Lupicínio Rodrigues
“Você sabe o que é ter um amor,
meu senhor?
Ter loucura por uma mulher
e depois encontrar este amor
meu senhor,
ao lado de um tipo qualquer...”
LUPICÍNIO RODRIGUES, “Nervos de aço”
Se Wilson Batista e Geraldo Pereira eram os maiores boêmios do samba nos anos 1930 e 1940, Antônio Maria e Lupicínio Rodrigues tomaram o título nos anos 1950. Era nos bares que Lupicínio achava a inspiração para suas músicas.
Chegou até mesmo a ser dono de alguns, mas claramente seu talento era outro. Lupi fez jus ao clima da época e criou letras que tratam de abandono, sofrimento, traição, desencanto, ódio, desprezo, vingança, ciúme, saudade, ternura e esperança.
Com cerca de 600 composições – 150 gravadas –, a maioria em tom menor, Lupicínio emplacou clássicos na música brasileira. Quem não conhece “Vingança”, que na voz de Linda Batista provocou até suicídios? “Cadeira vazia”, “Maria Rosa”, “Castigo”, “Quem há de dizer”, “Um favor”, “Se acaso você chegasse”, “Felicidade”, “Esses moços” (Pobres moços), “Nunca”, “Volta” e “Nervos de aço” são apenas alguns dos sucessos do grande Lupi.
Foi o gaúcho Alcides Gonçalves quem, em 1936, gravou Lupicínio pela primeira vez. Dois anos depois, Francisco Alves cantava para todo o Brasil o sucesso “Cadeira vazia”. Ciro Monteiro fez o mesmo com “Se acaso você chegasse”. Nunca faltou um cantor ou cantora de gabarito para gravar Lupícino. Mas alguns fãs preferiam que ele mesmo interpretasse suas músicas. Com a ascensão da bossa nova, da música de protesto e do rock, as composições de um homem que tocou tão profundamente a alma do brasileiro ficaram praticamente esquecidas. Mas não por muito tempo.
“Bota o retrato do velho outra vez”
Quando, em 1945, o presidente Getúlio Vargas deixou o poder depois de 15 anos e deu fim à ditadura do Estado Novo, prometeu que voltaria nos braços do povo. Em 1951 houve eleição presidencial, e o velho gaúcho ganhou com 48% dos votos, confirmando o que dizia a marchinha de Haroldo Lobo e Marino Pinto, “Retrato do velho”, gravada por Francisco Alves: “Bota o retrato do velho outra vez/ bota no mesmo lugar/ o sorriso do velhinho/ faz a
gente trabalhar.”
Mas essa nova fase não foi boa para Vargas. Acuado por sua própria política contraditória, defendia nos discursos o nacionalismo, as restrições ao capital externo e a ampliação dos direitos dos trabalhadores, mas tinha em sua base ministerial políticos que defendiam a abertura do mercado ao capital internacional, a não-intervenção do Estado na economia e a eliminação de conquistas trabalhistas. O populismo de Vargas não encontrava mais apoio nos trabalhadores, e o presidente havia perdido a confiança da burguesia. As pressões pela renúncia levaram Vargas ao suicídio, com um tiro no coração na madrugada do dia 24 de agosto de 1954 – “Saio da vida para entrar na história”, dizia em sua carta-testamento. O compositor Edgar Ferreira, na música “Ele disse”, que se tornou conhecida na voz de Jackson do Pandeiro, aproveita as palavras de Getúlio: “Ele disse com toda consciência/ com o povo eu deixo a resistência/ o meu sangue é uma remissão/ a todos que fizeram reação/ Eu desejo um futuro cheio de glória/ minha morte é bandeira da vitória/ deixo a vida pra entrar na história/ e ao ódio eu respondo com o perdão...”
Na década de 1970, Gilberto Gil grava “Esses moços”, Gal Costa grava “Volta”, Elis Regina escolhe “Cadeira vazia”, Paulinho, “Nervos de aço”, e o gaúcho boêmio Lupi pôde presenciar, um pouco antes de sua morte, a perenidade de sua obra.
Bossa nova A bossa nova é um movimento que surge no Rio em 1958. De certa forma, é um
produto das ricas experiências musicais da década, apesar de querer guardar distância do clima “dor-de-cotovelo”, existencialista, noir, dos primeiros anos.
Pela lente da Rolley flex bossa-novista via-se o amor positivo, a beleza do mar, do céu, da montanha, da mulher amada.
Visto que a música é também um processo histórico, não é possível, ou aconselhável, descontextualizar a bronzeada e jovial poesia de Tom Jobim, Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli, Tito Madi, Carlos Ly ra, Nara Leão, João Gilberto e Vinicius de Moraes.
A batida genial de João Gilberto na música “Chega de saudade”, feita por Tom Jobim em parceria com Vinicius de Moraes e gravada no LP Canção do amor demais – marco inaugural do movimento – pela cantora Elizeth Cardoso, é uma síntese de elementos musicais que rondavam há décadas a música popular: a sofisticação harmônica de um Vadico e de um Garoto, os experimentos de Jonny Alf e João Donato, e até mesmo as melodias e letras de Antônio Maria, a exemplo de “Canção da volta” e a “Valsa de uma cidade”.
Foi na mesma Copacabana, regada a uísque, cigarro e samba-canção, que cresceu a bossa nova. Só que os jovens universitários, bonitos e inteligentes, andavam mais algumas quadras e iam curtir a praia de Ipanema. Apartamentos, como o de Nara Leão e, sobretudo, as boates, os “inferninhos”, foram espaços de “ensaio aberto” do movimento. Esses jovens estavam substituindo a dor-de-cotovelo de “Ninguém me ama” por ações afirmativas como “Eu sei que vou te amar”.
Nos anos 1940 e 1950, não havia quase shows de grandes artistas, com ingressos comprados, como os que vemos hoje. Os espetáculos eram coletivos, como os organizados por Carlos Machado, com grandes orquestras e vedetes, realizados em cassinos. Quando os cassinos fecharam, no governo do presidente Dutra, após a Segunda Guerra Mundial, as intimistas boates passaram a ocupar os espaços musicais. Ambientes de conversa, negócios ou paquera, onde a música era tocada de maneira mais adocicada por trios, quartetos ou quintetos e cantada por crooners, ali o carioca podia ouvir seus músicos prediletos. O circuito da boemia começou no Beco do Joga a Chave e continuou no Beco das Garrafas. Tudo em Copa. Cenário e músicos prontos, a expressão bossa nova passou a consolidar-se no imaginário da sociedade após o anúncio da apresentação de “Sylvinha Telles e um grupo bossa nova” em show realizado na Zona Sul do Rio de Janeiro (o termo “bossa” era usado até então por alguns compositores, como Noel Rosa, com o significado de “ter algo a mais”). Com a gravação de “Desafinado”, de Tom Jobim e Newton Mendonça, feita por João Gilberto, o verso “isto é bossa nova, isto é muito natural” caiu definitivamente na boca do povo.
JK, desenvolvimentismo e bossa nova
O governo de Juscelino Kubitschek foi marcado pela estabilidade e pelo lema desenvolvimentista “50 anos em 5”. Para cumpri-lo foi criado um plano de metas que priorizava investimentos em transporte, energia, indústria, educação e alimentos. A construção de Brasília, projetada pelos arquitetos Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, permanece como símbolo dessa era de crescimento. Mas o período de euforia do governo JK deixou profundas sequelas econômicas e sociais no país, entre as quais o aumento da dívida externa e a inflação, mostrando que não basta um país ser urbano e industrializado para ser desenvolvido. Por suas inovações e sua paixão pela música, JK ficou conhecido como “presidente bossa nova”. O menestrel baiano Juca Chaves, com veia sarcástica e crítica política aguçada, compôs a canção “Presidente bossa nova” que reflete muito bem o momento: “Bossa nova mesmo é ser presidente/ dessa terra descoberta por Cabral/ para tanto basta ser tão simplesmente/ simpático, risonho, original/ depois desfrutar da maravilha/ de ser o presidente do Brasil/ voar da velha cap pra Brasília/ ver Alvorada e voar
de volta ao Rio...”
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