sábado, 14 de novembro de 2015

MÚSICOS FALAM SOBRE O INTERCÂMBIO DE INFLUÊNCIAS ENTRE BRASIL E ITÁLIA

Discussão acontece vinte anos após o lançamento de 'Equilíbrio distante', álbum em italiano de Renato Russo


Por Mariana Peixoto


Renato Russo não perguntou, comunicou: “Nós vamos gravar um disco de músicas bregas italianas!”. Assim que viu que ele estava falando sério, o músico e produtor Carlos Trilha, que havia trabalhado com ele em seu primeiro solo, The Stonewall Celebration Concert, só de canções em inglês, pensou: “O cara pirou”. Era outubro de 1994, e a Legião Urbana fazia no antigo Metropolitan, no Rio de Janeiro, uma cultuada (ecurta) temporada de shows.

O cantor e compositor estava longe de ter perdido a sanidade. Quando foi conversar com Trilha, já havia feito extensa pesquisa. Para esse projeto, Renato havia escutado 2 mil canções italianas. “Como ele tinha origem italiana, a ideia era dar um presente para a família”, lembra.

Equilíbrio distante, o segundo solo de Renato, foi realmente um parto. Consumiu nove meses de produção. O lançamento foi em dezembro de 1995. Foram gravadas quase duas dezenas de canções – 13 delas entraram no disco, outras quatro foram incluídas no álbum póstumo O último solo (1997).

Com Equilíbrio distante, Renato apresentou ao Brasil uma cantora de que quase ninguém tinha ouvido falar: Laura Pausini. Então em início da carreira, a maior intérprete pop daquele país teve quatro canções registradas por Renato: La solitudine, Strani amori (os dois maiores sucessos do álbum), Gente e Lettera.

“Ela era tipo a Angélica da Itália, bem famosa. Achou horrível um homem cantando aquelas letras, mas depois, quando (o disco) vendeu muito, passou a achar lindo”, entrega Trilha. Equilíbrio distante já vendeu mais de 1,5 milhão de cópias.

O disco foi muito além de alavancar a carreira de Laura Pausini. Foi também um dos principais responsáveis pelo segundo boom da música italiana no Brasil. Até então, o que país já havia ouvido da Itália era herança dos anos 1960: Rita Pavone, as versões da Jovem Guarda e o sucesso de Roberto Carlos no Festival di San Remo.

Nesta segunda “invasão”, a canção italiana ficou muito atrelada à televisão. La forza della vita, outra faixa de Equilíbrio distante, entrou para a trilha da novela O rei do gado (1996). Carlos Trilha foi alçado, sem querer, ao posto de especialista em música italiana. Produziu Forza sempre (1999), disco em que Jerry Adriani gravou, em italiano, canções da Legião. Faixa bônus desse álbum, a napolitana Santa Lucia Luntana entrou para outra novela, Terra nostra (1999). Ainda no período, Zizi Possi gravou seu maior sucesso, Per amore (1997), que gerou outro álbum em italiano, Passione (1998).

Antes de Forza sempre, Adriani havia gravado outro álbum em italiano. Io, produzido por Roberto Menescal, lançado quase que simultaneamente a Equilíbrio distante. Na verdade, essa produção dos anos 1990 foi um retorno às origens. Jerry Adriani nasceu Jair Alves de Souza. Começou a carreira cantando em italiano – seus dois primeiros álbuns são Italianíssimo e Credi a me, ambos de 1964.

“Já tinha o Jair Alves, o chamado Príncipe do Baião”, relembra ele, que se tornou Jerry por causa de Jerry Lewis e Adriani em homenagem ao cantor italiano Adriano Celentano. “Assim como gente que cantava em inglês tinha até nome em inglês, era como se eu fosse italiano”, conta Jerry, que, após esse início italianado, caiu na Jovem Guarda, quando passou a gravar em português.

Com a popularização, muitos italianos descobriram no Brasil um novo mercado. Além de Laura Pausini, desembarcaram por aqui Eros Ramazzotti e Tiziano Ferro. Mafalda Minnozzi é da mesma leva. Chegou ao Rio de Janeiro em 1996, aceitando um convite para uma temporada da (extinta) casa Paradiso (Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore, havia levado o Oscar de filme estrangeiro em 1990).

“Houve uma redescoberta da produção italiana por meio de Cinema Paradiso. Naquele período, o Ennio Morricone (que assinou a trilha do longa de Tornatore) foi o compositor das trilhas mais importantes do cinema hollywoodiano. Isso inspirou muitas pessoas não só a olharem o cinema italiano, mas também a música”, comenta Mafalda. Ela acrescenta que o período ainda assistiu ao auge da popularidade de Luciano Pavarotti.

Rapidamente, Mafalda foi alçada ao posto de consultora da Globo, colaborando para as trilhas sonoras das novelas com núcleo italiano. “O Caetano teve música em Terra nostra (Luna rossa); ajudei Zezé di Camargo e Luciano a cantar em italiano, assim como Emílio Santiago, Fafá de Belém”, relembra Mafalda, que fez uma carreira discográfica quase exclusivamente no Brasil. Tem 11 álbuns lançados no país, incluindo o recém-lançado Empathia, de formato jazzístico.

A febre no país terminou no início dos anos 2000. “Na verdade, a música italiana dificilmente sai de seus confins. Até mesmo Eros Ramazzotti e Laura Pausini fizeram um percurso fora da Itália porque cantam no idioma espanhol. Nós vamos muito bem na moda, na culinária e no design, mas a música de hoje é um desastre, não tem luz própria e não sai da Itália”, diz a cantora.

Para Mafalda, o idioma é um grande dificultador. “A mágica da bossa nova foi essa. Tom Jobim conseguiu fazer do idioma uma matemática da música. Águas de março é de uma genialidade porque consegue reunir a palavra com a música”, continua ela. Feito que a canção popular na Itália só conseguiu com os compositores napolitanos. “Ela é mais redonda, musical.”

Toninho Horta ratifica as palavras de Mafalda. Seu novo álbum, lançado no primeiro semestre, é No horizonte de Napoli, gravado com o cantor italiano Stefano Silvestri. No repertório, estão canções napolitanas popularíssimas mundo afora, como O sole mio e Passione.

“A música napolitana tem mais sentimento. Como não entendo italiano, vou mais pela música, que é voluptuosa, cantada com uma carga emocional muito grande.” Horta deu um sabor mineiro a canções conhecidas. “A ideia foi deixar soar como música italiana, mas com uma harmonia brasileira”, diz ele, que parte para a Itália em novembro para alguns shows ao lado de Silvestri.

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