segunda-feira, 8 de junho de 2015

O FORRÓ COMO CULTURA POPULAR: DA CELEBRAÇÃO DO POVO AOS CURRÍCULOS ESCOLARES - PARTE 02

Por Silvério Leal Pessoa




RESUMO

Esta pesquisa está voltada para os Estudos Culturais e para área de Didática dos conteúdos específicos. Tem como objetivos investigar a relevância do forró como cultura popular e estruturador da identidade de um povo, e propor a inserção do forró nos temas transversais do currículo escolar. Utilizando de pesquisa bibliográfica, este estudo tem início com a análise dos conceitos de cultura popular e hegemonia. Analisa também o processo de globalização e como as novas tecnologias da comunicação e do mercado, influenciam a adoção de padrões culturais por parte da escola pública diferentes dos padrões culturais dos seus alunos e alunas. O currículo é averiguado como espaço de resistência e que envolve a construção de significados e valores culturais. Entretanto, não é um estudo que vai de encontro ao diálogo cultural, multicultural, pois avalia o conceito de hibridismo vinculado à identidade e subjetividade dos alunos e alunas em constante contato com diversas culturas. Assim, esta pesquisa não parte de uma perspectiva ortodoxa, isolando as culturas, e sim de uma interação e integração cultural averiguando o forró como possível fortalecedor de uma identidade, para daí iniciar o processo de diálogo. Para que essa proposta seja efetivada, o forró e a cultura popular devem ser inseridos como temas transversais do currículo escolar.


PALAVRAS-CHAVE: Cultura popular; forró; Hibridismo; Currículo escolar.


A cultura popular e o conceito de “Trânsito” de Paulo Freire

Paulo Freire associa a cultura popular com a ação prática do ser humano. (Apud, FÁVERO, 1983, p.101), pensa o ser humano como um elemento hábil, capaz de observar, compreender e mudar a realidade. É através da cultura que ele se sente interferidor. “Não se reduzindo a nenhuma das duas dimensões – a natural e a cultural – de que participa, da primeira pelo seu aspecto biológico, da segunda pelo seu poder criador, o homem é um ser eminentemente interferidor”. E continua, acrescentando que; “Sua ingerência em ambos esses mundos não o deixaria, a não ser distorcida e acidentalmente, como um simples espectador a quem não fosse permitido interferir para modificar”.

Continuando com Paulo Freire, (idem), esse ser no seu processo de viver inserido em uma cultura específica que o forma como membro de um coletivo, vai: “Criando e recriando, integrando-se às condições do seu contexto, respondendo a seus desafios, auto-objetivando-se, discernindo, transcendendo, lança-se o homem num domínio que lhe é exclusivo – o da história e o da cultura”.


Isso mostra o quanto a cultura popular possui habilidades para manter sua base, sua matriz hereditária na qual estão localizados os valores e os hábitos que estruturam sua particularidade. E essa particularidade dialoga com outras culturas diferentes de seu imaginário social. Nessa perspectiva, fica claro que existe uma resistência por parte da cultura popular diante de novas ações surgidas no mundo contemporâneo que inclui os processos de globalização, mundialização e do surgimento de novos mercados de consumo. A escola pública volta a ser um espaço e um núcleo importante para assegurar aos seus alunos a confirmação de sua identidade diante das atuais mudanças nas quais está inserida a cultura popular. Trata-se aqui da escola pública, instalada nos vários campos urbanos e rurais.

Estevan (apud, Fávero, 1983 p. 51) descreve que a cultura popular é a conscientização da realidade brasileira. Ou seja, os problemas sociais vinculados ao analfabetismo, falta de vagas nas universidades, discriminação racial, violência, estão ligados às condições de miséria do trabalhador do campo e do sistema econômico capitalista. O autor ainda insere nessa discussão as dificuldades que passa a indústria do livro, e consequentemente da leitura, hábito cada vez mais restrito a uma faixa reduzida da população. Essa problemática é também aplicada ao mercado cinematográfico que hoje tem as salas de exibições cada vez mais distantes dos anteriores cinemas dos bairros. Ou seja, todos esses problemas relacionados a cultura popular só vão encontrar solução, após uma profunda transformação na estrutura sócio-econômica e consequentemente nas relações de poder.

É nítida a situação atual na qual a cultura popular se encontra. Está estabelecida diante de um novo mundo tecnológico, de novos valores, de velocidade estonteante, provocando assim um contraste social e uma tensão entre a tradição e a modernidade, o antigo e o novo, o local e o global. Como a escola se vê diante desses tempos binários? Recorrendo mais uma vez a Paulo Freire, essa tramitação entre “mundos” e “épocas”, recebe nova definição, novo termo, “o trânsito”, conceito situado entre cultura popular, identidade, modernidade e singularidade. É o que diz Freire (apud Fávero,1983 p.102). “A passagem de uma para outra época se caracteriza por fortes contradições que se aprofundam com o choque entre valores emergentes em busca de afirmação, de plenificação, e valores do ontem, em busca de preservação”. Nesse movimento então, se instala o trânsito. Um clima dramático se estabelece diante das mudanças que nutrem a sociedade. O trânsito se alimenta de mudanças, constantes, variáveis, móveis, instáveis, nutrindo-se da busca acelerada da sociedade por novos temas e tarefas. Freire (idem) chama atenção para a educação como uma tarefa importante no “trânsito” no qual que vivemos. “A sua instrumentalidade decorrerá sobretudo da capacidade que tenhamos de nos integrar como trânsito mesmo”. A escola deve ser um espaço para fortalecer a cultura local, a identidade do aluno, nessa movimentação sofrida pela sociedade e pela cultura popular.

Referindo-se às mudanças sociais que passou a sociedade escravocrata, anterior, para uma sociedade revolucionária, o conceito de trânsito como o momento exato no qual um período histórico se vê diante de um novo período, pode ser analisado como um referencial que vai facilitar a compreensão sobre como a cultura popular enfrenta novas mudanças no cenário mundial. Envolvidos nesse trânsito estão os valores, hábitos e expressões de um coletivo regional, local, particular. Freire (1983) já anunciava os conflitos que o atual mundo apresenta no panorama cultural dos diversos povos, além de chamar atenção para o papel fundamental da escola nesse novo cenário.


REVENDO O CONCEITO DE IDENTIDADE

Depois de um enfoque conceitual e histórico sobre cultura popular, uma questão vem sendo amplamente discutida, fazendo uma ponte com as discussões sobre a inserção da cultura popular na modernidade e do papel da escola pública nas atuais mudanças do mundo. Uma reflexão sobre identidade. De um ponto de vista histórico, pode-se dizer que a identidade não é algo pronto, mas é algo em formação, constituição histórica que estrutura um indivíduo inserido em um processo coletivo e que sofre periodicamente o assédio das mudanças dos sistemas econômicos e da sociedade que não sendo estática, sofre modificações periódicas, cíclicas. Canclini (1999, p. 163) diz que “a identidade é uma construção que se narra”. Não é algo que se forma do nada, é histórica. “Os livros escolares e os museus, assim como os rituais cívicos e os discursos políticos, foram durante muito tempo os dispositivos com que se formulou a identidade de cada nação e se consagrou sua retórica narrativa” (CANCLINI, idem.).

O processo da globalização, por exemplo, é um processo que influencia atualmente as identidades que estavam em um local confortável e sem alteração, estáveis. As sociedades modernas, que em sua constituição trazem a rapidez das mudanças constantes, a identidade com base nas sociedades tradicionais, recebem o impacto dessas mudanças e exigências de adequações. Segundo Canclini (ibidem, p.174), associando identidade e ações do sistema de globalização e consumo, criando uma classificação por circuitos, o enfraquecimento das identidades em âmbito nacional e regional é visível no campo da computação, dos satélites, das redes virtuais e das tecnologias da informação, associadas aos momentos de tomadas de decisão e ao entretenimento pertencente ao grande mercado, como por ex: os vídeos, videogames etc. Tudo isso ocasiona uma reformulação das identidades, nos variados postos de trabalho e consequentemente no consumo. São os efeitos da globalização tecnológica e econômica que começam a ser estudados.


O que se passa no mundo é um constante ciclo de mudanças e adaptações, reformulações, re-ordenamento e adequações de grupos que antes vivenciando o mundo local se vê diante de novos mundos através de novos recursos tecnológicos. A identidade e a cidadania enfrentam um conflito. Por isso que estudar a maneira como estão sendo geradas as relações de continuidade, ruptura e hibridização entre estruturas locais e globais, tradicionais e ultramodernos, do desenvolvimento cultural é, atualmente, um dos maiores desafios para se refletir a identidade e a cidadania (ibidem, p.175). Estudar esses modos, que são atitudes de resistência diante de investidas modernas e tentativas do mercado de criar estruturas homogeneizadoras através do mercado de consumo, tendo como esteio os meios midiáticos (publicidades, canais de rádios e tvs, shopping centers etc.), deve acontecer no interior da escola através da compreensão desse novo momento cultural, e que deve ser realizado por encontros, estudos coletivos com o quadro de professores e professoras, funcionários, diretores, supervisores, orientadores, pais, e alunos, buscando mapear o que está acontecendo no mundo, inserindo a escola pública e a comunidade nesse contexto. Chamar atenção para a valorização da identidade local como forma de garantir o histórico da comunidade, e da família, até chegar no contexto escolar. Daí buscar formas conjuntas para garantir que essa identidade seja mantida, zelada, e multiplicada. Isso pode ser realizado através do currículo escolar e de um elemento que se identifica com a maioria dos alunos e alunas que frequentam a escola pública, o forró.

Canclini (ibidem, p.175) refletindo sobre a escola, o currículo e as tensões que esses momentos de mudanças estão gerando, coloca em evidência categorias que anteriormente estavam deixando de ser contempladas pelo discurso que o papel político moderno exerce diante dessas mudanças: “Não há apenas co-produção, mas também conflitos pela co-existência de etnias e nacionalidades nos cenários de trabalho e de consumo; daí as categorias de hegemonia e resistência continuarem sendo úteis.” Mesmo sendo um conceito em constante ampliação e reflexão teórica, e promovendo uma fragmentação do indivíduo moderno, a identidade é assunto presente e freqüente quando se articula a cultura popular, os processos modernos de transformação social e o papel da educação frente aos conflitos atuais que envolve as mudanças e a individualidade. Para Hall (2004, p. 39) a identidade é algo realmente formado, estruturado, ao longo da história e através de etapas inconscientes. A identidade não é algo inato, que já nasce com o ser humano, estabelecida previamente na hora da concepção ou nascimento. A identidade está sempre em formação, em processo, por isso mesmo incompleta em sua unidade.

A identidade é algo estruturado, formado, como um processo constante desde o nascimento do ser humano, e assim, vulnerável às modificações do meio na qual ela se apóia, a identidade não surge de sua plenitude. Existe uma identidade dentro de nós como indivíduos, mas ela surge como algo que tem que ser preenchido, pela sua falta de inteireza, que é “preenchida” através do nosso mundo exterior, e pelas diversas formas através das quais imaginamos ser percebidos, reconhecidos por outros. (HALL, idem).

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