de seus elementos não poderem gravar com seus próprios nomes, pois pertenciam a gravadoras diferentes. Alguns discos do trio são lançados em 1953 pelo selo Musidisc, destacando-se a primeira gravação de “Duas Contas”, a única música que é cantada. Fafá Lemos é quem canta. Os três instrumentistas surpreendem pelo apuro técnico. Ainda em 1952 registra-se o encontro de Garoto ao violão, Johnny Alf ao piano e Vidal ao contrabaixo. Gravam “Falsete” de Johnny Alf e “De Cigarro em Cigarro” de Luís Bonfá. Para muitos, é a gravação pioneira da Bossa Nova. Na música “Falsete”, os instrumentos travam entre si duelos melódicos entrecortados por contrapontos. Nessas gravações, outro gênio começava a despontar: Johnny Alf, que juntamente com Garoto, são dois dos mais importantes precursores da Bossa Nova. Antes de falecer, Garoto chega a conhecer Dolores Duran, Silvinha Telles, Billy Blanco, João Gilberto e Tom Jobim. No dia 3 de maio de 1955 ele vem a falecer. Sua obra passa então a interessar apenas a alguns paleontólogos da nossa música.

Fonte: samba-choro

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