Por Abílio Neto
O sucesso é mesmo complicado para se entender. Para um, a fama, todas as honras e homenagens, e o relançamento de toda a sua obra, mesmo às vésperas dos catorze anos da sua morte: Luiz Gonzaga. Para outro, embora melhor músico que o irmão, porém com uma voz não tão poderosa, o doloroso esquecimento em vida desde a década de 1970. Falamos de outro Gonzaga bem menos famoso, o Zé. Em 12 de abril de 2004, completaram-se dois anos do seu falecimento. Esquecido e condenado a ter o seu passado musical apagado, pois grande parte do seu acervo está mofando nas prateleiras da EMI, gravadora que comprou a Copacabana. Do restante nem se fala, pois não se sabe onde está. Há preciosos discos de 78 rotações e LPs somente em poder de colecionadores, alguns deles radialistas que fazem dos seus discos troféus para ganhar audiência, embora sejam verdadeiros coveiros culturais.
José Januário dos Santos, conhecido artisticamente como Zé Gonzaga, nasceu em Exu/PE em 15/01/1921 e faleceu no Rio de Janeiro/RJ em 12/04/2002, aos 81 anos de idade. Era o mais novo dos cinco homens, dos filhos de Januário, pai de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião.
Tal qual o pai Januário, o irmão Severino, a irmã Chiquinha e o irmão Luiz, Zé tinha um enorme talento musical e sem dúvida foi um dos maiores músicos de sanfona deste País, de todos os tempos. Todos tocavam sanfona de oito baixos, mas somente Luiz e Zé a trocaram por outra de 120 baixos. Zé também foi ótimo compositor. Eram lindas suas harmonias e tinha também talento como letrista. Luiz que era um mestre da sanfona considerava-o também o melhor músico da família que, ao todo, tinha sete artistas entre pai, irmãos e irmãs.
Fugindo da seca do sertão pernambucano, Zé Gonzaga, em 1939 saiu em direção ao sul do País em busca de ajuda dos seus irmãos Joca e Severino que moravam em São Paulo, ou Luiz, no Rio de Janeiro, que não via desde 1930. Não achou os irmãos de São Paulo, escreveu para a mãe, D. Santana, pedindo o endereço de Luiz no Rio de Janeiro. E foi assim que numa manhã de março de 1940, numa pensão situada na Rua São Frederico, 14, no Morro de São Carlos no Rio de Janeiro, Luiz Gonzaga foi acordado antes da hora por D. Tereza, uma portuguesa, dona da pensão que lhe disse: - Gonzaga, acorda que cá está um gajo a dizer que é teu irmão. Gonzaga que ainda vivia no mangue tocando em praça pública para sobreviver, respondeu:
- Oxente D. Tereza, que diabo é isso?
Aí, tropeçando de sono foi até a porta, reclamando, e deu de cara com um rapaz moreno de olhos azuis iguais ao da sua mãe. Disse José, com quem Luiz sempre teve uma relação de amor e ódio, que ao aparecer aquele negão, de cara redonda, perguntou:
- Você é que é Luiz Gonzaga?
Eu sou José seu irmão, ao que Luiz respondeu:
- E você veio fazer o quê aqui, seu moleque safado que eu não mandei chamar ninguém porque eu estou pior que vocês?
– Eu vim praqui porque tá uma seca danada lá no Sertão e mãe mandou dizer pra tu dar um jeito de ajudar a gente.
De imediato, a ajuda de Luiz foi comprar um colchão para o irmão e pagar pra ele as despesas de hospedagem da pensão. Zé então com 19 anos passou a ajudar o irmão carregando-lhe a sanfona até o Mangue e a passar o pires no recolhimento das gorjetas. Depois com o passar do tempo e tendo Luiz Gonzaga ficado famoso, deu-lhe uma sanfona, o incentivo e abriu os espaços para o novo artista. José, que era exímio sanfoneiro, fez carreira à sombra do irmão, tendo adotado, a pedido deste, o nome artístico Zé Gonzaga. Depois do empurrão do irmão à sua carreira, venceu pelo seu próprio talento. Casou-se, e durante algum tempo Luiz morou com o irmão e a sua esposa Clara. No final da década de 1940, Zé Gonzaga já tocava na Rádio Guanabara e em 1949 gravou o seu primeiro disco de 78 rotações pela Star, o qual continha os choros, Teimoso, de Zé Gonzaga e Vira o Outro Lado, de Cipó. Em 1950 mudou de gravadora e na Odeon gravou o calango Ai Sanfona, de sua autoria e Jeová Rodrigues e a rancheira Bate Sola, da mesma dupla. Em 1951 gravou a batucada Bebida Não Mata Ninguém, de Kid Pepe e Arlindo Caldas e também o xote O Forró de Quelemente, de Luiz Gonzaga e Zé Dantas. Em 1951 fez a música Viva o Rei, em parceria com Zé Amâncio, uma homenagem a seu irmão Luiz que tinha sofrido grave acidente de carro, a qual foi gravada pelos dois, fazendo mais sucesso na voz de Luiz. Em 1956 fez enorme sucesso com O Cheiro da Carolina, de sua autoria e Amorim Roxo. Em 1957 formou um conjunto próprio com o qual passou a se apresentar e a gravar por um determinado período. Chegou a gravar um disco somente composto de tangos, gênero musical que executava muito bem na sanfona pela gravadora Phonodisc. Tal qual um cowboy americano, Zé Gonzaga se apresentava todo de preto, porém com chapéu à moda de cangaceiro de Lampião. Usava também lenço no pescoço, cartucheira e revólver.
Zé Gonzaga deixou um legado de inúmeros discos de 78 rotações e 12 LPs gravados entre as décadas de 1940 e 1960. Seus maiores sucessos foram: Chorei Sim(1962), O Sertanejo(1963), Vendedor de Camarão(1962, música que contém uma deliciosa prosa), As Coisas Boas Que Eu Tenho(1962), Roseira do Norte(sua e de Pedro Sertanejo, gravada por Oswaldinho e Sivuca), Pisa na Fulô(1957), Barba de Bode(1958), Sanfoninha de Oito Baixos(1958), Baile da Tartaruga(1963), Estrada da Vida(S/D), O Cheiro da Carolina(1956), Viva o Rei(1951), Bebida Não Mata Ninguém(1951), Madalena(1953), Pensando Nela(1963), Não Corto Nem Penteio(1963), Recordando Januário(1963), Sanfoneiro Gordo(1964), Estrada Velha da Pavuna(1964),Vida de Cigano(1964), Margarida(1963), Ninon(S/D), Galope à Beira Mar(S/D), Januário Criou Fama(S/D), Encontro com Lampião(S/D), Gamação(S/D) e Areia do Mar(S/D).
Pelas andanças no Recife teve contato com o frevo e gravou de forma magistral o frevo mais conhecido do carnaval de Pernambuco, Vassourinhas. Também compôs belos frevos como Pernambuquinha(1960), Frevinho na Roça(1959) e Vai que é Mole(1963). Gravou também a famosa marchinha carnavalesca dos Irmãos Valença, de Pernambuco, chamada Você Não Gosta de Mim(1962). Apesar de ter a voz nasalada como o irmão Luiz, Zé era um cantor muito afinado, mas o seu sucesso mesmo vinha do seu instrumento: com a sanfona fazia o que bem queria e com ela gravou verdadeiras obras primas: O xamego Aperriado, o forró Recordando Januário, o frevo Vassourinhas, o xote Xote das Mulheres, o baião Fim de Mundo, o forró Segura Ele, o baião Luizinho Dançando, o frevo Frevinho na Roça e o choro Estrada Velha da Pavuna.
Em agosto de 1952 Zé Gonzaga participou da famosa excursão de Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, à Paris para se apresentar no castelo de Coberville, fato que lhe rendeu outra briga homérica com o irmão porque Zé foi em seu lugar, pois Luiz havia brigado com Chateaubriand. Na França fez tanto sucesso que por lá permaneceu até o final de 1952, tendo feito show até no elegante cassino de Deauville.
O acervo de 78 rotações de Zé Gonzaga foi gravado pela Star, Odeon, Continental, Guanabara e Copacabana. Os LPs foram gravados pela Copacabana, Japoti, Beverly, Phonodisc e Cantagalo.
Zé Gonzaga morreu ressentido pelo fato de ter sido esquecido, de não ter sido procurado por gravadora e nem por promotores de eventos culturais, desde o fim da década de 1970. Também levou o coração magoado pelo não reconhecimento da crítica ao seu trabalho como músico e compositor. A grande mídia de hoje não sabe quem foi Zé Gonzaga. Até do irmão famoso disse ao jornalista Assis Ângelo, o homem que mais entende de forró no País: “Luiz não era tudo isso que se diz dele, não”.
Zé casou-se, mas passou pouco tempo casado. Como o irmão Luiz, era também muito alegre e conquistador. Teve inúmeros casos amorosos, mas demonstrava não ser feliz. Na verdade, era uma pessoa muito só. Não deixou filhos.Tinha adotado há vários anos a religião espírita. Sem dúvida, a sua sanfona, e a sua alegria faz enorme falta. Zé tinha uma puxada de fole ímpar jamais igualada por nenhum outro sanfoneiro mesmo os atuais. Talvez a música que diga muito dos seus sentimentos seja Estrada da Vida, de sua autoria:
Andei,
Pela Estrada da Vida
Na esperança de um dia
Encontrar um amor
Fiquei,
No meio da encruzilhada
A estrada fechada
E o meu sonho se acabou
Hoje,
Sei que estou condenado,
A viver desprezado,
Sem ninguém me querer
Ah Deus,
O que é que eu hei de fazer?
Zé Gonzaga foi sepultado no cemitério de Duque de Caxias/RJ, na baixada fluminense, onde residia. Entre os amantes do forró que conheceram o seu trabalho, deixou muita saudade, pois nunca houve um sanfoneiro como ZÉ GONZAGA.
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