domingo, 6 de dezembro de 2020

OCTAVIO CARDOZZO SE REVELA COMO COMPOSITOR EM 'TÁ TODO MUNDO MAL'

Depois de se destacar como intérprete, artista mineiro assina oito das 12 faixas de seu terceiro álbum. Letras falam de política e do ódio disseminado no mundo contemporâneo

Por Guilherme Augusto


Letras de Octavio Cardozzo falam dos desafios do Brasil contemporâneo e do ódio que vem dominando o mundo (foto: Gabriela Otati/divulgação)


Em setembro do ano passado, prestes a realizar show em Paris para uma plateia formada por pessoas de diferentes nacionalidades, o cantor e compositor mineiro Octavio Cardozzo “travou”. O desafio era cativar o público pela emoção – e não pelas letras das canções, em português. Superado o medo, o músico conseguiu se apresentar e tirou daquele show uma lição valiosa.

“Acabei a apresentação completamente maravilhado. Foi importante para perceber o quão grande é a profissão de artista, o quanto podemos impactar a vida das pessoas com a nossa arte. E é exatamente isso o que quero fazer. A linguagem artística é universal, qualquer um entende. Na volta para o Brasil, dentro do avião, falei com a minha banda que queria fazer um novo trabalho, muito inspirado por essa ocasião”, conta.


Intitulado Tá todo mundo mal, o álbum que chega às plataformas digitais nesta sexta-feira (23) é o terceiro da carreira do cantor. Diferentemente dos discos anteriores – Âmago (2017) e Âmago ao vivo no Palácio das Artes (2018) –, o novo trabalho expõe o lado compositor de um artista cuja carreira sempre foi marcada pela atuação como intérprete.

Das 12 faixas, oito são composições de Octavio – duas delas em parceria: Despedaço, com Gabriel Machado, e Do medo, com Gabriel Bruce e PC Guimarães. As demais são assinadas por Marina Sena (Seu olhar), Thiago Corrêa (Recados do tempo), Cotô Delamarque (Convite) e a dupla Frederico Demarca e Iara Ferreira (Perfume de araçá).



COLETIVO

“Sempre gostei de trabalhar coletivamente, tanto que nos meus registros anteriores gravei canções de outros autores. Demorei um pouco a me aceitar como compositor, sempre gostei das parcerias. Adoro o contato com outros artistas, ainda mais quando a gente pertence à mesma cena. Juntos, vamos construindo uma identidade, rompendo algumas barreiras e puxando um ao outro”, comenta.

As músicas assinadas por Octavio provam seu talento como letrista. De volta ao começo, responsável por abrir o trabalho, ambienta o disco numa toada épica falando sobre o atual momento do país, o que rende boas frases – como “se eles vivem ódio, eu vou amar é muito mais” e “enquanto vive o artista o Brasil vai se salvar”.

Na faixa-título, um pop rock honesto, o músico observa o desenrolar da política brasileira. “Essa letra nasceu na época do impeachment da Dilma (Rousseff), falo que 'o rolê nem começou'. Olhando em retrospecto, a música ganha um ar premonitório, porque, de certa forma, tudo o que a gente está vivendo hoje começou lá”, explica.

Destacam-se Vinco e A voz da minha mãe, canções introspectivas em que fica bastante claro o talento dos músicos que gravaram com Octavio Cardozzo: Gabriel Bruce (bateria) e PC Guimarães (guitarras), além da baixista Camila Rocha. A produção é de Leonardo Marques. A capa, uma ilustração em 3D, é assinada por Paulo Abreu, artista visual de BH.


BAHIA

Lançada como single em agosto, Bad in Bahia é um dos pontos altos do trabalho. Delicada e minimalista, a faixa conta com a participação de Luiza Brina. Outro convidado especial é Hélio Flanders, vocalista da banda Vanguart, com quem Octavio divide os vocais em Seu olhar. A banda mineira Lamparina e a Primavera completa a lista de participações na ótima Debaixo d'água, música com ares carnavalescos.

Octavio Cardozzo, inclusive, é cria do carnaval de rua de BH. Além de cantor do bloco Haja Amor, é um dos fundadores do Corte Devassa. Diante da pandemia, suas expectativas em relação à festa em 2021 não são otimistas. “Pessoalmente, sou contra, não acredito que um evento dessa proporção possa acontecer sem a perspectiva de segurança sanitária. Acho que ainda vai demorar para podermos fazer festas dessa magnitude, mas assim que a vacina chegar, quero estar na rua no dia seguinte”, comenta.

Relutante em relação ao formato de shows que surgiram durante a pandemia, o artista está isolado em casa desde março. Cardozzo fez sua primeira live no sábado passado. “Relutei muito. Gosto de olhar nos olhos do público, sentir a emoção de estar no palco. É o que me mantém vivo. Ao mesmo tempo, fiquei emocionado com o silêncio que se estabelecia após as canções. Soou como uma solenidade.”

Somando-se ao fértil e talentoso grupo de músicos mineiros que lançaram trabalhos de alta qualidade em 2020, Octavio Cardozzo entrega um disco atento a temas e à sonoridade de hoje. A geração de artistas a que ele pertence não deixa mentir: há algo brotando em Minas.

0 comentários:

LinkWithin