quinta-feira, 27 de agosto de 2020

BIOGRAFIA DE LIA DE ITAMARACÁ É COSTURADA PELA TRAJETÓRIA DA CIRANDA EM PERNAMBUCO

Por Juliana Aguiar


Foto: Bruna Costa/Esp.DP FOTO


Para coroar uma trajetória marcada por dificuldades e conquistas, do trabalho como merendeira ao sonho concretizado de se tornar uma artista reconhecida, a cirandeira Lia de Itamaracá teve a história e carreira musical narradas na biografia Lia de Itamaracá: Nas rodas da cultura popular. O livro, escrito pela jornalista pernambucana Michelle de Assumpção e editado pela Cepe, será lançado nesta quinta (14), às 17h30, em evento on-line no Instagram (@cepeeditora). O encontro terá bate-papo entre a autora e o editor da Cepe, Diogo Guedes. A publicação é o quarto título da Coleção Perfis, que já apresentou as biografias do artista plástico José Cláudio, do xilogravurista J.Borges e do ex-prefeito de Olinda Germano Coelho, falecido no último dia 15 de abril.

“Lia é uma artista que acompanho desde minha estreia como repórter de cultura no Diario de Pernambuco, há 20 anos. Já a tinha entrevistado por diversas vezes”, relembra Michelle. A jornalista diz que, desde o convite da Cepe, em agosto de 2018, sentiu o peso da responsabilidade de escrever a história sobre uma das artistas populares mais importantes da geração. “Eu me fiz a seguinte pergunta: que contribuição maior eu poderia dar, além de apenas reunir os principais fatos, discos, projetos, muitas dificuldades e outras tantas conquistas de Lia?”, questionou.

O passado de Lia, o trabalho como merendeira em uma escola pública e a vida mais íntima foram revisitados pela cirandeira e pela jornalista durante longas horas de conversas. “Lia é mais fechada, e foi interessante também esse processo de tentar penetrar em seu universo particular. Um obstáculo vencido a partir de entrevistas que fui fazendo com Obra será lançada com bate-papo on-line no Insta entre a autora, Michelle de Assumpção, e o editor da Cepe, Diogo Guedes pessoas próximas, que foram me dando não só informações sobre a vida de Lia, mas também me ajudando a criar uma conexão entre a trajetória da cirandeira e questões pertinentes sobre a cultura popular de Pernambuco”, ressalta a autora.

A narrativa conta a história de Lia ao mesmo tempo em que refaz a trajetória da própria ciranda como manifestação cultural em Pernambuco. “Não me ative só a contar a história de Lia, mas contextualizá-la dentro da história da própria manifestação. Lia não surge no cenário da música independente de qualquer movimentação, pelo contrário, o Festival de Ciranda do Recife, que a lançou para o grande público, recebia dezenas de cirandeiros, vindos de todos os bairros e regiões do estado. A ciranda bombava em Pernambuco. Alguns desses, como Mestre Baracho, eram altamente conceituados pelos folcloristas e pela mídia de então”, explica.

No livro, também são elencados personagens importantes que vieram antes dela como Mestre Baracho e Dona Duda, além de cirandeiros contemporâneos de Lia e os da nova geração. “Sabemos pouco da história dos nossos mestres e mestras, e sobre as manifestações que eles representam. Então, contar a trajetória desta que é uma das mais importantes artistas populares brasileiras, dentro deste contexto maior, acredito que seja a grande contribuição do livro”, destaca.

A maior dificuldade para Michelle foi resgatar a história da ciranda, porque ainda há poucos escritos sobre o assunto. “Não existe muita bibliografia, o que me ajudou bastante foi o Inventário da Ciranda, produzido pela Associação Respeita Januário. Além das matérias antigas de jornais como o Diario, desde os anos 1960 até os anos 1980, e os escritos do Padre Jaime Diniz das décadas de 1950 e 1960”, conta. As pesquisas da jornalista permitiram que o livro fizesse importantes correções da história de Lia, como o seu encontro com a ciranda. “Ao contrário do que já foi muito divulgado, Lia, que adorava cantar quando menina, não cresceu ouvindo ciranda. A ciranda, por sinal, uma inegável marca identitária da ilha, só chegou a Itamaracá pela voz e mãos da própria Lia, no final da década de 1970”, ressalta a escritora.

O passado de Lia, como os tempos de merendeira em escola pública, é revisitado na obra (Foto: Leo Caldas/Divulgação)

O livro conta como Maria Madalena Correia do Nascimento ficou conhecida como Lia nos anos 1960, depois que a cantora Teca Calazans, incorporando versos de Antônio Baracho cantados pela cirandeira, acrescentou: “Esta ciranda quem me deu foi Lia, que mora na Ilha de Itamaracá”. “A criação do mito Lia de Itamaracá a partir de uma canção foi, para mim, um grande desafio. Tive medo de contradizer o que a própria artista sempre afirmou sobre a composição. Acredito, no entanto, que encontrei uma resposta justa para o dilema, ou a polêmica, como a própria Lia se refere ao fato.”

Em 2019, aos 75 anos, Lia de Itamaracá lançou o disco Ciranda sem fim, através do edital Natura Musical, e quebrou um hiato de sete anos sem produções musicais. No mesmo ano, a artista foi reconhecida como doutora honoris causa pela UFPE, tornou-se tema de livros, atuou no premiado filme Bacurau, apareceu em programas de TV nacionais e até inspirou grife de moda-praia. “Lia conquistou novos mercados, dialogou com outros gêneros. Tudo isso sem deixar de ser cirandeira, sem sair da ilha, sem deixar de ser representante dessa cultura.”

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