Ao lado de uma banda de peso, a cantora confere frescor a hits das décadas de 1970 e 1980
Por Kiko Ferreira
Cantora Jussara Silveira canta musicas de Beto Guedes
As páginas elétricas de alma acústica de Beto Guedes sempre foram bem traduzidas em palavras por Ronaldo Bastos. Poucas vezes na música brasileira uma dupla funcionou tão bem. Principalmente na sequência dos álbuns A página do relâmpago elétrico(1977), Amor de índio (1978), Sol de primavera (1979) e Contos da lua vaga(1981), discos que servem de base para Pedras que rolam, objetos luminosos, mais recente CD da cantora Jussara Silveira, mineira radicada na Bahia.
Coproduzido pelo uruguaio Leonel Pereda e pelo engenheiro de som Duda Mello, responsáveis pela obra-prima Liebe paradiso (2011), e produzido por Marcelo Costa (bateria) e Sacha Amback (teclados e arranjos), o projeto reúne 10 canções de Beto e Ronaldo. A maioria, hinos indeléveis e atemporais, indissociáveis do Clube da Esquina, aqui atualizados pelo canto sedutor de Jussara, apoiada por um grupo bem escolhido: os baixistas Zeca Assumpção e Alberto Continentino, o gaitista Milton Guedes, o guitarrista Maurício Negão e o violoncelista Jacques Morelembaum – ponte acertada entre gerações que mesclaram experiência e frescor.
Cumplicidade
Cada admirador do trabalho da dupla, claro, teria seu próprio repertório ideal, mas esse songbook consistente e simbólico traz cumplicidade inspirada e inspiradora. Apesar de uma das fontes mais evidentes da musicalidade de Beto ser a obra dos Beatles, é a imagem das pedras que rolam para não criar limbo, tão cara ao universo do rock a ponto de batizar os Rolling Stones, que abre e batiza o trabalho. As imagens do cão sem dono tecendo fios da canção, do trem cigano carregando almas sob o sol são perfeitas para simbolizar o caráter épico do trabalho.
Gravada originalmente como tema instrumental no LP Sol de primavera, Rio Doce ganhou letra de Ronaldo e Tavinho Moura e foi registrada em Contos da lua vaga. Trata do riacho que vai pro mar, das vidas pequenas das calçadas onde existir só parece que é nada. Amor de índio é mais radical (“tudo que move é sagrado”) e defende o trabalho, o amor, o cotidiano e as estações – “todo dia é de viver/ para ser o que for/ e ser tudo ”.
Símbolo de uma postura de vida fluminense, Lumiar, fundada por suíços no século 19, ganhou na música de mesmo nome seu hino extraoficial. O arranjo reverente abre caminho para A página do relâmpago elétrico, mais calma e serena, sem as fagulhas da versão original.
García Lorca
Dores de amores de Tanto também reverenciam a versão de Beto, com metais ligeiramente mais frementes. Na sequência final, Choveu surge em versão quase de câmara, com voz e teclados no centro do arranjo, ganhando vitamina extra com os versos do poema Zorongo, de Federico García Lorca, recitados por Pereda.
Emoção garantida, o arco-íris se abre com Sol de primavera, na faixa em que a voz de Jussara mais se distancia da de Beto. O disco chega ao fim com O sal da terra, tema mais que atual, oportuno num país e num mundo cheio de dúvidas, dívidas e incertezas: “Terra, és o mais bonito dos planetas/ tão te maltratando por dinheiro”(...) Vamos precisar de todo mundo/ um mais um é sempre mais que dois”.
Faixa a faixa
. Pedras rolando
. O amor não precisa razão
. Rio Doce
. Amor de índio
. Lumiar
. A página do relâmpago elétrico
. Tanto
. Choveu
. Sol de primavera
. O sal da terra
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