Por Bruno Paviani e Thaisa Lopes Ferreira
Resumo
Pretende-se neste artigo apresentar os resultados do trabalho realizado pelo PIBID História da Universidade Estadual de Londrina no Colégio Estadual Tsuro Oguido. Em nossa intervenção, que aconteceu na turma do 9º ano B, trabalhamos com a música enquanto fonte histórica. As músicas escolhidas foram dos compositores Raul Seixas e Zé Ramalho e a banda Legião Urbana. A partir da temática “Ditadura Militar”, a aula-oficina (BARCA, 2004) teve como prioridade trabalhar com as idéias históricas já apresentadas pelos próprios alunos. Para tanto aplicamos um questionário de conhecimentos prévios, uma vez que entendemos que nossos alunos já possuem um determinado conhecimento sobre o tema. Com esse material em mãos, preparamos nossa intervenção em sala de aula. Ao trabalhar com música como documento histórico, levamos em consideração a idade dos alunos, os gêneros musicais ao qual estavam acostumados e o nível de complexidade de discurso a que estão habituados. Ao estudarmos a música enquanto fonte histórica percebemos que essa não serve apenas para diversão direta ou indiretamente, as músicas retratam muito sobre a sociedade em que é produzida e são também instrumentos de crítica. Após essa intervenção, consideramos fundamental o uso de documentos durante as aulas de História. O documento torna a aula mais interativa e aproxima os alunos do trabalho do historiador.
Palavras-chave: Educação Histórica. Música. Ditadura militar. fonte histórica.
Introdução
Sobre o ensino de História, é preciso pensar em que conteúdos
devem ser ensinados, o que será priorizado, de que maneira serão
ensinados e com que finalidade. Ao definir isso, define-se o papel do
professor em sala de aula e o papel que o ensino terá para os educandos.
Os próprios questionamentos sobre o que ensinar e a maneira como isso
será feito, remetem sempre a perguntas como o porquê ensinar História e
sua importância para a formação do aluno. O ensino de História está
relacionado à formação do cidadão e da construção de sua identidade. E por
esta razão, tem se uma preocupação ao que será ensinado. É preciso
entender a educação enquanto uma forma de intervenção no mundo. O que
professor deve ter em mente é que seu curso não é transformador do
mundo, mas o que acontece na escola é um momento em que se começa
essa transformação.
Em contrapartida, além de se pensar o papel do ensino, é preciso
entender o papel do docente nesse processo. Para Paulo Freire (2004) em
“Ensinar é um especificidade humana” a principal característica que um
docente tem que ter é segurança quanto a sua atuação, sem que haja de
maneira autoritária. O professor não deve contar com os conhecimentos
prévios de seus alunos. É preciso dar liberdade ao aluno para que pense por
si próprio, que construa seu conhecimento a partir de suas próprias ideias.
O professor deve cuidar de suas atitudes dentro de sala de aula, uma vez
que isso pode ajudar ou atrapalhar seu trabalho. Suas atitudes podem
aproximar ou afastar o aluno. Por outro lado, o professor também deve
estar atento de que maneira seus alunos o interpretam. As releituras que os
próprios alunos fazem das atitudes do educador.
(...) se o professor estiver empenhado em participar numa educação para o desenvolvimento, terá de assumir-se como investigador social: aprender a interpretar o mundo conceitual dos seus alunos, não para de imediato o classificar em certo/errado completo/incompleto, mas para que esta sua compreensão o ajude a modificar positivamente a conceitualização dos alunos, tal como o construtivismo social propõe. Neste modelo, o aluno é efetivamente visto como um dos agentes do seu próprio conhecimento, as atividades das aulas, diversificadas e intelectualmente desafiadoras, são realizadas por estes e os produtos daí resultantes são integrados na avaliação (BARCA, 2004, p. 133).
Ensinar conteúdos é apenas um dos momentos da prática
pedagógica. As ações do professor devem condizer com o que este fala em
sala de aula. O professor deve cuidar para que sua autoridade não
ultrapasse limites, que ele próprio não se perca em sua autoridade.
Ao ouvir o aluno, o professor estabelece respeito a concepção de
mundo do educando e facilita até o seu próprio trabalho. Para Paulo Freire
(2004), priorizar as relações humanas é fundamental para o trabalho em
sala de aula. Com todas essas cobranças, o professor ainda deve cuidar
para que sua fala em sala de aula não soe aos alunos como uma
doutrinação. É preciso sempre ter em mente que o professor não está em
sala de aula com a função de ser o detentor supremo do conhecimento, que
não deve agir como só suas ideias fossem válidas naquele espaço.
Maria Laura P. Barbosa Franco e Gláucia Torres Franco Novaes (2001)
farão um panorama de como se desenvolve as representações acerca da
escola em “Os jovens do Ensino Médio e suas representações sociais”. Para
tanto, as autoras partem de como está organizado o ensino, a formação dos
professores. Uma deficiência a maneira como Novaes e Franco estruturam
sua pesquisa, faz-se pensar no que deve ser levado em conta ao se
estender não só o ensino de História, mas o papel que a educação deve
exercer em uma sociedade. Embora as autoras partam do ensino médio, o
trabalho também pode ser utilizado para outros níveis de ensino.
As condições de trabalho dos professores também não são das mais
fáceis. O professor tem que lidar com as más condições do espaço físico da
escola, a falta de recursos e seu baixo salário. As autoras propõem que ao
menos durante seu horário de trabalho, o professor tenha tempo para
planejamento das aulas, interação com os alunos. Hoje em dia, as escolas
já estão mais bem equipadas e o professor já tem um tempo destinado em
sua carga horária para a preparação de aula. Mas isso ainda acontece de
forma tímida, uma vez que a “hora atividade” ainda é pouca comparada a
carga horária que o professor tem que cumprir.
Para os alunos, a educação, a escola, está ligada a ascensão social, a
uma vida melhor, a melhores salários. Esse tipo de pensamento vem dos
próprios pais e é muito perceptível principalmente nos alunos que já
trabalham. A escola é uma promotora de crescimento econômico e social
para esses alunos. Diante de todas essas perspectivas, fica claro que uma
das funções da escola ao final do ciclo escolar é preparar o aluno para o
mercado de trabalho. E essa ideia acompanha os alunos desde seu primeiro
momento escolar. A dinâmica escolar, muitas vezes, se compara a dinâmica
do mercado financeiro. Infelizmente, enquanto a escola não assumir seu
real papel, que é formação de jovens conscientes, capazes de refletir sobre
a sociedade a qual estão inseridos. A escola deve encarar seus problemas,
afim de que crie propostas coerentes com a sua realidade.
O ensino ainda se mantém muito mecânico, apenas voltado para a
memorização. As inquietações por parte dos alunos têm seu sentido, uma
vez que as aulas são mais voltadas a decorar o conteúdo, proposto pelo
livro didático. Não há uma apropriação do que eles já sabem de sua
realidade, de seus conhecimentos para a aula, o professor deve considerar
é que a criança é capaz de formular seus próprios conceitos, são capazes de
entendê-los.
Mais uma vez, para isso, o professor deve ter total compreensão da
disciplina que está lecionando, de seus pressupostos metodológicos,
teóricos e no caso da História, historiográficos. Para tanto, é preciso cuidar
para a formação do professor, para que esta não seja tão rasa a ponto de
não dar suporte ao profissional.
São muitas as questões que permeiam o pensamento sobre a
educação, e todas devem ser consideradas. Não se deve pensar a educação
individualmente. A educação não deve ser fechada, mas se expandir para
todas as discussões que possam ser realizadas a seu respeito. Tanto seu
papel, quanto o papel do professor e do aluno devem sempre ser revistos,
uma vez que isso vai se modificando com o tempo. Novas realidades criam
novas necessidades e a escola, o professor e seus alunos devem estar
preparados para essas possibilidades. Não somente a isso, mas se a
educação deve exercer mesmo o seu papel de formadora de cidadãos conscientes, capazes de refletir a cerca de sua realidade, alunos
transformadores, ela não pode ficar relegada a dominação de pensamento
de determinadas camadas da sociedade, não se pode deixar levar pela
doutrinação, função essa do professor, que deve estar consciente de que
seu papel é de mediador do conhecimento e não “dono do conhecimento”. É
deixar que o aluno por si só perceba que é capaz de entender conceitos,
pelo menos a começar entender o mundo a partir se sua própria realidade.
A experiência do uso da música em sala de aula
Ao trabalhamos música como fonte devemos levar em consideração a
maneira em que está sendo proposto em sala de aula, para que para os
alunos não fiquem com um conhecimento vago, sem se realizar de fato uma
reflexão sobre o que está sendo ensinado, ou seja, uso da música como
fonte. Ao pensar a música como fonte histórica devemos considerá-la como
um documento histórico, um fragmento de seu tempo, passível de ser
explorada pelo historiador. De acordo com Circe Bittencourt (2004) o uso de
documentos nas aulas de história justifica-se pelas contribuições que esse
pode oferece ao educando:
(...) uma delas é facilitar a compreensão do processo do conhecimento histórico pelo entendimento que os vestígios do passado se encontram em diferentes lugares e fazem parte da memória oficial e precisam ser preservados como patrimônio da sociedade. Outra exigência para o uso das fontes históricas é o cuidado para com as diferentes linguagens. Os documentos como foi anteriormente apresentado, são produzidos sem intenção didática e criados por diferentes linguagens que expressam formas diversas de comunicação. Como recursos didáticos, distinguem-se três tipos de documentos: escritos; materiais ( objetos de arte ou do cotidiano, construções); visuais ou audiovisuais (imagens fixas ou em movimento, gráficas, musicais). (BITTENCOURT, 2004, p. 333)
Com a renovação historiográfica ocorrida no século XX com a Escola
dos Analles, esta irá romper com a ideia que documentos históricos eram
somente escritos e de cunho oficial, documento passar a ser todo e qualquer vestígio deixado pelo homem voluntaria ou involuntariamente
(fontes iconográficas, orais, arqueológicas, escritas, música entre outros)
cabe ao historiador narrar e dar “dar vida’’ ao documento, a partir das
perguntas que este faz a fonte, sem desprezar a crítica ao documento e a
preocupação em conhecer sua origem e o contexto em que foi produzido.
“O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um
produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí
detinham o poder’’ (LE GOFF, 1996, p.545).
Mas como podemos trabalhar com documento em sala de aula?
Schmidt e Cainelli falam que o uso do documento em sala de aula
parte do pressuposto que o trabalho com as “fontes históricas facilitam a
familiarização com as formas de representação do passado e do presente
habituando-o a associar conceitos históricos à analise que o origina e
fortalecendo sua capacidade em raciocinar sobre a situação dada’’ os
documentos não podem ser “tratados com um fim em si mesmo cabe nesta
proposta de ensino professores e alunos estabelecerem um dialogo entre o
passado e o presente, tendo como referência o conteúdo a ser ensinado’’
(SCHMIDT; CAINELLI, 2010, p. 94).
Nesta proposta de acordo com as autoras o processo ensinoaprendizagem está pautado na mediação entre aluno e professor é preciso
deixar claro que o uso de documento em sala de aula não pretende
transformar o aluno em historiador mais sim motivá-los para o
conhecimento histórico,de estimular suas lembranças sobre o passado. O
uso do documento passou a ser instrumento didático porque ajudaria a tirar
o aluno da passividade estabelecendo este contato com as fontes isto
suscitaria a discussão deixando as aulas mais agradáveis tanto para alunos
quanto para professores.
A presença de outros mediadores culturais, como os objetos da cultura, material, visual ou simbólica, que ancorados nos procedimentos de produção do conhecimento histórico possibilitarão a construção do conhecimento pelos alunos, tornando possível “imaginar”, reconstruir o não vivido diretamente, por meio de variadas fontes documentais. (SIMAN, 2004, p. 88).
Para Napolitano as músicas têm sido muito utilizadas nas aulas de
história, pois aponta para os problemas da sociedade em que seu autor está
inserido. Além disso, para ele além da analise da letra da música que é de
suma importância, o historiador “nunca deve separar a melodia da letra,
pois apesar de a letra ser privilegiada nesses estudos sua melodia, a
harmonia, o ritmo da canção influencia e muito na sua compreensão
facilitando o entendimento do mesmo” (NAPOLITANO, 2001, p. 08).
Segundo Moraes (2000) a música sempre fez parte da nossa vida,
ela atinge a todos, os gostos musicais entre as pessoas são variados, ela
segundo o autor pode ser utilizada como fonte para o ensino de diversas
disciplinas escolares, no caso da história o autor nos chama a atenção no
que tange ao entendimento de determinadas realidades da cultura popular.
Para Perez (2008), mais do que entender a canção como
documento, há que se considerar o trabalho com musica também como
construção do conhecimento e conceitos levando o aluno a pensar,
interpretar, determinado acontecimento histórico entendendo-o como parte
de um processo de ensino – aprendizagem, não apenas como algo a ser
memorizado.
Para Kátia Abud:
As letras de música se constituem em evidências, registros de acontecimentos a serem compreendidos pelos alunos em sua abrangência mais ampla, ou seja, em sua compreensão cronológica, na elaboração e re-significação de conceitos próprios da disciplina. Mais ainda, a utilização de tais registros colabora na formação dos conceitos espontâneos dos alunos e na aproximação entre eles e os conceitos científicos. Permite que o aluno se aproxime das pessoas que viveram no passado, elaborando a compreensão histórica, que vem da forma como sabemos como é que as pessoas viram as coisas, sabendo o que tentaram fazer, sabendo o que sentiram em relação a determinada situação (ABUD, 2005, p. 316)
Com todas essas questões em mente, preparamos um projeto de
aula – oficina para os alunos da 8ª série (9º ano) do Colégio Estadual Tsuro
Oguido. O tema a ser trabalhado seria “A música e a ditadura militar: Como
trabalhar com letras de música enquanto documento histórico”.
Escolhermos estudar as letras das músicas “Metro 743”, (1984) “Mosca na sopa”, (1973) de Raul Seixas “Admirável gado novo” de Zé Ramalho (1979)
e “Que país é esse?” Legião Urbana (1987). A maioria dos alunos já
conhecia as músicas, mas nunca haviam pensado nelas como um
instrumento de estudo para o historiador.
Tomaremos como conceito de aula – oficina o utilizado por Isabel
Barca (2004), no qual os alunos são os agentes de sua formação com ideias
prévias e experiências diversas, cabendo ao professor ser o investigar social
e o organizador de atividade que problematizam o tema que está
estudando.
Em um primeiro momento foi realizado um questionário de
conhecimentos prévios como objetivo de investigar o que eles entendiam ou
sabiam sobre a “Ditadura Militar no Brasil’, nossas ideias a cerca de como
iríamos trabalhar dependiam do que esses responderiam. Como já
estávamos no final do ano (novembro 2011), muitos alunos já se sentiam
desmotivados e cansados de irem as aulas, fato que nos preocupou no
início, bem como o fato de ser a primeira vez que estaríamos com a turma.
Foram apenas três aulas de trabalho, mas já nos ajudou a traçar um perfil
da turma e principalmente, situações que poderiam ser melhoradas para as
próximas atividades, questões que deveriam ser aprofundadas.
Basicamente, entramos na sala de aula com as dicas que a professora
regente nos havia passado. Era uma turma tranquila, na medida do
possível, não tivemos grandes problemas em trabalha o conteúdo, Os
alunos eram participativos e foram receptivos a nossa presença.
Conseguimos estabelecer um diálogo com a turma que nos possibilitou
trabalhar algumas das questões mais pertinentes a cerca de documento e
principalmente, no papel da música enquanto parte constitutiva do contexto
histórico de sua as letras não são cópias fiéis do momento histórico ao qual
foram escritas.
Levando em consideração a idade e os possíveis gostos musicais,
nosso recorte foi a Ditadura Militar, conteúdo que eles já haviam estudado
com a professora regente da sala. Para tratar desse tema de uma maneira
mais descontraída, e também mostrando aos alunos como trabalhar a
música como documento histórico, e o que seria este tal documento; levamos três músicas do período da ditadura e uma música do período
posterior da Ditadura, todas elas têm uma postura crítica a sociedade em
que estão inseridas, a nossa intenção em levá-las foi mostrar o documento
como algo palpável aos alunos de como as letras nos ajudam a traçar
algumas características da época em que foi escrita.
Já com a turma deste ano (abril de 2012) 9º B tivemos como
dificuldade o fato desses alunos ainda não terem tido aula sobre a ditadura
militar no Brasil por esse motivo foi necessário intervir com um rápido
panorama sobre o que levou o país a ditadura, o que foi propriamente a
ditadura, falamos a eles também sobre a repressão no regime militar, tudo
isto de maneira geral usando as letras das músicas como tema principal das
aulas. Antes mesmo de fazer esse panorama, realizamos um questionário
de conhecimentos prévios uma vez que entendemos que os alunos, em
algum momento, possam ter ouvido falar sobre o tema e até ter algum tipo
de juízo de valor sobre o mesmo e a partir desse material, poderíamos
estruturar nossa intervenção. De maneira geral, o que se percebe é que a
maioria não sabia ao certo do que se tratava, alguns identificaram sobre a
repressão, outros citaram uma novela do SBT, “Amor e Revolução” (2012),
como o único lugar onde ouviram sobre o tema. Acreditamos,
principalmente a partir dos questionários, que se fez necessário ter o
conteúdo para se discutir do que as músicas falavam uma vez que sem esse
suporte, nossa intervenção poderia ficar sem sentido para os alunos. A
turma de maneira geral é bem participativa e agitada, no entanto, mostrou
interesse pelo tema, principalmente nas letras das músicas, de maneira
geral esses conseguiram perceber na letra da música uma crítica a
sociedade seja ela atual ou não.
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