Nome, local e data de nascimento
Meu nome é Luiz Carlos Pereira de Sá, eu nasci em 15 de outubro de 1945 em Vila Isabel, Rio de Janeiro.
FAMÍLIA
Nome dos pais
Meus pais são Silvio Pereira de Sá e Zuleica Jambo da Costa Sá.
FORMAÇÃO MUSICAL
Iniciação musical
Eu nasci no caldeirão da poção, quero dizer, toda semana, todo fim de semana meu pai reunia uns boêmios lá na varanda. A gente morava naqueles apartamentos antigos cheios de varandas em Vila Isabel, numa rua muito sossegada. O engraçado era que a rua inteira vinha ali para baixo da varanda pra ouvir o pessoal tocar e cantar. E aí eu já caí no “crime” direto. Tinha violão em casa, o meu pai tocava, cantava. E eu com uns 15, 16 anos, já estava fazendo as minhas primeiras músicas. Foi quase que uma coisa muito natural, na realidade, eu ser músico. Eu não podia ser outra coisa, não tinha como, apesar de ter sido muitas coisas nesse ínterim.
ADOLESCÊNCIA
Músicas que ouvia
Eu cresci ouvindo Jacob do Bandolim, Noel Rosa e ainda assim nos meus 10, 11 anos em Vila Isabel eu comecei a comprar os primeiros discos de Little Richard, Elvis Presley, Bill Halley. Eu tinha uma guitarra de papelão que ia para as festinhas e as meninas achavam aquilo o maior barato – eu fazer mímica de rock com guitarra de papelão. E parava as festinhas e chamavam as mães: “Vem ver o Luiz Carlos fazer mímica com guitarra de papelão.” Eu me sacudia todo, me contorcia que nem o Elvis e as mulheres achavam aquilo horroroso, imagina Vila Isabel na década de 50 e aquele depravado ainda na primeira adolescência e mal saindo da infância e já se contorcendo ali naquela maneira. Então já comecei assim com essa cruza de samba e de rock-n’-roll. E isso me acompanhou a vida inteira, eu comecei a querer misturar tudo, claro.
Lulhi
Eu mudei pra Tijuca mais tarde com 18 anos, mais ou menos. Eu frequentava a garagem da Luhli. Luhli com “H”, hoje. E a Luhli na realidade foi… O que se pode dizer? Ela foi a minha guru de violão. Fiquei lá colando os acordes dela e coisa e tal. Ela era só um ano mais velha que eu; desculpe Luhli. (RISOS) Entreguei tudo. Mas sabia muito mais do que eu de violão. Não só eu, como uma série de outras pessoas, vivíamos ali em torno daquela garagem todo dia, toda noite, tocando, cantando e ali eu aprimorei a minha maneira de compor. Minhas primeiras músicas foram gravadas pela própria Luhli num disco que ela fez pra Philips chamado Luli, um disco com arranjo do Guerra Peixe e esse disco foi lançado em 1965 e aí eu vi as minhas primeiras músicas tocando no rádio. A Luhli gravou três músicas minhas.
Em seguida um amigo meu da Tijuca me levou para me apresentar o Milton Miranda que era o produtor artístico da Odeon. O pai desse meu amigo era médico da Odeon. A gente tinha um conjunto chamado Nouvelle Vogue, que tocava bailinhos, enfim, eu nessa época era metido a tocar guitarra, mas eu tocava muito mal. Eu sabia tocar as minhas músicas e compor, mas músicas dos outros… Então resolvi me dedicar mais à carreira de crooner, eu cantava e fazia muito baile. Eu ia atrás do grupo do Chiquinho do Acordeom, porque o cantor dele o Venilton Santos não sabia cantar em inglês e aí me chamava pra cantar repertório de Ray Charles, de jazz e coisa e tal. Minha cancha vocal na realidade foi fazer isso, foi fazer baile ali pelo Rio de Janeiro, aqueles bailes de formatura que a gente deveria ir de summer e de smoking e eu lá cantando. Subia e coisa e tal e (cantarola) “the song…” e as meninas adoravam e eu conseqüentemente também. Mas eu estava contando sobre a Odeon. Fui apresentado ao Milton Miranda e o Milton fez com que a Rosa Maria, hoje a Rosa Marya Colin [no final dos anos 90 Rosa Marya Colin mudou seu nome para Rosa Marya Colyn; com “Y”], que estava gravando o primeiro disco, gravasse uma música minha chamada “Capoeira de Oxalá” e o Pery Ribeiro gravasse um outro samba chamado de “Giramundo”. Esse sim foi um sucesso nacional. Tocou em tudo que é rádio e nessa época eu era bancário, eu trabalhava no Banco de Crédito Real de Minas Gerais. Já estamos em 1965 e eu com 20 anos. Eu fui posto ali naquele banco. Vou contar a historinha minha como é que foi: a minha mãe estava apavorada com o óbvio que estava acontecendo: eu ser músico. E eu estava fazendo faculdade de Direito nessa época. Eu estava no segundo ano de Direito, mas é claro que eu vivia ali no “crime”. Eu fazia baile, eu ganhava a minha própria grana, não tinha nada a dever pra ninguém, e eu ia. Tinha uma boate do Sargentelli na Tijuca onde ele levava as pessoas que estavam surgindo lá. Eu conheci Dori Caymmi, Paulinho Machado, Sérgio Mendes, o pessoal que ia dar “canja” ali no pianinho do Sargentelli. Uma boate lá no meio dos cafundós da Tijuca e eu vivia naquela boate. Toda noite eu ia lá tomar whisky e ouvir os caras. Minha mãe olhou aquela vida e disse: “Isso não é vida para o meu filho”; e me botou no Banco de Crédito Real de Minas Gerais. Tinha um amigo lá e eu fui convencido a trabalhar sob pena de ter o meu carro tirado de mim. Naquela época a gente obedecia aos pais, era muito engraçado, tinha medo até dessas coisas acontecerem, e aí eu fui para o banco. Eu também estava a fim de ganhar mais grana e uma grana mais certinha, vamos dizer as coisas ao bem na verdade. E no banco tinha um cara que trabalhava num aquário, ali adiante pertinho de mim, que ele às vezes vinha e às vezes não vinha e eu perguntava: “Vem cá, por que esse cara não vem todo dia que nem a gente?” – “Não; mas ele é músico.” – “Músico?” – “Como é que é o nome dele?” – “É Durval.” E eu fui lá conhecer o cara e o cara era o Durval Ferreira. Quero dizer, minha mãe me levou ao crime um pouco mais profundamente. Conheci o Durval e o Durval me botou, me apresentou editores e aí estava tocando a música do Pery Ribeiro. O Durval me apresentou na editora Vitale. Chegou lá o Aloísio Vaca Brava pra falar comigo e o Durval soprando pra mim: “Pede 500, pede 500” e eu pedi 500. Quinhentos eram, mais ou menos, uns 10 salários meus no banco de Crédito Real. O Aloísio deu os 500 e eu saí do banco. (RISOS) Quero dizer, a minha mãe queria ser a inocente da minha carreira musical e acabou sendo a culpada. E aí eu comecei realmente a viver de música durante um tempo.
Primeiras gravações
Com esse conhecimento meu com o Milton Miranda na Odeon, eu gravei uma demo na Odeon e o Milton me achou meio verde e disse “Vamos gravar mais músicas tuas.” Naquela época o trampo era esse, o compositor, cantor, gravava antes as músicas e depois aparecia pra dizerem “olha, esse é o disco do fulano que fez isso, isso, isso, isso e aquilo”, mas acontece que nesse entretempo aí eu gravava uma faixa de novela, gravei uma faixa de novela na Minha Doce Namorada, o Nelsinho Motta começou a me produzir e fez com que eu formasse um grupo com Paulinho Machado chamado “A Charanga” e a gente tocou no Festival Internacional. O Nelsinho também me botou no “crime” aí da propaganda. Abriu uma produtora com o Marcos e Paulo Sérgio Vale e eu comecei a fazer jingle também com ele. E, mais ou menos, em 1969, por aí, eu estava num grupo chamado Grupo Mensagem que fez uma espécie de musical no Teatro Opinião dirigido pelo Armando Costa, que se chamava “Samba Pede Passagem.” Nesse grupo estávamos eu, o Sidney Miller, a Soninha que hoje é do Quarteto em Cy – não sei se ainda é, acho que é –, o Marcos Antônio Menezes, que era um outro compositor, e o Paulo Thiago que hoje é cineasta e que era parceiro do Sidney Miller. Esse grupo Mensagem foi formado pelo Nelson Lins e Barros, que era um grande guru da época, um poeta mais velho que juntava em torno deles jovens compositores e lançavam.
PESSOAS
Guarabyra
O Nelson Lins e Barros deu uma festa na casa dele e me apresentou um jovem baiano que tinha chegado, isso em 1966, que tinha chegado da Bahia agora. Eu até brinquei: “Pô, Nelson, mais baiano? Isso aqui está cheio de baiano”. E aí eu conheci o Gutemberg Guarabyra e nos transformamos num trio inseparável eu, ele e o Sidney Miller. A gente foi lançado não como um trio, nas terças-feiras do Casagrande, pelo Sergio Cabral no teatro Casagrande, cada um fazia o seu setezinho.
EVENTOS HISTÓRICOS/ATIVIDADES PROFISSIONAIS
Ditadura Militar/Jornalismo
Nesta época do Casagrande eu era cantor de protesto, eu pesava a barra e coisa e tal. Várias vezes eu tive que sair correndo porque tinha um general lá no meio do negócio e aquelas coisas de 1967 ainda. Em 1968 piorou um pouco. Quando piorou um pouco e eu comecei a ter músicas censuradas fiquei chateado e resolvi largar a música e fui fazer Jornalismo. Primeiro no O Sol, até saiu um documentário há pouco e eu fiz parte com a Tetê Moraes, foi sobre o jornal Cultural que o Reinaldo Jardim lançou junto com o Correio da Manhã e mais tarde… digo, com Jornal dos Esportes e mais tarde no Correio da Manhã quando eu editei um caderno de música e super-8 chamado Plug e trabalhavam comigo o Torquato Neto, Waly Salomão, a Mônica Icha, um pessoal super legal. A minha fase jornalística foi maravilhosa. Fiz algumas músicas nessa época com o Torquato também que permanecem inéditas até hoje. Eu vou lançar agora em disco solo.
Torquato Neto
Estive lendo a biografia do Torquato Neto escrita pelo Toninho Vaz e tem uns trechos de uns dois depoimentos que eu dei para o Toninho, mas o Toninho não falou dessa música inédita que eu tenho com Torquato, mas foi ele que achou no baú do Torquato o resto da letra. Ele, pesquisando para a biografia, achou o resto da letra. Eu falei pra ele: “Toninho, eu tenho uma música inédita com o Torquato que eu só me lembro da primeira parte. Eu sei que tem uma segunda, vê se você não consegue lá com a Ana Maria, ex-mulher dele, viúva dele, essa parte.” Ele vasculhou o baú e achou a letra, o resto, eu pude completar a letra quase 30 anos depois, mais de 30 anos depois, e eu vou gravar agora. Mas, enfim, eu estou tergiversando (risos).
Guarabyra e Zé Rodrix
Conheci o Guarabyra e a gente teve essa parte. Só viemos a compor juntos na realidade em 71. E também nessa época eu fui ser júri num festival estudantil com o Nelson Lins de Barros e me chamou “Pô, vamos ser júri de um festival estudantil” e tinha um jovem quarteto começando chamado Momento Quatro que me impressionou muito. O Momento Quatro era o Maurício Maestro, Davi Tygel, Zé Rodrix e, eu já ia dizer Cláudio Nucci, depois era o Boca Livre. Davi Tygel, Maurício Maestro, Zé Rodrix e Lourenço Baeta. Cara, eu não consigo me lembrar do quarto do Momento Quatrista. Davi, Zé. Ah, e o Ricardo Vilas, claro. Que foi depois preso, deportado e trocado pelo embaixador; foi fazer carreira na França onde ele está até hoje. Bom; conheci o Zé, conheci o Guarabyra, mas nada disso era um grupo. O grupo se formou como? Quando me separei do meu primeiro casamento eu saí de casa só com meu Bug Gurgel, uma cama comprida de solteiro que era extraordinariamente fina – o que prova que eu era extraordinariamente magro naquele tempo – e sem saber o que fazer eu parei o carro na Praça da Paz e fiquei ali sentado do lado do carro dizendo “E agora o quê que eu faço.” Aí passa e o cara falando: “Sá, Sá”, e coisa e tal, e quando eu olho era o Guarabyra, “O quê que houve, o que você está fazendo aí?” O cenário era dantesco: eu, o meu bug com aquele cama horizontal cravada no banco de trás e disse: “Cara, saí de casa, briguei com a mulher, separei e estou aqui sem saber pra onde vou.” Ele disse: “Olha, vai pra minha casa.” Ele morava na Nascimento Silva junto com o jornalista Toninho Neves e com o Zé Trajano também jornalista que é hoje da Band? Não. Ele tem um programa nessa Sport TV. O Zé Trajano. E aí eu fui morar com o Guarabyra, eu com a minha cama fininha, no quarto dele porque só tinham três quartos o apartamento e com o Bug lá estacionado na calçada porque a gente não tinha dinheiro pra botar gasolina. Ele tinha um Fusca e eu um Bug, mas nenhum dos dois tinha dinheiro pra botar em qualquer… O dia em que a gente teve dinheiro pra botar gasolina o meu Bug não pegou, eu saí com o carro dele e bati. Dei um “preju” pro Guarabyra. (RISOS) Em compensação, depois, eu dei lucro pra ele também. Vamos e venhamos; empatou.
E a gente vivia naquele apartamento. O apartamento era assim uma “zorra”, uma “zorra” total, mesmo. Uma vez eu cheguei de uma balada qualquer eram quatro horas da manhã e estava todo mundo jogando futebol pelado no vãozinho do apartamento. Os convidados da festa lá do Toninho e do Guarabyra.
TRABALHOS
Sá, Rodrix & Guarabyra
Bom; acontece o seguinte: que nessa época eu comecei a fazer muita música junto com o Zé Rodrix que morava na Prudente Moraes e era quase porta a porta com a gente. O Zé vivia lá, porque a gente fazia as músicas, ensaiava e o Guti fazia um vocal, fazia um triozinho. Nessa época o Zé estourou com “Casa no Campo” e, nessa época também, eu participei do meu primeiro festival de Juiz de Fora – que foi onde eu conheci o grosso do Clube da Esquina. Conheci Toninho Horta nesse festival. Já tinha conhecido Nelsinho Angelo, vivia com Nelsinho Ângelo… nesse tempo era casado com a Joyce pra baixo e pra cima lá também. Conheci quem mais? Conheci o Lô; conheci o Beto; conheci o Marcinho, tudo isso em Juiz de Fora. O Marcinho não. O Marcinho eu conheci antes numa casa que ele morava em Santa Tereza. Eu sempre tinha “grilo” de ir naquela casa porque é claro, chegava lá conforme o diabo gostava e tinha a impressão que a casa ia cair lá em baixo. (RISOS) Eu visitei muito pouco o Marcinho por causa disso. Eu sempre achei que a casa dele ia cair. Felizmente não caiu e acho que está lá até hoje na Almirante Alexandria. Mas nessa época foi que eu realmente me expus, conheci o Milton e me expus assim à música mineira e achei aquilo uma absoluta novidade pra mim. As músicas do Lô, do Milton e do Beto caíram como uma ficha, uma gigantesca ficha telefônica na minha cabeça. E acho mesmo que, apesar de já ter uma personalidade forte, musicalmente formada nessa época, quando a gente fez o Sá, Rodrix e Guarabyra, o Zé vinha do Som Imaginário e a gente vivia ali em Juiz de Fora e vinha muito aqui em Belo Horizonte e naturalmente nós pendemos pra Minas. Para agravar essa pendência mineira, o Guarabyra é do Vale de São Francisco, que não é mineiro e nem baiano. Ele é baiano de certidão, mas na realidade o São Francisco é um grande rio mineiro, mais mineiro do que tudo ou “baianineiro” se quiserem falar assim. Porque tem uma personalidade própria ali no Vale, desde a Serra da Canastra as coisas começam mudar. Pirapora eu acho parecidíssimo com a Bahia, e chega na Bahia você acha parecidíssimo com Pirapora. É uma confusão infernal e a gente chega a conclusão que o estado de São Francisco existe e a capital é Montes Claros. E cheguei. Onde é que eu estava? No São Francisco. Quando eu cheguei e o Guarabyra me levou pra subir o rio, para descer o rio, aliás, com ele de Pirapora em diante, até fomos depois de Bom Jesus da Lapa um pouco. Não cheguei a ir até a Barra do Rio Grande onde ele realmente nasceu, mas ele tinha sido criado em Bom Jesus da Lapa, os pais dele moravam lá e a gente todo ano ia lá por terra, por mar, pelo ar, pelo rio. Do jeito que dava, eu me lembro, por exemplo, a minha primeira viagem foi com esse Bugzinho Gurgel. A gente fez Rio, Juiz de Fora, paramos na casa da Sueli Costa, ficamos lá uns dias; aí Belo Horizonte, paramos aqui na casa de uns amigos e ficamos aqui uns dias; Montes Claros, a gente parava em Montes Claros e ficava lá uns dias e aí vinha, Jarnaúba, Porteirinha, Monte Azul, Mato Verde, Espinosa, aí entrava na Bahia: Caitité, Riacho de Santana, Bom Jesus da Lapa – que é uma cidade que é um tapa na cabeça até hoje de quem vai. Você chega lá, tem um rio enorme, o São Francisco, muito lago ali, um morro de lava de 100 metros de altura e uma gruta e uma romaria de 60 mil pessoas, entende? E aquelas pessoas cantando pelas ruas com as velas acesas assim eu fiquei assim “absurdado” com aquilo. Eu disse: “Cara, o Brasil existe e não é no Rio.” Porque o carioca tem essa mania, acha que tudo é no Rio e pára ali.
CLUBE DA ESQUINA
Avaliação
O que impressiona no Clube da Esquina é a mágica, antes de mais nada, era muito mágico você ver o Milton cantar trabalhando (cantarola) “o sal, a vida e o suor que me…” desde aí até as profundidades, até Beto Guedes, Tavito. Tavito, por exemplo, eu acredito até hoje que o violão que eu toco é herança do Tavito. Eu ficava assim cara: “taaaah”, aquele swing feroz, eu disse assim: “Pô, eu quero tocar que nem você.” Sabe como é que é? Espero que hoje em dia eu esteja tocando parecido com ele, porque era muito forte o violão do Tavito, é muito forte ainda. E via aquelas músicas malucas do Nelsinho. No primeiro disco de Sá e Guarabyra os arranjadores eram Rogério Duprat, Nelsinho Ângelo e o Eduardinho Solto Neto. Mas essa ficha que caiu foi essa mágica da música mineira, essa cara de uma coisa assim presa entre montanhas misteriosas, meio que fechada atrás de uma porta, meio que com um certo desespero, sabe como é que é? Que o carioca não tinha. O carioca é leve, relax, e Minas tem um mistério, tem um entre montes, o beira de rio, aquela coisa “hum-humm”, acordes misteriosos com “hhhhh” umas sextas, e coisa e tal. Aquilo tudo me fascinou. Eu me lembro até hoje de eu ali nos camarins do Teatro Central de Juiz de Fora ouvindo música e música e depois de música, mais música, sabe como é que é? Era a noite inteira até a gente entrar pra fazer o festival e até fazer o ensaio. Era Tavito, Nelsinho, Beto, o Lô, todo mundo ali tocando, ouvindo e trocando idéias. E acho que, até por proximidade geográfica, apesar de eu ter conhecido Caetano, Gil e Tom Zé, todo mundo em início de carreira no Rio, porque a gente tinha sido contratado do escritório do Guilherme Araújo junto com eles pra fazer um programa lá em São Paulo, que depois não vingou, eu pendia mais pra Minas. Eu acho que a Bahia já não era mais tanta novidade pra mim porque eu tinha o elemento negro, eu nasci em Vila Isabel na beira do morro. Eu sou pé-de-morro legítimo e samba e coisa e tal. Então o baiano, apesar de achar lindíssimas as músicas do Caetano e do Gil, não era tão misterioso pra mim. Não me atraía tanto quanto essas músicas mineiras, que para mim eram profundas e tinham umas dores que eu não conhecia, entende? E realidade é isso. O primeiro dia que eu fui na casa do Bituca lá em Três Pontas, que entrei no porão e eu não sei quem começou a me contar uma história de que um raio tinha caído naquele porão e tinha uma pedra de raio. Uma pedra se formava sempre onde um raio tinha caído. Aquilo pra mim foi um mistério absoluto. Eu saí de Três Pontas e fiz uma música chamada “Pedra de Raio” que eu nunca gravei, não sei porque, mas que é… acho que eu nunca gravei porque ela é tão mineira que eu fiquei com medo “O cara está imitando o Bituca.” Aí não gravei de medo, eu acho. A realidade é essa. Porque é (cantarola) “Pedra de raio segura na mão noite tranqüila…” As aranhas mineiras estavam todas ali, eu na realidade… foi feita em lócus, feita em Três Pontas e por Três Pontas e por causa de Três Pontas e acabou que eu não gravei porque eu disse: “Vão dizer que eu estava imitando o Milton.”
PESSOAS/MÚSICAS
Toninho Horta e Fernando Brant/Falso Inglês
Sá e Guarabyra, ou Sá, Rodrix e Guarabyra, gravavam muito pouco gente de fora. A gente tinha muita música pra botar e era muito difícil. Mas no Quatro a gente gravou do Toninho Horta e do Fernando Brant o “Falso Inglês” – eu achei primorosa aquele letra. E é a minha cara porque quando eu fazia aquelas mímicas de rock, “Why…” e coisa e tal e assim mesmo era exatamente isso que eu fazia. “Aí vamos gravar o ‘Falso Inglês’” e gravamos o “Falso inglês” e tirei o Toninho daqui. O Toninho: “Bom; eu não vou ter tempo.” “Você não vai ter tempo o quê, cara? Amanhã você está aqui em São Paulo e coisa e tal”. Ele chegou lá e gravamos o “Falso Inglês” e ficou ótima a gravação e até hoje eu ouço com muito prazer.
Flávio Venturini
Cansei de fazer música com o Flavinho. Eu acho que sou um dos primeiros parceiros do Flavinho. Começamos com “Criaturas da Noite” que foi um hit, com O Terço. Flavinho… é muito engraçada a história, posso contar? A gente ligou pro Bituca e quando o Zé Rodrix saiu e começamos com a dupla, com o Sá e Guarabyra, faltava um tecladista e aí ligamos pro Bituca e disse: “Pô, não é possível que Belo Horizonte, que é uma cidade onde você chuta músico no meio da rua literalmente, não tem aí um tecladista pra mandar pra gente, coisa e tal.” – “Não; claro que tenho e coisa e tal. Me dá uns dias aí.” Uns três dias depois liga o Bituca de volta e disse: “Olha vou te mandar um rapaz que chama Flavio Venturini, um cara novo que está começando e que vocês vão adorar” e isso aquilo e aquilo outro. O Guti era casado com a Guairá Jost que morava ali – os pais dela moravam na Vieira Souto na esquina da Farme de Amoedo – e a gente combinou com o Flávio na esquina da Vieira Souto com a Farme de Amoedo achando que ele ia ficar na casa de alguém. E estamos lá de noite esperando o Flavio chegar, olhando o mar, aquele cenário “horroroso” e aí “o cara não veio, já são nove horas da noite. O cara não veio.” E aí, olhamos assim, tinha um poste e tinha um cara parado com uma mala e um saco de plástico. Uma mala numa mão e um saco de plástico na outra olhando para o mar. Eu disse: “Guti, aquele cara é mineiro. Ele entendeu a esquina mesmo”. Ficamos olhando e o cara estava lá já há uma meia hora parado. Vai pra cá e vai pra lá e olha pro mar. A gente assoviou, chamou, ele olhou pra cima: “Flávio!” Ele disse: “É.” (RISOS) Subiu, tocou 15 minutos de piano e a gente caiu de costas, disse: “É você e coisa e tal” E levamos ele pra São Paulo junto com o resto da banda e o resto da banda era justamente o Sergio Hinds, era o que tinha sobrado do Terço, que tinha desmanchado: Sergio Hinds, Luiz Moreno, Sergio Magrão, que hoje está 14 BIS que começou tocando com a gente também no Rio. E um belo dia a banda chegou pra gente e disse: “Olha, a gente vai fazer solo”, e coisa e tal, “vamos refazer O Terço.” A gente ficou horrorizado. “Perdemos a nossa banda.” Mas perdemos para o bem porque do Terço nasceu o 14 BIS, que está aí até hoje.
Caçador de Mim
“Caçador de Mim” é uma música que eu fiz com o Sérgio Magrão, o baixista do 14 BIS, que também tem uma história esotérica a pampa. Eu tinha um estúdio em São Paulo. Nessa época o Magrão estava com O Terço, ainda era O Terço. E o Magrão, que nunca compunha e que eu nunca tinha ouvido falar que ele estivesse compondo, um belo dia ele chegou pra mim e disse: “Poxa, eu tenho uma música que eu queria que você botasse uma letra.” Eu disse “que legal Magrão, você está compondo agora. Beleza, mostra aí, isso e aquilo”. Meio paternalista, com aquela cara de compositor veterano e o Magro mostrou a melodia do “Caçador de Mim” e eu fiquei apaixonado pela simplicidade e como que a música fluía. Isso aqui eu disse “Cara, que maravilha!” E a gente estava no meu estúdio e eu subi, abri a minha gaveta de letras, eu tinha um monte de letras lá e vi uma letra que eu tinha começado chamada “Caçador de Mim” e essa letra, a divisão da letra, caía certinho na música do Magrão. O Magrão olhava pra mim e dizia: “Ah, você está de sacanagem. Não é possível!” É isso mesmo; “Caçador de Mim”. Essa letra eu tinha lido em um livro chamado The Catcher in the Rye do J.D. Salinger, não é? O Apanhador no Campo de Centeio. E não sei porquê eu lia o livro e ouvia “Caçador de Mim”. O cara se procurando e tentando achar a personalidade dele e eu “Caçador de Mim”, “Caçador de Mim”, “Caçador de Mim”. Fiz a letra e pouquíssimas coisas, a segunda parte eu acho que eu fiz depois de ouvir a música do Magro. O resto estava tudo ali já. Achamos lindo, maravilhoso e coisa e tal, mas como O Terço ia gravar… Era O Terço ou o 14 BIS? Era o 14 BIS, era 81, já era o 14 BIS. Como o 14 BIS ia gravar e como a gente tinha muita música junto, eu com o Flavinho, eu com o Vermelho, O Guti com o Vermelho, o Guti com o Flávio a gente procurava, a gente combinava “Não; você grava essa, eu gravo aquela eu gravo essa e você grava aquela”, por isso a gente só gravou o “Caçador de Mim” acho que uns dois ou três… depois num disco ao vivo. Não. Gravamos ao vivo no mesmo ano, mas depois do 14 BIS. Primeiro o 14 BIS e depois o Milton gravou. O Milton escondeu de mim porque o Bituca é sacana, ele escondeu de mim e mandou o Magro dizer: “Não fala que eu vou gravar a música dele.” E o Magro todo dia chegava pra mim felicíssimo e coisa e tal, e eu nada. Um belo dia eu passo numa loja de disco e está o Long Play lá preto “Caçador de Mim”. Eu digo: “pô, que sacanagem. O Bituca botou o nome da música aí?” Porque eu não achei que ele tivesse gravado e aí virei e estava lá o “Caçador de Mim”, e aí eu caí de costas. Liguei pra ele ao mesmo tempo em que emocionado, muito puto também, dizendo “Você é um sacana! Mas a música é minha”, ele dizia: “É a minha cara, essa música é minha, todo mundo vai dizer que é minha.” (RISOS)
Clube da Esquina: avaliação
A contribuição do Clube da Esquina para a música brasileira é inestimável, cara, inestimável! Isso aí… Houve uma época em que o Brasil se dividiu entre baianos e mineiros. Nós os cariocas ficamos absolutamente, os cariocas e os paulistas estavam ali no final do chão, “Vem cá, você é dos mineiros ou é dos baianos?” Eu digo “Não; eu sou carioca.” “Hummmm, carioca; hummmm, paulista.” Era a mesma coisa de você não ser músico. Pra minha sorte eu estava agarrado num baiano e num cara que tinha saído do Som Imaginário que era praticamente mineiro que era o Zé Rodrix. E é tão engraçado que você me perguntou o que eu acho? Imagina se não tivesse havido o Clube da Esquina? É mais fácil você imaginar que a música… É a mesma coisa de você imaginar que a música popular brasileira, hoje em dia, é uma música capenga, ela só ia ter um lado porque o outro lado todo quem fez foram os mineiros. Você tem um lado que tem uma parte negra, percussiva, que é o lado baiano, que depois foi urbanizada e levada, vamos dizer, nordestino, vamos generalizar mais porque tem os pernambucanos também: o Lenine, tem os paraibanos, o Chico César, enfim, essa música do nordeste e o outro lado que você tem que é uma música popular que nasceu dos mineiros, das harmonias do Milton, até dessa simplicidade melódica que encaixa dentro de uma harmonia extremamente sofisticada que o mineiro tem. Ou, às vezes, a complicação melódica é que está atada numa harmonia básica e os mineiros também fazem isso. E muita, quero dizer, você não vê, por exemplo, a raiz carioca, a Bossa Nova e o Samba, nem na Bahia, que tem uma samba muito diferente que você não pode, não tem nada a ver com o samba do Rio. O samba da Bahia veio dar um axé e o samba do Rio veio dar um outro, tido numa evolução da Bossa Nova que era a música mais de terra que veio a dar aquela música de protesto e coisa e tal. E os mineiros, naquele núcleo próprio, e eu acho estranho…, por exemplo, não vejo hoje o que eu deveria ver, entende? O que está acontecendo com a Bossa Nova no Rio de Janeiro deveria estar acontecendo com a música que o Clube da Esquina fez aqui? Cadê os “novos mineiros”? (RISOS) Entende? Claro que hoje é muito mais difícil, você não pode dizer, por exemplo, que o Skank é os novos mineiros ou que o Pato Fu é os novos mineiros, eles têm raízes mais seguras, vamos dizer num rock e coisa e tal. Não vão ficar aborrecidos comigo, a Fernanda Takai nem o Samuel Rosa se eu ficar dizendo isso, mas pra quem está de fora é isso que a gente vê. Muito embora eles tenham crescido ouvindo o Clube da Esquina, isso não transparece na música deles de maneira direta, você está entendendo? Quer dizer, acredito que com o tempo… A medida que essas pessoas vão ficando mais velhas, elas vão querendo tirar mais do fundo como está acontecendo hoje com a Bossa Nova no Rio. Os mais jovens não estão naquela raiz de Bossa Nova e tem um outro ramal que é o Pedro Luiz e a Parede e coisa e tal. Outra parada. Mas os caras que estão com trinta e tantos ou 40 anos estão querendo sugar aquela Bossa Nova do fundo e transformar aquilo em outra coisa. Então eu acho que essa música do Clube da Esquina ainda está pra ser transformada também em outra coisa, eu não diria reciclada, porque isso não é uma reciclagem, mas uma transformação mesmo, uma filtragem que os anos fazem com as músicas. E continuamos esperando os novos mineiros. Vim morar aqui em Belo Horizonte. Estou morando aqui há quase dois anos já, não só porque estou casado com uma mineira de Montes Claros como também vim e queria música, sabe como é que é? Queria ouvir essa música em cada esquina e em cada bar como eu ouvia na década de 80 e 90 aqui. Você ia pra qualquer barzinho com música ao vivo e chegava e sentava um cara com violão e “acabava” com o baile ali, eu estou sentindo falta disso, estou achando Belo Horizonte muito roqueira ainda, que tudo bem, eu adoro rock-n’-roll, vivo ouvindo os meus Red Hot Chili Peppers e coisa e tal, mas estou sentindo falta dessa nova.
Fonte: Museu Clube da Esquina
MUSEU
Clube da Esquina
Eu acho que essa parte do Museu do Clube da Esquina importantíssima pra perpetuar isso e pra mostrar que Minas tem sempre uma presença marcante na música brasileira, tem que estar sempre na linha de frente. E como mineiro é muito tímido e o baiano é muito atirado você vê mais baiano na linha de frente do que mineiro. Não é uma briguinha bairrista e nem nada, é simplesmente a vontade de uma pessoa de ouvir de novo em cada esquina de Belo Horizonte música de altíssima qualidade, sabe como é que é? E de altíssima profundidade também.
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