Por Henrique Cazes
Mais jovem sambista da geração que despontou com o sucesso do Zicartola em 1964, Paulinho da Viola, aos 22 anos de idade, se revelou um ótimo compositor e intérprete, sem contar o violão seguro, que embalou os discos do "Conjunto A Voz do Morro" e o musical "Rosa de Ouro". Seus primeiros trabalhos já exibiam um artista refinado, que percorria diferentes escaninhos do repertório de samba, interpretando com sabedoria e criando com originalidade. A seu talento e habilidade somou-se o conhecimento musical, adquirido no contato com Esther Scliar e o Instituto Villa-Lobos, instituição que hoje é parte da UNIRIO. Tudo isso preparou Paulinho para viver no final da década de 1960 uma situação excepcional, incomum para um artista da música brasileira: atingir simultaneamente altos níveis de prestígio e popularidade.
Fora do chamado "Mundo do samba", o prestígio de Paulinho cresceu com a vitória de "Sinal fechado" no 5º Festival da TV Record em 1969. O certame premiou uma composição de perfeito acabamento tanto em letra e melodia quanto na moldura harmônica, que cria o clima angustiante de um diálogo não concretizado ou, como definiu o jornalista João Máximo no perfil biográfico do autor: "dois monólogos em um só, dois solitários seguindo a vida". Lançada em um compacto simples logo depois do festival, a música encantou os progressistas e conquistou uma nova gama de fãs para o artista.
E por falar em festivais, no ano anterior, Paulinho participou de forma quase involuntária do 4º Festival da TV Record. O samba "Sei lá Mangueira", composto sobre a letra de Hermínio Bello de Carvalho foi inscrito por este e defendido com muita garra por Elza Soares. A cantora ganhou o prêmio de melhor intérprete, mas a música não ficou entre as cinco primeiras colocadas. Desde esse fato, Paulinho ficou preocupado de, ocupando o cargo de presidente da ala de compositores da Portela, criar um mal estar em sua escola, pela exaltação a outra agremiação. Para resolver esse problema, só um samba que não deixasse dúvida sobre sua paixão pela escola de Oswaldo Cruz.
Saindo da gravadora Odeon, que ficava no último prédio da Av. Rio Branco, Paulinho dobrou na Rua México e viu na vitrine de uma livraria um exemplar de "Por onde andou meu coração", livro de memórias de Maria Helena Cardoso. O título do livro puxou a ideia de uma composição com formato e extensão de samba enredo, falando da paixão pela Portela, uma obra prima cuja gravação original revelou ainda o maravilhoso canto coletivo da Velha Guarda da Portela. Colocada no 2º LP de Paulinho como sexta faixa do lado A, a gravação tem um detalhe curioso que me foi narrado pelo próprio Paulinho, em uma conversa recente. O timbre predominante na base harmônica não é o de um cavaquinho, como seria normal num samba enredo, mas sim de uma violinha (pequeno violão tenor de quatro cordas), tocado pelo próprio Paulinho em playback e que ajudou a encorpar a base, dando-lhe um timbre incomum.
O sucesso foi enorme e logo transcendeu os ambientes do samba, chegando aos bailes de Carnaval e até ao repertório das bandinhas que animavam as inaugurações no comércio de rua da época. Muitos anos depois, se você puxasse um violão no botequim, vinha logo alguém te perguntar: "você leva se um dia"?
Conto aqui essa história de sucesso popular e qualidade artística caminhando lado a lado para lembrar que isso já aconteceu por aqui. Agora, não mais.
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