Depois de se destacar como intérprete, artista mineiro assina oito das 12 faixas de seu terceiro álbum. Letras falam de política e do ódio disseminado no mundo contemporâneo
Letras de Octavio Cardozzo falam dos desafios do Brasil contemporâneo e do ódio que vem dominando o mundo (foto: Gabriela Otati/divulgação)
Em setembro do ano passado, prestes a realizar show em Paris para uma plateia formada por pessoas de diferentes nacionalidades, o cantor e compositor mineiro Octavio Cardozzo “travou”. O desafio era cativar o público pela emoção – e não pelas letras das canções, em português. Superado o medo, o músico conseguiu se apresentar e tirou daquele show uma lição valiosa.
“Acabei a apresentação completamente maravilhado. Foi importante para perceber o quão grande é a profissão de artista, o quanto podemos impactar a vida das pessoas com a nossa arte. E é exatamente isso o que quero fazer. A linguagem artística é universal, qualquer um entende. Na volta para o Brasil, dentro do avião, falei com a minha banda que queria fazer um novo trabalho, muito inspirado por essa ocasião”, conta.
Intitulado Tá todo mundo mal, o álbum que chega às plataformas digitais nesta sexta-feira (23) é o terceiro da carreira do cantor. Diferentemente dos discos anteriores – Âmago (2017) e Âmago ao vivo no Palácio das Artes (2018) –, o novo trabalho expõe o lado compositor de um artista cuja carreira sempre foi marcada pela atuação como intérprete.
Das 12 faixas, oito são composições de Octavio – duas delas em parceria: Despedaço, com Gabriel Machado, e Do medo, com Gabriel Bruce e PC Guimarães. As demais são assinadas por Marina Sena (Seu olhar), Thiago Corrêa (Recados do tempo), Cotô Delamarque (Convite) e a dupla Frederico Demarca e Iara Ferreira (Perfume de araçá).
COLETIVO
“Sempre gostei de trabalhar coletivamente, tanto que nos meus registros anteriores gravei canções de outros autores. Demorei um pouco a me aceitar como compositor, sempre gostei das parcerias. Adoro o contato com outros artistas, ainda mais quando a gente pertence à mesma cena. Juntos, vamos construindo uma identidade, rompendo algumas barreiras e puxando um ao outro”, comenta.
As músicas assinadas por Octavio provam seu talento como letrista. De volta ao começo, responsável por abrir o trabalho, ambienta o disco numa toada épica falando sobre o atual momento do país, o que rende boas frases – como “se eles vivem ódio, eu vou amar é muito mais” e “enquanto vive o artista o Brasil vai se salvar”.
Na faixa-título, um pop rock honesto, o músico observa o desenrolar da política brasileira. “Essa letra nasceu na época do impeachment da Dilma (Rousseff), falo que 'o rolê nem começou'. Olhando em retrospecto, a música ganha um ar premonitório, porque, de certa forma, tudo o que a gente está vivendo hoje começou lá”, explica.
Destacam-se Vinco e A voz da minha mãe, canções introspectivas em que fica bastante claro o talento dos músicos que gravaram com Octavio Cardozzo: Gabriel Bruce (bateria) e PC Guimarães (guitarras), além da baixista Camila Rocha. A produção é de Leonardo Marques. A capa, uma ilustração em 3D, é assinada por Paulo Abreu, artista visual de BH.
BAHIA
Lançada como single em agosto, Bad in Bahia é um dos pontos altos do trabalho. Delicada e minimalista, a faixa conta com a participação de Luiza Brina. Outro convidado especial é Hélio Flanders, vocalista da banda Vanguart, com quem Octavio divide os vocais em Seu olhar. A banda mineira Lamparina e a Primavera completa a lista de participações na ótima Debaixo d'água, música com ares carnavalescos.
Octavio Cardozzo, inclusive, é cria do carnaval de rua de BH. Além de cantor do bloco Haja Amor, é um dos fundadores do Corte Devassa. Diante da pandemia, suas expectativas em relação à festa em 2021 não são otimistas. “Pessoalmente, sou contra, não acredito que um evento dessa proporção possa acontecer sem a perspectiva de segurança sanitária. Acho que ainda vai demorar para podermos fazer festas dessa magnitude, mas assim que a vacina chegar, quero estar na rua no dia seguinte”, comenta.
Relutante em relação ao formato de shows que surgiram durante a pandemia, o artista está isolado em casa desde março. Cardozzo fez sua primeira live no sábado passado. “Relutei muito. Gosto de olhar nos olhos do público, sentir a emoção de estar no palco. É o que me mantém vivo. Ao mesmo tempo, fiquei emocionado com o silêncio que se estabelecia após as canções. Soou como uma solenidade.”
Somando-se ao fértil e talentoso grupo de músicos mineiros que lançaram trabalhos de alta qualidade em 2020, Octavio Cardozzo entrega um disco atento a temas e à sonoridade de hoje. A geração de artistas a que ele pertence não deixa mentir: há algo brotando em Minas.
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