quarta-feira, 20 de julho de 2016

VÔTE, ESCUTA SÓ...: MEIA BOCA

Por Paulo Carvalho




Na última metade dos anos sessenta algumas casas noturnas fizeram sucesso na noite recifense. Diferentes dos cabarés do já decadente Bairro do Recife, não havia quartos para encontros, os casais chegavam para uma cerveja, uma dose de Cuba Libre, e dali seguir para algum lugar. Na maioria das vezes a alcova era o banco traseiro de um Fusca estacionado na beira mar, de frente, como quem está esperando para ver algum submarino, que por ventura estivesse espionando a costa Brasileira, séria ameaça a segurança nacional.

A denúncia seria um ato de heroísmo e bons serviços prestados a pátria. Este argumento foi utilizado com frequência para convencer uma namorada mais resistente às boas intenções do garanhão. Depois com o carro já estacionado, e uma visão romântica do luar refletindo nas águas do oceano, as coisas ficavam mais fáceis. De vez em quando na saída o carro ficava preso no areal, neste caso podia-se contar com a solidariedade dos colegas do observatório para uma empurradinha.

Uma das boates mais famosas da época, o Sarong Drinks era uma construção de madeira, suspensa, tipo palafita, com decoração tipicamente Caribenha, com mulheres Havaianas pintadas nas paredes. Ficava na frente do Hospital da Aeronáutica, onde terminava o asfalto e começava a faixa do observatório de submarinos que se estendia até a igrejinha de Piedade. A música ficava por conta de uma radiola de ficha, Roberto Carlos estourava com: Quero que vá pro inferno, eventualmente um conjunto musical, clone de Renato e Seus Blue Caps, animava o ambiente.

Na mesma área, funcionavam as boates, A Gruta e Ferro Velho, onde o charme era a completa escuridão nas mesas, estas, localizadas em nichos individuais, onde o garçom, portando uma lanterna, só aparecia se fosse chamado para não atrapalhar o chamego.

A novidade era a luz negra, colocada no teto do salão de dança, “acendia” tudo que fosse branco, da roupa aos dentes, um jogo de luzes pipocava em spots pelo ambiente complementando os efeitos especiais. Estas boates também eram frequentadas por “gente de família” atraída pela novidade. Quem não conhecia “o inferninho” era considerado atrasado e cafona. No escuro, todos os gatos são pardos.

A primeira boate GLS da cidade foi sem dúvida a chiquérrima Chão de Estrelas, que tinha como anfritião o colunista social Alex de Souza Alencar, famoso por suas aparições na TV, e proprietário da casa. Muito bem relacionado no meio artístico e na alta sociedade, Alex fez da boate um ponto de encontro da granfinagem local.

Decoração sofisticada para os padrões da época, contava no recinto com pianista e excelente repertório musical baseado em sucessos americanos, e temas de filmes famosos, a bossa nova ainda não havia estreado no pedaço, embora já despontasse no Rio de Janeiro. Por aqui a música de João Gilberto era ouvida e comentada entre intelectuais, que envolvidos na luta política e sem dinheiro, se contentavam com um chopp no Mustang Bar e um galeto dividido por quatro na Cantina Star.

Todas as boates citadas sucumbiram com o tempo e expansão imobiliária que tomou conta de Boa Viagem e Piedade a partir de então. Na verdade não tinham a vocação e o charme poético dos cabarés, nem tão pouco eram um castelo de inocentes, eram assim… Meia boca.

Igrejinha de Piedade que, junto com o Hospital da Aeronáutica, servia de fronteira para a faixa de observação de submarinos

“Quero Que Vá Tudo Pro Inferno”, do ano de 1965, uma parceria de Roberto e Erasmo Carlos, na voz do Rei:


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