quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

ORLANDO SILVA, PARA MUITOS, O MAIOR CANTOR DO BRASIL

Por José Teles






Para especialistas em música popular, Orlando Silva, que completaria cem anos hoje, foi o maior cantor não apenas do Brasil, mas do mundo em sua época, entre os anos 1930 e 1940, quando ganhou o epíteto de “O Cantor das Multidões”, pelo arrebatamento que causava entre os fãs País afora. Feito ídolos pop dos anos 1960, ele não podia caminhar na rua sem causar tumulto. Aconteceu no Recife, em abril de 1945, quando ousou ir a pé do Hotel Central, na Avenida Manoel Borba, até o Teatro Santa Isabel, onde faria uma apresentação. Reconhecido na Rua da Imperatriz teve a camisa rasgada pelas fãs, provocando por tabela inquietação no maestro Nelson Ferreira, que iria conduzir a orquestra que acompanharia o cantor. “Ele já me conhecia, e a me ver numa das frisas, me chamou para cantar, entretendo o público enquanto Orlando Silva não chegava. Eu estava cantando quando escutei aquela voz atrás de mim, era ele, também meu ídolo”, quem conta a história é o Claudionor Germano, na época com 13 anos.

Ele foi um dos inúmeros cantores que começaram emulando Orlando Silva, assim como Nelson Gonçalves, Roberto Silva, João Gilberto e Roberto Carlos, para citar alguns nomes marcantes da música popular brasileira. Mulato, magro, feio e manco (teve uma parte amputada de um pé, em conseqüência de um acidente em um bonde), Orlando Silva conquistou o sucesso com uma voz de larga extensão, mas comedida. Moderna não apenas pela forma como a usava, mas igualmente pelo fraseado e senso rítmico quase jazzístico, improvisando no andamento, adiantando-­se ou atrasando-­se, revolucionando a interpretação na música popular (e irritando alguns críticos do seu tempo).

Acrescente-­se a isto, o ouvido privilegiado para canções de qualidade. Foi assim que se tornou responsável pelo que é provavelmente o mais perfeito 78 rotações já lançado na música brasileira, quando gravou em 1937 um disco que trazia na face Carinhoso (Pixinguinha/João de Barros), e na outra face Rosa (Pixinguinha/Otávio de Souza). Nascido no Engenho de Dentro, Zona Norte carioca, filho de José Celestino da Silva, um violonista em cuja casa promovia rodas de chorinho, frequentada pelos bambas da época, entre estes Pixinguinha, Orlando Silva perdeu o pai ainda criança. Começou a trabalhar para ajudar no sustento da família, mas o propósito era ser cantor de rádio.

Foi no programa de Francisco Alves, primeira majestade da MPB, na Rádio Cajuti, que Orlando estreou aos 19 anos. Antes teve que se submeter ao inevitável teste. Porém um teste realizado na rua, em pleno Centro do Rio. Parado pelo compositor Bororó (autor de entre outras, Da Cor do Pecado e Curare), na Rua Chile (a lenda diz que no lendário Café Nice) Francisco Alves concordou em ouvir o rapaz que se pretendia cantor, que lhe mostrou duas canções pinçadas do repertório de Silvio Caldas, Malandro Sofredor (Ary Barroso) e Mimi (Uriel Lourival).

Chico Viola (como também era conhecido Francisco Alves), aprovou o “calouro” que estreou no rádio em 23 de junho de 1934. Embora tenha lançado disco até os anos 1970, Orlando Silva é cultuado pelo que gravou entre 1935 1947. Foi uma produção caudalosa. Discos eram gravados mensalmente e não havia escassez de músicas. Compositores do Brasil inteiro corriam à capital do País, sede das principais gravadoras e das emissoras de maior audiência. Onde, obviamente, estava a grande maioria das estrelas do rádio.

Assim, Orlando Silva lançou dezenas de clássicos, vendeu centenas de milhares de discos e foi um campeão de muitos carnavais brasileiros com marchinhas feito Jardineira (Benedito Lacerda/Humberto Porto), ou Abre a Janela (Roberto Riberti/Arlindo Marques Jr). Seus primeiros discos são da época da gravação mecânica, a voz e acompanhamento, ao mesmo tempo, registrados na matriz de cera de carnaúba. “… o técnico dizia assim: Olha, esta é a última cera. Não tem mais. Cuidado e tal. Ai todo mundo aquela tremedeira. … durante seis anos fui campeoníssimo, porque eu ensaiava, ensaiava bem, e quando ia gravar a primeira valia logo” (em entrevista ao Ensaio, da TV Cultura, em 1973).

“Orlando Silva continua afastado dos microfones. Mistério… Parece que o Cantor das Multidões quer sossego… O que é que há?”. A notinha maldosa está na coluna de Alziro Zarur, na revista Fon Fon (de 28 de dezembro de 1946). Naquele tempo o termo inglês “junkie” não era ainda usado para designar viciado em drogas pesadas. Orlando Silva foi um junkie. Afundava-­se na morfina, na cocaína e no álcool. A morfina, diz-­se que veio da necessidade de diminuir as dores provenientes da cirurgia no pé, a segunda para aguentar o dia a dia, as turnês pelo País e o peso da fama.

Os problemas pessoais o afastaram da Rádio Nacional em 1946. Quatro anos antes trocara a poderosa RCA­-Victor pela Odeon, depois pela Copacabana. O Cantor das Multidões fez shows e a gravou até o final da vida. Cantou com Caetano Veloso, gravou novos autores como Chico Buarque, Taiguara, Edu Lobo, porém cultuado e respeitado não pelo que fazia, mas pelo que fez até os anos 1940. A voz impostada dos anos 1950 em diante tornou-­se uma pálida cópia do que fora no auge. Orlando Silva faleceu em 1978, em consequência de um derrame cerebral.

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