Por Tito Guedes
Para muita gente (e até para alguns verbetes de enciclopédia), a carreira de Elis Regina começou com sua vitória no I Festival de Música Popular Brasileira da TV Excelsior, em 1965, quando arrebatou público e crítica com sua interpretação de Arrastão, música de Edu Lobo e Vinicius de Moraes. A verdade, no entanto, é que antes de conquistar o Brasil nesse festival, Elis tinha uma carreira longa e já acumulava 4 álbuns em sua discografia.
Nascida a 17 de março de 1945, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Elis começou a cantar profissionalmente ainda menina, aos doze anos de idade. A estreia se deu na Rádio Farroupilha, em um programa apresentado por Ary Rego chamado “Clube do Guri”. Em 1960 ela foi contratada pela Rádio Gaúcha e em 1961, com apenas dezesseis anos, gravou pela Continental o seu disco de estreia. E erra quem pensa que seu batismo no mercado fonográfico tenha sido com um álbum sofisticado de samba ou bossa nova.
Seu primeiro disco se chama Viva a Brotolândia e é formado por um repertório eclético que mistura samba, bolero, rock e algumas versões de músicas norte-americanas. Elis não decepciona com a voz, mas ainda estava longe de dominar a técnica que lhe garantiria, no futuro, o título de “melhor cantora do Brasil”. Em sua “Brotolândia”, é nítida a influência que recebeu das grandes cantoras do rádio, sobretudo Ângela Maria, e uma inevitável semelhança com Celly Campello, a grande intérprete da “música jovem” em tempos pré-Jovem Guarda.
A arte gráfica e a foto da capa, com uma Elis simpática e sorridente, também emula uma aura “jovem”, imposta pelos produtores do disco. Algo que também aparece no repertório, com canções como Garoto último tipo, e até composições assinadas por ninguém menos que Carlos Imperial!
Das músicas do disco, nenhuma se tornou muito conhecida - pelo menos não diretamente. Isso porque Baby Face, (letra de Fred Jorge sobre tema de Benny Davis e Harry Akst), foi gravada em 1979 pelas Frenéticas, mas com outra letra, escrita por Nelson Motta, de tom bem mais malicioso do que a versão gravada por Elis. Outro exemplo curioso é da música As coisas que eu gosto, versão de Fernando César para My Favorite Things, do musical “A Noviça Rebelde”, cuja melodia serviu de inspiração para o recente hit 7 Rings, da cantora pop Ariana Grande.
Mas fora esses dois exemplos inusitados, o fato é que, apesar de não ter sido um fracasso, Viva a Brotolândia também não foi um grande sucesso e passou um pouco despercebido pelo público. Mas a boa voz de Elis lhe garantiu a gravação de mais 3 discos, que seguiram esse mesmo estilo jovem-romântico: Poema de amor, lançado em 1962, O bem do amor e Ellis Regina (assim mesmo, grafado com dois “l”), ambos lançados em 1963 pela CBS.
São quatro discos totalmente distantes do universo musical que caracteriza a obra posterior de Elis Regina. Ainda faltava a ela um amadurecimento técnico e vocal e a experiência de vida que lhe possibilitaria cantar com tanta propriedade músicas do peso dramático de Atrás da porta ou Dois pra lá, dois pra cá. Claro, há que se dar o desconto da idade: Elis ainda era uma menina que sonhava em viver de música quando gravou esses discos. Mesmo assim, é curioso pensar que, pouco tempo depois, ela estaria combatendo com unhas e dentes os artistas que gravavam esse tipo de repertório mais pop ou “jovem”, como se dizia à época. Ao longo de sua carreira, a própria Elis rechaçou esses discos iniciais e não escondeu em entrevistas o desconforto que eles lhe causavam.
Ainda assim, mesmo que esses discos não sejam obras-primas e não possam ser comparados à discografia que Elis construiu a partir de 1965, eles não podem ser negligenciados pelos ouvintes contemporâneos. “Bons” ou “ruins”, consistentes ou não, é impossível apagar o valor histórico desses quatro álbuns. Juntos, eles constituem o registro primordial de uma voz que até hoje ressoa no inconsciente coletivo do Brasil. Foram os primeiros passos de uma gaúcha cheia de personalidade e talento que em pouco tempo se tornou a maior cantora do país.
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