No início do verão de 83, com o baterista Juba substituindo Lobão, a temporada de lançamento de As aventuras da Blitz, no Roxy Roller, foi triunfal, com duas sessões superlotadas por dia, uma às nove da noite e uma matinê às três da tarde para atender às massas mirins. A sensação era um falso strip-tease de Fernanda e Marcinha antes de começarem a cantar “era um biquíni de bolinha amarelinho/ Tão pequenininho mal cabia na Ana Maria/ Biquíni de bolinha amarelinho tão pequenininho/ Que na palma da mão se escondia” (versão de “Itsy Bitsy Weenie Yellow Polkadot Bikini”, dos anos 60). Mesmo com as meninas atrás de uma tela semitransparente, a garotada delirava só com as sombras das curvas. Pouco depois, Lulu Santos estourava nas rádios de todo o Brasil, não com um rock, mas com um bolero moderno, de verão, com guitarras e bongôs e o produtor Liminha grasnando como uma arara para dar “clima tropical” na introdução: o nosso “Como uma onda”, que tinha o intrigante subtítulo de “Zen-surfismo”. Assim que Lulu me mostrou a melodia senti cheiro de gol. Minha experiência no ramo me dizia “habemus hit”. Em algumas horas, escrevi a letra, misturando leituras de A arte do arqueiro zen, de Eugene Herringel, com alguns baseados e o Buda de Jorge Luís Borges, naveguei na eterna metáfora
das ondas (na citação “a vida vem em ondas como o mar”, do “Dia da criação”, de Vinícius), inspirado pelas praias cariocas no verão com seus surfistas e cocotas.
“Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia tudo passa, tudo sempre passará, a vida vem em ondas como um mar num indo e vindo infinito. Tudo que se vê não é igual ao que a gente viu há um segundo tudo muda o tempo todo no mundo não adianta fugir nem mentir pra si mesmo agora, há tanta vida lá fora, aqui dentro, sempre, como uma onda no mar.” Foi um dos maiores sucessos populares do ano, era cantada em coro pelas multidões nos auditórios de TV e nos shows, Lulu se consagrava como um nome nacional: não só entre os jovens roqueiros mas no coração do grande público. “Como uma onda” integrava o Lp Ritmo do momento, pop de primeira de cabo a rabo, com hits como “Adivinha o quê” (inicialmente proibida pela Censura, moribunda mas ainda ativa) e “Um certo alguém” (com letra de Ronaldo Bastos). Rapidamente o disco alcançou a marca dos 90 mil vendidos. Recebido entusiasticamente no underground e na cena roqueira, o Lp de Lobão não chegou a ser um sucesso popular, mesmo com grandes músicas como “Cena de cinema” (com Bernardo e Marina), “Amor de retrovisor” e “O homem-baile” e a participação de algumas das maiores estrelas de sua geração como Ritchie, Lulu Santos e metade da Blitz: o guitarrista Ricardo Barreto, o tecladista William Forghieri, o baixista Antonio Pedro e o saxofonista Zé Luiz. E Marina Lima, por quem Lobão estava apaixonado.
Marina era uma morena apaixonante, de cabelos negros e crespos e corpo esguio, com uma voz rouca e macia, cheia de estilo e graça, nova cantora de pop sofisticado lançada pela Warner. Criada em Washington e irmã do poeta e filósofo Antonio Cícero, com 22 anos Marina de biquíni jogando frescobol era uma das sensações da praia do Posto Nove, em Ipanema. Nesse tempo eu não gostava de Marina, nem pessoal nem artisticamente. Muito pelo contrário. E certamente vice-versa. Assisti ao show de lançamento do seu primeiro disco, dois anos antes, naquele mesmo Teatro Ipanema, e achei que a garota era bonita e carismática, tinha personalidade na voz e um projeto de estilo. Mas estava tão nervosa, mas tão nervosa, tão desconfortável em uma malha colante negra que a deixava como nua, que foi um sofrimento ouvi-la. Também não gostei do disco, achei confuso e pretensioso. Na praia, na noite e nas festas nossas relações sociais eram tensas e secas. Ela me parecia agressiva, arredia, esquiva. Quando saiu o seu segundo disco, Olhos felizes, com grandes arranjos de Lincoln Olivetti e um repertório muito melhor, muita gente gostou, Lulu Santos e Lobão adoraram e me recomendaram. Dei uma ouvida rápida, não tinha o menor interesse naquela garota que eu achava tão antipática. Mas quando ouvi Maria Bethânia cantando o belíssimo bolero “O lado quente do ser”, me surpreendi ao saber que era de Marina e de seu irmão Antonio Cícero.
“Eu gosto de ser mulher que mostra mais o que sente, o lado quente do ser, e canta mais docemente.” Em seguida, ela gravou o Lp Certos acordes e me mandou um, afinal eu ainda era um crítico respeitado e tinha uma coluna em O Globo. Escreveu com caneta prateada na capa: “Agora só falta você”, citando o rock de Rita Lee em desafio. Era verdade, todos os meus amigos gostavam de Marina. Quando ouvi o disco, ouvi de novo, e de novo, e fiquei ouvindo durante horas seguidas, maravilhado com os ritmos e sonoridades que ela tinha encontrado, as músicas que cantava, tanta novidade e qualidade. Uma fusão perfeita entre as complexidades harmônicas da bossa nova e os timbres elétricos do rock e da música negra americana, produzindo um pop altamente sofisticado. Um disco deslumbrante, com estilo e elegância, com graça e humor, leveza e profundidade.
Na capa em preto-e-branco, uma linda foto de Walter Firmo, meio desfocada, com Marina caminhando descalça na beira do mar, com a blusa entreaberta deixando entrever um seio moreno. Não só ocupei o espaço inteiro da coluna falando de Certos acordes e de Marina, como mandei-lhe flores gratas e entusiasmadas. Não faltava mais ninguém. Ficamos amicíssimos, trocamos confidências, falamos de música, fizemos planos, nos divertimos muito e acabei fazendo com Lulu uma música para ela. E depois outra, com Guilherme Arantes (“Marina no ar”). Marina era inteligente, amorosa e delicada, de uma grande honestidade artística, uma garota de muito estilo. Em Certos acordes, entre várias grandes músicas, uma parecia definir a própria artista, “Charme do mundo”: “Acho que o mundo faz charme e que ele sabe como encantar-me por isso sou levada, e vou, nessa magia de verdade...” Depois do “Verão do rock”, Marina gravou a romântica “Me chama”, de Lobão, com tanta emoção que a tornou um clássico instantâneo do pop brasileiro — e o primeiro sucesso popular de Lobão.
“Chove lá fora e aqui faz tanto frio, me dá vontade de saber aonde está você? me telefona, me chama, me chama, me chama...” “Bondinhos, bondinhos e mais bondinhos repletos de consumidores ávidos de música e de sexo” era o que invariavelmente o gerente Djalma reportava da estação da Praia Vermelha para o escritório no alto do Morro da Urca, nas noites de sextas e sábados. Mesmo debaixo de chuva, muita gente subia o morro para ver as novas bandas de rock brasileiro do Rio, de São Paulo e de Brasília. O Noites Cariocas não precisava de outras atrações além dos hits dançantes de Dom Pepe, da paisagem deslumbrante, da liberdade absoluta e dos matos aconchegantes: o show ao vivo era mais um extra para o público. As novas bandas de rock, mesmo desconhecidas, já encontravam esperando por elas três mil jovens pulando feito pipoca na pista e namorando a céu aberto. Gang 90, Blitz, Lulu Santos, Ritchie, Lobão, Barão Vermelho, Brilho da Cidade, todos tocaram no verão do rock no Noites Cariocas.
Mas o grande, o mais esperado e concorrido show do verão não foi de uma banda de rock, mas do rei do funk e do soul, Tim Maia. Depois de muitas negociações, Tim assinou um contrato para cantar no Noites Cariocas. Na noite do show, desde cedo, subiam bondinhos e mais bondinhos lotados de consumidores ávidos e logo a lotação estava esgotada. Nunca a casa recebeu tantos VIPs e tantos artistas: roqueiros, emepebistas e sambistas adoravam Tim Maia. Depois da meia-noite começamos a nos preocupar. Tim ainda estava em casa, na Gávea. E pelo papo, com pouca vontade de sair. Só sairia se recebesse o seu “levado”, que é como ele chamava o cachê, em grana viva. Tim não acreditava em cheques.
O produtor Nelson Ordunha, o Duda, deu um rasante na bilheteria e saiu em velocidade rumo à Gávea, com uma sacola de supermercado cheia de dinheiro. Tim abriu a porta do apartamento de calção e chinelo e o convidou para um drinque, uma fileira e um baseado. E
confessou, contando o dinheiro e rindo, que morria de medo de andar de bondinho. Para criar coragem tomou mais alguns uísques, jogou a sacola debaixo da cama e finalmente entrou no carro. No alto do morro, a galera estava inquieta, já se ouviam algumas vaias e gritos, temia-se o pior. Quando Duda finalmente chegou com Tim à estação na Praia Vermelha e respiramos aliviados, ele olhou para cima, para o bondinho balançando suavemente nos cabos, rosnou e disse: “Não entro nessa porra de jeito nenhum. Só com anestesia geral.” Durante intermináveis minutos, Duda e Djalma tentaram convencê-lo a subir. Num bondinho só para ele. Com a luz apagada. De olhos vendados. Bebendo uísque. Com uma gata lhe fazendo massagem, chupando seu pau, chicoteando-o, o que ele quisesse. Desde que subisse. Pedi para falar com ele no telefone. Implorei que subisse, em nome de nossa velha amizade. Os ânimos estavam exaltados na pista e a Banda Vitória-Régia já no palco, tocando o tema de abertura. Tim respondeu, muito amistoso e jovial, com sua voz de trovão: “Meu amigo Nelsomotta (a única pessoa que, apesar da intimidade, só chamava os amigos pelo nome completo), eu tenho uma ideia muito melhor: em vez de eu subir, você manda o pessoal aqui pra baixo e a gente faz o show na praça.”
Soltou uma gargalhada, virou um copo de uísque puro e, empurrado por Duda e Djalma, embarcou no bondinho como um boi para o matadouro. De macacão de lamê prateado, subiu de olhos fechados e entrou no palco cantando “Vale tudo”, fez um show sensacional e a pista explodiu com seus sucessos. “Primavera”, “Gostava tanto de você”, “Réu confesso” e todos os que vinha acumulando desde 1980, quando lançou pela Warner um dos melhores discos de sua carreira: o Tim Maia Disco Club, com históricos arranjos funk-disco-samba de Lincoln Olivetti e clássicos como “Sossego”, “Acenda o farol” (“pneu furou? Acenda o farol!”) e “A fim de voltar”. Tim com a voz no seu ponto máximo de potência e precisão, vigor e maturidade, ainda com bom fôlego, ainda resistindo bem à devastação do álcool, da cocaína e da maconha, que consumia em quantidades industriais. E mais musical do que nunca. Depois desse, quando sua voz começa a declinar, ainda lançou dois discos poderosos — já por sua gravadora independente, a Vitória- Régia — com grandes hits como “Do Leme ao Pontal”, um passeio funksamba pelas praias cariocas, “Descobridor dos Sete Mares”, que se tornou um hino nas noites cariocas, e a suingada “Vale tudo”, com que abria — escancarava — os seus shows: “Vale tudo, vale o que vier, vale o que quiser, só não vale dançar homem com homem e nem mulher com mulher. (O resto vale)” Só que em vez de cantar “nem mulher com mulher”, Tim gritava: “Nem amassar bombril!” E o público explodia de rir e de dançar. Foi em Tim Maia que Edu Lobo e Chico Buarque pensaram quando produziram um belíssimo score musical para o bale O grande circo místico, que lançou a deslumbrante “Beatriz”, cantada por Milton Nascimento. Na gravação do disco, para cantar a música “A bela e a fera”, Edu e Chico precisavam de uma voz forte e grave para interpretar o homem-fera do circo e convidaram Tim Maia. “Quando vocês falaram em besta-fera eu vi logo que ia sobrar para mim”, disse Tim soltando uma gargalhada e aceitando entusiasticamente.
No estúdio, muito simpático e cordial, recusou-se terminantemente a cantar a melodia como Edu tinha escrito, insistindo em mudar a última nota da primeira frase musical. Era uma blue note, uma nota torta, e, por mais que Edu insistisse e mostrasse no piano que a nota natural que Tim preferia não cabia no acorde, foi definitivo: “Não adianta, Edulobo, o povo não entende blue note.” E cantou como queria. Ficou uma das melhores faixas do disco. Em junho de 83, vindos de Brasília, os Paralamas do Sucesso (Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone) gravaram um compacto com “Vital e sua moto”, que começou — como todas as novas bandas de rock — tocando na Fluminense FM, autocognominada “A maldita”, e de lá se espalhou pelos ares cariocas e brasileiros. A rádio, pra lá de alternativa (emitia de Niterói), foi uma criação do radialista Luiz ntonio Mello e do ex-empresário de Os Mutantes Samuel Wainer Filho, o Samuca. A partir de março de 82, a Fluminense foi a principal plataforma de lançamento das novas bandas: tocava do Clash ao The Cure até demos caseiras, promovia concursos e shows de rock, agitava dia e noite.
Foi na “maldita” que tocaram pela primeira vez os Paralamas e a nova banda carioca Kid Abelha e os Abóboras Selvagens. Logo que se mudou para a Lapa, o Circo Voador se tornou o grande palco alternativo do nascente BRock (expressão cunhada pelo jovem jornalista Arthur Dapieve e adotada pelo influente crítico Tarik de Souza, do Jornal do Brasil), com a programação “Rock Voador”, de Maria Jucá, que resultou no Lp lançado pela Warner. Sob sua lona generosa se apresentavam bandas novas como os Paralamas e o Kid Abelha e as novas estrelas do rock, como Lulu Santos, Blitz e Lobão. No Noites Cariocas, que era muito maior, passaram a se apresentar só os roqueiros que faziam sucesso no circo. A escalada de uma nova banda de rock no Rio de Janeiro começava com a banda tocando na Fluminense FM, depois no Circo Voador e se consagrava no Noites Cariocas, se apresentando para três mil pessoas. s vezes essa trajetória era cumprida em menos de seis meses, como aconteceu com os Paralamas, com o lançamento de seu primeiro Lp, Cinema mudo, e com o Kid Abelha, com o estrondoso sucesso nacional da atrevida “Pintura íntima”: “Fazer amor de madrugada, amor com jeito de virada.” O Brasil cantou e dançou com Paula Toller, a loura vocalista do Kid Abelha e co-autora do hit com seu namorado Leoni, baixista da banda. Venderam 100 mil discos em semanas. Conheci Eduardo Dusek quando ele era pianista e ator na montagem teatral anárquica e engraçadíssima de Antonio Pedro para Desgraças de uma criança, com Marco Nanini e Marieta Severo. Louro e altíssimo, com tanta vocação para a música como para a comédia, Dusek começou a fazer sucesso a partir de sua apresentação no festival MPB-80 da TV Globo, quando divertiu o público e a crítica, de fraque e cuecão, cantando Nostradamus, sua debochada versão cabaré-do-apocalipse do fim do mundo: “Vou até a cozinha Encontro Carlota, a cozinheira, morta! diante do meu pé, Zé! eu falei, eu gritei, eu implorei: levanta, me serve um café, que o mundo acabou.”
Dusek não ganhou prêmios, mas saiu como a grande revelação do festival. Ele não era um roqueiro, musicalmente, mas era muito na atitude e no espírito libertário, com um talento especial para o humor e o escracho. Fazia uma espécie de rock-cabaré, novidade que o público adorou. Quando chegou ao Circo Voador e ao Noites Cariocas já tinha dois Lps gravados e um hit estrondoso, “Rock da cachorra”, de Léo Jaime, um jovem roqueiro goiano que estava trabalhando com os cariocas do João Penca e seus Miquinhos Amestrados, que gravaram com Dusek no Lp Cantando no banheiro: “Troque seu cachorro por uma criança pobre, sem parente, sem carinho, sem rango e sem cobre. Seja mais humano, seja menos canino, dê guarida pro cachorro, mas também dê pro menino, senão um dia desses você vai amanhecer latindo.” Mais rock — e mais Brasil — era impossível. Os Miquinhos começam a se popularizar e lançam seu primeiro Lp, uma explosão de humor, alegria e rockabilly, com o sugestivo título de Os grandes sucessos de João Penca e seus Miquinhos Amestrados. Mas foi só um pequeno sucesso, com “Telma eu não sou gay” (paródia debochada de Léo Jaime para “Tell me once again”) divertindo a juventude. No show do Noites Cariocas, os Miquinhos, Bob Gallo, Avelar Love, Cláudio, the Killer e Selvagem Big Abreu (apresentado como “o maior pau da banda”) fazem todo mundo dançar e levam os bailarinos às gargalhadas com suas grossuras e baixarias.
Rock é humor. E rock é barato. Para as gravadoras, a nova onda do rock tinha muitas vantagens, mas especialmente uma: os discos saíam baratíssimos em relação aos de MPB, com suas grandes orquestras e suas estrelas que ganhavam royalties e adiantamentos muito maiores do que a garotada, que assinava contratos por uma penca de bananas. Uma banda de rock não precisava de músicos contratados e maestros para escrever arranjos. Precisava só de horas de estúdio — muitas — e um produtor. Mas não precisava de um produtor para buscar ou encomendar músicas aos compositores. As bandas de rock compunham e tocavam seu próprio repertório, cabia ao produtor só selecionar o material e, no estúdio, dar forma ao produto final. No que Liminha, um dos maiores músicos de rock do Brasil, desde Os Mutantes, era mestre absoluto. E melhor ainda: bandas de rock eram lançadas e testadas primeiro em compactos baratos até chegarem ao Lp, formato-base da MPB. O que economizavam em custos e royalties, as gravadoras investiam em promoção e marketing. E, na onda do Plano Cruzado, comemoravam recordes de vendas. Rock é business.
Produzido por Ezequiel Neves, o melhor crítico de rock do país, o Barão Vermelho, de Cazuza, Frejat, Maurício, Guto e Dé, emplaca seu primeiro sucesso, ou quase: “Pro dia nascer feliz” explode mesmo é com a gravação de Ney Matogrosso, que vivia um caso amoroso com Cazuza e era uma das grandes estrelas pop do momento, com bem-sucedidas incursões no rock. A gravação do Barão é relançada em compacto e também arrebenta. Um ano antes, Cazuza (em parceria com Frejat) escreveu a belíssima “Todo amor que houver nessa vida” para o primeiro disco do Barão e chamou atenção para seu talento de letrista. A música não chegou a ser um grande sucesso popular mas ganhou o Prêmio Sharp — e também apareceu em vários jornais e revistas — como “melhor do ano”. E mais: Caetano cantou “Todo amor que houver nessa vida” em seu show no Canecão. “Ser teu pão, ser tua comida, todo amor que houver nessa vida e algum trocado pra dar garantia.
E ser artista no nosso convívio pelo inferno e céu de todo dia pra poesia que a gente não vive transformar o tédio em melodia...” Caetano me conta que há uma banda punk na Bahia divertidíssima, que esculhamba com Caymmi, João Gilberto, Gil, Moraes, Pepeu e ele mesmo, Caetano. Os jornais se recusam a imprimir o nome da banda e do espetáculo: no Circo Relâmpago de Salvador, o Camisa-de-Vênus arrebenta com seu primeiro show, “Ejaculação precoce”. João Gilberto, surpresa das surpresas, grava, do seu jeito cool e bossa nova, “Me chama”, de Lobão, para a trilha sonora de uma novela da Globo. É o primeiro grande nome da música brasileira a gravar um roqueiro dos anos 80. As novas bandas ainda são vistas com desprezo e desconfiança por boa parte da MPB, que ironiza a ignorância política dos roqueiros, debocha das músicas em três acordes, tocadas por músicos que não sabem tocar e cantadas por cantores que não sabem cantar, para um público que não sabe ouvir. Mas as jovens massas estão adorando, a abertura política está ajudando e o afrouxamento da Censura permite letras cada vez mais agressivas, que expressam melhor o ânimo atual e a eterna ânsia de liberdade e irreverência da juventude. Pela primeira vez, desde o início da Jovem Guarda, com Roberto e Erasmo, o Rock Brasil está em movimento. Agressivo, grosso e pesado, alegre, dançante e melodioso, o rock é o ritmo do momento. Mas sucesso mesmo é Roberto Carlos, muito romântico, com o Brasil inteiro cantando a sua nova música com Erasmo, um clássico instantâneo: “Quando eu estou aqui eu vivo este momento lindo...” Roberto Carlos canta “Emoções”, a massa que se amassa dentro do ginásio em Vitória enlouquece.
Acompanhado pelo público em coro e por uma grande orquestra de cordas e metais, regida por Eduardo Lages, com um arrebatador arranjo sinatreano, Roberto cumpre triunfalmente mais uma etapa de sua turnê nacional “Emoções”. Como um popstar internacional, o “Rei” viaja num Boeing privado, todo pintado de azul e branco, com grande comitiva, a mulher Miriam Rios, a mãe, dona Laura, de óculos gatinho, muito simpática e jovial, os 20 músicos e a equipe técnica, todo o equipamento de som e luz, seguranças e assistentes. São tantas emoções nessa vida musical. Uma delas é ser convidado por Roberto Carlos para viajar com ele e assistir às duas últimas etapas da turnê, em Vitória, e na sua pequena Cachoeiro de Itapemirim, onde tudo começou. No ginásio de Vitória, o povo ainda aplaudia delirantemente e Roberto já estava longe, a caminho do hotel. Pouco depois de entrar no meu quarto, o telefone tocou e ouvi a voz inconfundível, falando baixinho: “Oi bicho, é o Roberto (como se fosse possível confundir).
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