Cantora completa 50 anos de carreira com repertório de compositores que nunca havia gravado
Por Ailton Magioli
Se, em seu disco anterior – 'Recanto' –, Gal Costa rompeu com o rótulo de cantora clássica para trazer à tona a intérprete roqueira e (até) eletrônica, no recém-lançado Estratosférica ela volta à estética pop, mostrando que um nada mais é do que consequência do outro.
“Estratosférica só existe por causa de Recanto”, afirma, em entrevista por telefone, a cantora baiana, que comemora 50 anos de carreira com o disco produzido por Kassin e Moreno Veloso, no qual, sob a direção artística e de repertório de Marcus Preto, ela canta 15 canções, sendo 14 inéditas, a maioria de jovens artistas que nunca cantou e/ou gravou antes.
“Marisa Monte, por exemplo, fez especialmente para mim Amor se acalme, em parceria com Arnaldo Antunes e Cezar Mendes”, diz Gal, orgulhosa. Ela conta que ouviu cada uma das canções que gravou várias vezes, até assimilá-las. “Fomos por eliminação”, afirma, sobre o método de escolha. Ela ouviu, ao lado de Marcus Preto, um sem-número de canções.
Já um veterano na feitura de letras, nas quais se especializou na carreira pop construída ao lado da irmã Marina Lima, Antônio Cícero, por exemplo, compôs Sem medo nem esperança, em parceria com Arthur Nogueira. A música se encaixa à perfeição no momento vivido por Gal. “É linda a canção, belíssima. Nela está tudo que eu queria dizer. É tão representativa do momento! É a letra do disco que mais forte me bate”, afirma ela, cuja interpretação é realmente digna do balanço de meio século de carreira.
“Não sou mais tola/Não mais me queixo/Não tenho medo/Nem esperança/Nada do que fiz/Por mais feliz/Está à altura/Do que há por fazer”, diz a letra. Porta-voz dos amigos tropicalistas Caetano Veloso e Gilberto Gil, exilados na Europa, em plena ditadura militar, Gal diz que faria tudo novamente, ainda que ela não tenha ido para Londres, ao lado deles, por falta de dinheiro.
CENSURA
“Não foi nada pensado. Foi a vida que nos impôs aquilo. Eu, na verdade, fiquei defendendo a Tropicália”, recorda ela, que, além de ter sido agredida, literalmente, nas ruas, por causa do visual black power, teve o disco Índia, no qual aparece de tanguinha na capa, censurado em 1973. “Além da venda liberada apenas com um invólucro na capa, ainda tivemos a canção Presente cotidiano, de Luiz Melodia, censurada e, posteriormente, liberada”, lembra Gal, cantarolando trechos da letra: “Tá tudo solto por aí/Tá tudo assim/Tá tudo assim...”
Autora da canção que puxa o disco, Mallu (ex-Magalhães) é a caçula dos autores gravados por Gal. A parceria de estreia de Milton Nascimento com o rapper Criolo, Dez anjos, é outro momento destacado pela baiana. O hermano Marcelo Camelo, que Gal Costa diz “adorar”, se juntou ao irmão-poeta Thiago Camelo para compor Espelho d'água. “É algo meio João Gilberto, manso, doce, bonito.” O único autor repetido no repertório de Estratosférica é o pernambucano Júnio Barreto, que agora comparece com Jabitacá, com Lira e Bactéria, e com a faixa-título, que compôs com Pupillo e Céu.
Feita sob encomenda, Estratosférica chegou para suprir o desejo de Gal de ter uma música dançante no novo repertório. “Pedi ao Pupillo (que gravou o disco com ela), que foi para casa e, no dia seguinte, apareceu com a música pronta.” Com Kassin, ela comentou que havia algo de Lincoln Olivetti na canção, que a remetia a Festa do interior, de Moraes Moreira. Resultado: Olivetti, que havia feito arranjo para aquela, logo foi procurado para fazer o que seria, provavelmente, o seu último arranjo, pouco antes de morrer. Dele, ela ainda gravou Muita sorte, da parceria com Rogê.
Ouça à faixa 'Dez Anjos', de Criolo e Milton Nascimento
BÔNUS
Gravado pela primeira vez por Gal Costa, Guilherme Arantes fez especialmente para ela Vou buscar você pra mim, que vem de faixa-bônus na versão digital do disco. “Adoro. Tinha tanta vontade que ele compusesse para mim”, afirma, lembrando que Kassin foi o porta-voz do pedido feito ao compositor.
Morando em Nova York, atualmente, Thalma de Freitas comparece com Ecstasy, da parceria com João Donato, enquanto Tom Zé retorna ao repertório da musa dos tropicalistas com Por baixo. Já o amigo Caetano Veloso está presente com Você me deu, com o filho Zeca Veloso, enquanto Johnny Alff é responsável pela outra faixa-bônus, Ilusão à toa. Moreno Veloso divide com Domenico Lancellotti a autoria de Anuviar, enquanto Alberto Continentino se responsabiliza por Casca, ao lado de Jonas Sá.
O show de lançamento do CD, segundo Gal Costa, deverá começar a ser ensaiado em agosto. “Pode ser que ache um diretor, mas não quero nada de cenário. Gostaria de fazer algo mais simples, bem minimalista, com uma bela luz que funcione de cenário.”
A propósito da turnê que vai reunir Caetano Veloso e Gilberto Gil para celebrar os 50 anos de carreira de cada, Gal Costa garante não ter pensado o mesmo em relação à amiga Maria Bethânia. “Não gosto de comemorar datas”, justifica Gal, lembrando que a primeira a se lançar artisticamente foi Bethânia, seguida de Caetano e ela, enquanto Gilberto Gil era gravado por Elis Regina.
Em um rápido balanço de sua trajetória, Gal Costa diz ter construído uma carreira maravilhosa de meio século, pautada por mudanças em variados momentos. “É uma carreira rica em mudanças, algumas radicais. Faço um balanço bem positivo de tudo. Orgulha-me, fui muito corajosa. Era muito angustiante estar aqui sozinha, enquanto Caetano e Gil estavam lá em Londres. De vez em quando, eu ia e trazia algumas canções.”
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